RETROSPECTIVA 2009

Ministério Público assistiu ao próprio amadurecimento

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4 de janeiro de 2010, 12h38

O ano de 2009 para o Ministério Público vai ser lembrado por mudanças marcantes. Os promotores e procuradores viram a troca do comando da Procuradoria-Geral da República depois de quatro anos, que resultou na subida ao cargo da primeira mulher na função. Nos 22 dias que Deborah Duprat ocupou a cadeira mais alta da carreira, marcou posições firmes, sem medo de polemizar. Em seguida, Roberto Gurgel, já efetivamente no cargo, manteve o já tão elogiado trabalho de seu predecessor, Antonio Fernando de Souza.

No controle administrativo do arquipélago formado pelas unidades do MP em todo o país, o Conselho Nacional do Ministério Público conseguiu fincar pegadas mais profundas. Apesar das amarras do orçamento enxuto, o órgão se empenhou em inspeções produtivas, na tentativa de mapear os problemas. Atacá-los fica mesmo para 2010, com a esperança de uma calibragem no caixa. Mesmo assim, os conselheiros baixaram diretrizes importantes, como resoluções sobre a necessidade de transparência financeira e regras para concursos públicos. Mostrou vocação para protagonista, não coadjuvante.

A troca no comando da Procuradoria-Geral da República colocou o Ministério Público sob os holofotes do mundo jurídico. Venerado e respeitado inclusive pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, Antonio Fernando de Souza ouviu do próprio ministro Cezar Peluso que ele seria seu escolhido para ocupar uma cadeira na corte — cadeira que acabou com o ministro Dias Toffoli.

Razões não faltaram para os elogios. Antonio Fernando deixou oficialmente o cargo de procurador-geral no dia 25 de junho, com um saldo de 130 Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas, 45 denúncias e 141 pedidos de instauração de inquérito apresentados ao Supremo Tribunal Federal. Fez outros 71 pedidos ao STF, entre Suspensões de Segurança, Reclamações e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. Foram 387 ações ao todo.

Ficou quatros anos à frente da PGR. Indicado por Lula, Antônio Fernando tomou posse em junho de 2005. Dois anos depois, foi reconduzido para comandar a Procuradoria por mais um mandato. Além da PGR, comandou também o Ministério Público da União, foi procurador-geral eleitoral, presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, do Conselho de Assessoramento Superior do Ministério Público da União e do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

A primeira mulher
O fim do mandato de Antonio Fernando abriu espaço para a primeira mulher assumir o cargo, mesmo que interinamente. Por 22 dias, Deborah Duprat honrou a função ao ajuizar pedidos polêmicos no STF. A passagem de Deborah pela chefia da Procuradoria-Geral da República foi meteórica e intensa. Como procuradora-geral, desengavetou a ação sobre aborto de anencéfalos e ajuizou processos polêmicos no Supremo Tribunal Federal sobre a Marcha da Maconha, grilagem na Amazônia e união civil entre homossexuais.

O primeiro deles, em julho, foi pelo reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o que hoje não é previsto em lei. A procuradora ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental afirmando que o Poder Público deixa de reconhecer uma série de direitos que seriam alcançados caso a união homossexual fosse considerada uma entidade familiar, entre eles o direito ao recebimento de benefícios previdenciários, à declaração conjunta de Imposto de Renda, à visitação íntima em presídios e à licença no caso de morte do companheiro ou da companheira. A PGR afirmou que há uma multiplicidade de atos e omissões do Estado que implicam ofensa aos direitos fundamentais dos homossexuais.

O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, no entanto, pediu que a ação fosse melhor fundamentada, já que uma outra ADPF sobre o mesmo tema já havia sido ajuizada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Por fim, no dia da posse do novo procurador-geral, Roberto Gurgel, ela viu a ação ser reautuada pelo STF. Gilmar Mendes transformou o processo em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Também foi de Deborah o parecer favorável ao aborto de fetos sem cérebro. A procuradora entendeu que se a anencefalia for diagnosticada por médico habilitado, deve ser reconhecido à gestante o direito de se submeter ao procedimento, sem a necessidade de prévia autorização judicial. “A proibição de antecipar o parto de fetos com anencefalia vai contra o direito à liberdade, à privacidade e à autonomia reprodutiva, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde", disse o parecer.

