Laços de família

ConJur pode contar briga de juiz e sua mulher

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12 de janeiro de 2010, 15h11

Por constatar que a revista Consultor Jurídico não se excedeu na função de informar, o juiz Bruno Machado Miano, da 2ª Vara Cível de Dracena (SP), negou o pedido de indenização e cassou a liminar que mandou despublicar notícias sobre o juiz José Roberto Canducci Molina, na época da 1ª Vara de Adamantina, no interior paulista. Em 2006, a revista publicou notícias sobre dois processos a que ele respondia, um por desacato a policial, acusação da qual ele acabou absolvido pelo TJ paulista, e outro também sobre a anulação da pena aplicada a ele por bater na sua mulher e na sogra.

O juiz Bruno Miano afirmou que não havia como responsabilizar a ConJur por ter praticado um ato lícito e assegurado pela Constituição. “Os fatos noticiados, todos eles graves, comportavam e comportam interesse dos órgãos de imprensa, porque relacionados a uma pessoa — o autor — que exerce função pública: a de juiz de Direito”, escreveu Miano na decisão.

Para o juiz, se os fatos noticiados são verdadeiros ou não, a questão deve ser discutida no âmbito apropriado, de acordo com o devido processo legal. “Mas isso não impede de se noticiar as imputações formuladas.”

O juiz afirmou que os fatos que foram reportados na notícia não estão sob sigilo. Para o juiz, ainda que os dados não fossem públicos, cabia ao órgão de imprensa informá-los ao ter conhecimento deles. “A liberdade de uma imprensa isenta constitui também dever correlato ao direito do cidadão ser informado”, disse.

Miano constatou que não houve irreverência nas notícias publicadas. Ele disse que podia constatar ironia, mas que esta não era do jornalista e sim de um desembargador durante a sessão do Órgão Especial do TJ paulista.

Comentários dos leitores
Miano também afastou a responsabilidade do site no caso dos comentários dos leitores. “Seria mesmo incongruente exigir de um órgão de imprensa que censurasse os cidadãos, manietando-os de espaço destinado à liberdade de expressão”, entendeu.

Para o juiz, se algum comentário ultrapassou os limites do direito à crítica, é o comentarista e não o veículo que deve ser responsabilizado. O juiz lembrou que o anonimato dos leitores é vedado. Mas Molina, disse o juiz, não provou ter pedido à revista a identificação correta dos comentaristas. “Não se pode sequer afirmar da ocorrência de anonimato, mas sim, e somente, de pseudônimos”, disse.

Em julho de 2006, a ConJur noticiou que o juiz José Molina havia sido denunciado pela Procuradoria-Geral de Justiça por desacato a policiais. Em agosto do mesmo ano, contou que o Órgão Especial do TJ de São Paulo havia aceitado a denúncia. Em outubro, a revista publicou notícia que informava sobre o processo em que os desembargadores do tribunal paulista decidiram recurso do juiz, acusado de agredir a mulher e a sogra. Em novembro, foi publicada notícia com a decisão do TJ paulista, que absolveu o juiz dessa acusação.

Molina entrou com ação contra a revista, pedindo tutela antecipada para que a revista retirasse do ar notícias envolvendo seu nome. Também pediu indenização por danos morais. A princípio, a primeira instância negou a liminar. Com a publicação de novas notícias e com a emenda da inicial, a tutela foi deferida.

A revista, defendida pelos advogados Alexandre Fidalgo e Juliana Akel, do Lourival J. Santos Advogados, rebateu, afirmando que as notícias publicadas se limitaram a narrar os fatos e a transcrever trechos de decisão proferida em sessão pública e de documentos oficiais. Em fevereiro de 2009, a ConJur voltou a publicar notícia sobre o juiz, contando a absolvição dele no processo em que ele era acusado de desacato a policiais.

Leia a decisão

Processo Nº 001.01.2006.006033-0

SENTENÇA:

JOSÉ ROBERTO CANDUCCI MOLINA ajuizou a presente causa em face de DUBLÊ EDITORIAL E JORNALÍSTICA LTDA. pretendendo, em síntese, a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais que lhe causou. Afirma para tanto que, no dia 20 de julho de 2006, surpreendeu-se com uma matéria publicada no site ‘Consultor Jurídico’ noticiando os processos que tramitam contra si no Colendo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça Paulista.