A procuradora também se posicionou contra o governo. Deborah Duprat questionou a Medida Provisória 458/09, sobre a regularização fundiária da Amazônia. Assim como havia feito oposição durante as votações no Congresso, Deborah disse que artigos da lei convertida favorecem os grileiros. “O Supremo deve declarar que o aproveitamento racional e adequado, aludido no preceito em questão, envolve também o dever de não provocar qualquer tipo de desmatamento irregular na área regularizada, bem como o de também recuperar as lesões ambientais causadas pelo ocupante ou por seus antecessores antes da regularização fundiária.” Para isso, a PGR entrou com uma ADI.

No último dia à frente da PGR, entrou com uma ADPF e uma ADI para que o Supremo dê a palavra final sobre a licitude das manifestações favoráveis à legalização das drogas, em especial a Marcha da Maconha. O evento teve de ser cancelado em diversos estados, em razão de decisões judiciais que classificaram a marcha como apologia às drogas. Para ela, defender a legalização da maconha é um exercício da liberdade de expressão.

No varejo, Deborah também pediu que o Supremo garantisse o direito de transexuais trocarem de nome mesmo sem cirurgia de sexo, e que definisse a questão dos benefícios aos contribuintes inadimplentes. Foi contra também restrições aos militares para o acesso à Justiça e criticou, ainda, a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público para regulamentar os pedidos de grampos telefônicos. Em nome da liberdade artística, entrou com ação contra a regulamentação da profissão de música.

A procuradora-geral interina pediu ainda a inconstitucionalidade de lei paulista que criou regras para o uso de cão-guia. A lei obriga que o proprietário ou instrutor do cão seja filiado à Federação Internacional de Cães-guia, “em evidente ofensa aos direitos de livre associação”, segundo ela. Outra ADPF foi apresentada para que o conceito de pessoa com deficiência do ordenamento jurídico brasileiro seja o mesmo de convenções internacionais, cuja interpretação é mais genérica. Na ação, a PGR afirma que a lei brasileira é restritiva e denega benefícios de prestação continuada a um número significativo de pessoas que têm deficiência e vivem em condições de absoluta penúria.

Mesmo substuída pelo atual procurador-geral, Roberto Gurgel, Deborah não parou. Na vice-procuradoria-geral, ela ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 12.015/09, que trata dos crimes contra a dignidade sexual. A PGR questiona o dispositivo sobre crime de estupro do qual resulte lesão corporal grave ou morte. Agora, nesses casos, deve haver Ação Penal Pública condicionada à representação e não mais Ação Penal Pública Incondicionada. A PGR quer que o Supremo deixe claro que, no estupro qualificado por morte ou lesão grave, a Ação Penal seja pública incondicionada. Para a vice-procuradora, a atual redação ofende a dignidade.

Comando definitivo
Ao assumir definitiamente a chefia do Ministério Público, o procurador-geral Roberto Gurgel também não deixou por menos. Em parecer encaminhado em julho ao Supremo, a PGR entrou de cabeça em mais uma polêmica ao se mostrar favorável à política de cotas para o ingresso de alunos nas universidades públicas. O órgão pediu o indeferimento da Medida Cautelar proposta pelo DEM em ação que questionava o sistema de cotas raciais instituído pelas universidades públicas, especificamente pela Universidade de Brasília. 

Roberto Gurgel, entendeu constitucionais as políticas de ações afirmativas. Segundo ele, a própria Constituição Federal consagrou expressamente medidas “em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade”. Os exemplos foram os incentivos específicos para a proteção da mulher no mercado de trabalho, além da reserva percentual dos cargos e empregos públicos para deficientes.

Gurgel também foi ao Supremo reclamar que a emenda constitucional que aumentou o número de vereadores no país não pode retroagir para as eleições de 2008. O procurador-geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra emenda originada na PEC dos Vereadores, que aumentou em mais de sete mil o número de vereadores em todo o país. Para o procurador-geral, a alteração promove imensa interferência em eleições já encerradas, pondo todos os municípios do país a refazer os cálculos dos quocientes eleitoral e partidário, com nova distribuição de cadeiras, a depender dos números obtidos, que podem, inclusive, trazer à concorrência partidos que não obtiveram lugares anteriormente.