Depois, em 09 de agosto de 2006, houve nova publicação, pela ré, de notícia referente ao autor, sobre fato de sua vida particular, sem interferência na vida do cidadão. Finalmente, alega que em referido site são publicados os comentários dos leitores – realizados de forma a desmerecê-lo, menoscabando sua pessoa e “atribuindo-lhe conduta desonrosa, desonesta e imoral” (fls. 8, quinto parágrafo, sic).

Trouxe jurisprudência, citações doutrinárias e, ao final, pediu que lhe fosse antecipada a tutela, a fim de se retirar do site as notícias que envolvem seu nome. Deu à causa o valor de um mil reais (fls. 2/25). Juntou documentos (fls. 26/69).

Houve declaração de suspeição do então MM. Juiz Titular da Vara (fls. 72/74) e posterior designação deste subscritor para funcionar nos autos (fls. 76).

Indeferida a antecipação de tutela (fls. 78), foi a inicial emendada a fls. 79/89, para ter como pedido, também, a condenação da ré a não mais publicar notícias e comentários envolvendo a vida íntima do autor. Houve, com a emenda, a juntada de novos documentos, dando conta de outras notícias veiculadas no site mantido pela ré (documentos a fls. 90/93). Com a emenda e novos argumentos, houve a reconsideração da decisão de fls. 78, antecipando-se um dos efeitos da tutela, a fim de determinar à ré a retirada das notícias envolvendo o autor. Citação pessoal documentada a fls. 105. Juntada de novos documentos, pelo autor (fls. 107/272 e a fls. 276/282).

O processo foi suspenso até que fosse definitivamente julgada a exceção de suspeição argüida pelo autor contra este Magistrado, em outros autos, dada a sua prejudicialidade (fls. 283).

Rejeitada a exceção (certidão a fls. 298), a ré ofereceu sua contestação, em cujo bojo: a) esclarece o que é o site ‘Conjur’; b) aduz que as notícias veiculadas não diziam respeito a processos sigilosos, bem como se limitaram a narrar os fatos, transcrevendo trechos de decisão proferida em sessão pública e de documentos oficiais; c) afirma que os fatos noticiados são relevantes para a sociedade e sequer foram negados pelo autor; d) defende a possibilidade de comentários dos leitores, como conseqüência da liberdade de expressão do pensamento – não sendo sua a responsabilidade por eventuais ofensas; e) invoca a liberdade de imprensa e a responsabilidade das pessoas públicas; e, finalmente, f) infirma a ocorrência de danos (fls. 304/327; documentos a fls. 328/347).

Réplica a fls. 355/361.

Instadas a especificar provas (fls. 365), o autor pugnou pelo julgamento antecipado da lide (fls. 369/370), ao passo que a ré requereu a produção de prova oral, para demonstrar a veracidade das informações publicadas (fls. 372/376).

Nada obstante, a instrução processual foi considerada encerrada, com prazo para as alegações finais das partes, à vista dos documentos juntados. O autor se manifestou a fls. 383/391. A ré interpôs agravo retido (fls. 393/397), contra-minutado a fls. 400/402. Alegações finais da ré a fls. 403/410.

É o relatório, já bastante extenso.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Mantenho a decisão agravada, porque a prova oral requerida, tendente à demonstração da veracidade dos fatos noticiados, não possui pertinência com esta causa. Com efeito, a prova da veracidade desses fatos deve se dar no âmbito correto, criminal, em que goza o autor da prerrogativa de foro especial. Trazer para estes autos a comprovação da veracidade das notícias é, maxima venia, subverter regras de competência; ademais, aumentaria os limites desta lide, desnecessariamente, afinal, o cerne da questão aqui posta é outro: se essas notícias têm o condão de causar os alegados danos morais.

Passa-se, assim, ao julgamento antecipado da lide, com fundamento no art. 330, I, do CPC.

A pretensão do autor não procede. De tudo quanto consta nos autos, verifica-se a inexistência de ato ilícito praticado pela ré – pressuposto da responsabilidade civil e, portanto, do dever de indenizar. Restou documentalmente demonstrado (fls. 328/346) que os fatos noticiados não estavam acobertados por sigilo; desse modo, eram – e são – públicos, máxime porque todos eles extraídos de peças processuais. Também ficou comprovado que a ré não inventou as notícias; ao revés, cumprindo sua missão constitucional de informar, trouxe a público dados a todos disponíveis.


Aqui, pequeno adendo: mesmo que não fossem públicos os atos, mas tendo o órgão de imprensa deles tomado conhecimento, incumbia-lhe da mesma forma noticiar, informar, porque a liberdade de uma imprensa isenta constitui também, dever, correlato ao direito do cidadão ser informado.

Assim, não há como responsabilizá-la pela prática de um ato lícito e constitucionalmente assegurado. Os fatos noticiados, todos eles graves, comportavam e comportam interesse dos órgãos de imprensa, porque relacionados a uma pessoa – o autor – que exerce função pública: a de Juiz de Direito. E função por meio da qual se encarrega de julgar o semelhante, razão pela qual deve dar exemplos de ponderação, serenidade, prudência e humildade. Se verdadeiros ou não tais fatos, é questão de prova a ser produzida no âmbito apropriado, respeitado o devido processo legal. Mas isso não impede de se noticiar as imputações formuladas.

Tampouco a existência de comentários dos leitores das notícias veiculadas no site permite a responsabilização da ré: primeiro, porque seria mesmo incongruente exigir de um órgão de imprensa que censurasse os cidadãos, manietando-os de espaço destinado à liberdade de expressão.

E segundo porque, afinal, se algum desses comentários desbordou do legítimo direito à crítica, quem deve ser responsabilizado é seu autor, e não a ré. Claro que o anonimato desses leitores é vedado (art. 5º, IV, CF); entretanto, não provou o autor tenha requerido à ré a identificação correta deles. Desse modo, não se pode sequer afirmar da ocorrência de anonimato, mas sim, e somente, de pseudônimos.

Finalmente, não se verifica, também, irreverência nas noticias veiculadas: o máximo que se depreende é ironia, e não do jornalista, mas sim de um e. Desembargador, ao refutar os argumentos apresentados por outro e. Magistrado, durante a sessão do Colendo Órgão Especial (notícia reproduzida a fls. 06/07).

Repise-se: a ré não ofendeu, não difamou, não injuriou. Apenas, cumprindo sua missão constitucional, informou fatos ocorridos e em apuração. Prova de que os fatos não foram inventados é a instauração, pela Corregedoria Geral da Justiça Paulista, de procedimento destinado a verificar o comportamento do autor.

Além disso, o C. Órgão Especial recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Paulista, demonstrando, indene de dúvidas, da plausibilidade de tudo quanto se noticiou.

Desse modo, ausente ato injurídico pela ré, inexiste nexo causal a lhe vincular aos supostos danos sofridos pelo autor. Da mesma forma, não correndo os processos sob segredo de justiça, conforme comprovado, não há qualquer óbice à publicação dos fatos neles tratados.

Assim, pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão ajuizada por JOSÉ ROBERTO CANDUCCI MOLINA em face de DUBLÊ EDITORIAL E JORNALÍSTICA LTDA., razão pela qual: a) revogo a liminar concedida a fls. 95/96; e, b) condeno o autor ao pagamento das custas, das despesas processuais e da verba honorária da parte contrária, ora fixada, por equidade (art. 20, § 4º, CPC), em R$ 2.325,00 (dois mil, trezentos e vinte e cinco reais) – valor esse correspondente a cinco salários mínimos, e que remunera condignamente o n. patrono da ré, assim considerados a complexidade da causa, o grau de zelo do profissional, mas, também, a desnecessidade de produção de prova oral.

P. R. I. C.

De Dracena para Adamantina, em 11 de dezembro de 2009

Bruno Machado Miano

Juiz de Direito

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