No campo eleitoral, não houve descanso para os procuradores. Governadores de seis estados — Roraima, Rondônia, Maranhão, Tocantins, Paraíba e Sergipe — foram denunciados por fraude na campanha eleitoral e abuso de poder político. Três acabaram cassados: Marcelo Miranda, no Tocantins, Jackson Lago, no Maranhão, e Cássio Cunha Lima, na Paraíba. Também perdeu o mandato o senador Expedito Junior, de Rondônia. Entre os governadores ameaçados estão Marcelo Déda (PT-SE), Roseana Sarney (PMDB-MA), Anchieta Júnior (PSDB-RR) e Ivo Cassol (sem partido-RO).

O procurador-geral da República também emitiu parecer favorável à aceitação da denúncia criminal contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O parlamentar e outros investigados são acusados pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro supostamente praticados no chamado esquema do mensalão mineiro. Segundo o MPF, foram desviados cerca de  R$ 3,5 milhões dos cofres públicos de Minas Gerais, durante a campanha eleitoral de 1998 ao governo do estado. No início de dezembro, a corte seguiu o parecer a aceitou a denúncia.

Lupa interna
Surgido como uma espécie de quarto Poder com a Constituição de 1988, da mesma forma que ganhou força como órgão de acusação, o Ministério Público perdeu credibilidade ao multiplicar acusações inconsistentes e se mostrar leniente na fiscalização de seus integrantes. Quem tenta mudar essa imagem é o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão de controle administrativo da classe que, entre as atribuições que ostenta, tem o dever de acompanhar o comportamento disciplinar das instituições estaduais e federais.

Instalado em 2005, depois de sua criação pela Emenda Constitucional 45/04, em 2009 o conselho ganhou sua terceira gestão, que começou a trabalhar em agosto, para um mandato de dois anos. À sombra de seu coirmão, o Conselho Nacional de Justiça, o CNMP corre atrás para conseguir igualar o desempenho. A principal dificuldade é o orçamento.

É por isso que a prioridade dos novos membros recém nomeados para o CNMP é conseguir condições para ampliar a estrutura. “Apenas no ano passado — 2008 — uma lei permitiu que os conselheiros tivessem pelo menos dois assessores no gabinete. Trabalhamos com muitos servidores cedidos pelo Ministério Público Federal”, diz o conselheiro Bruno Dantas. “Não adianta fazermos um planejamento se temos na área de tecnologia da informação, por exemplo, apenas um técnico”, afirma. Por isso, um anteprojeto de lei encaminhado neste ano ao Congresso Nacional pretende ampliar essa estrutura.

E é principalmente na área de informática que o conselho enfrenta suas dificuldades mais emergentes. Não se tem sequer como checar as contas dos Ministérios Públicos estaduais, federais, eleitorais e do Trabalho para saber se os pagamentos estão sendo feitos corretamente. Cada unidade do MP é autônoma para criar seu próprio sistema de contabilização e pagamentos, o que dificulta ao CNMP acompanhar diárias, parcelas remuneratórias e a quantidade de servidores efetivos e comissionados, pagos com dinheiro público. O programa Pró-MP pretende resolver isso, integrando os sistemas dos MPs e uniformizando a linguagem.

O problema será resolvido com um orçamento anual na ordem de R$ 30 milhões, como Roberto Gurgel tenta convencer o Congresso Nacional. Em 2009, os gastos da instituição tiveram que se limitar a R$ 12 milhões, valor sete vezes menor que o orçamento do CNJ. Pelo menos R$ 22 milhões já estão perto, mas devem ser consumidos pelo aumento do número de servidores no Conselho.

Responsável por manter a disciplina, o conselho demonstrou vontade de acertar. No saldo, a perda do cargo de pelo menos um subprocurador da República, envolvido nas investigações da Operação Anaconda, da Polícia Federal, que apurou um esquema de venda de sentenças. Na conta, entram também duas inspeções nos MPs do Amazonas e do Piauí, que resultaram em procedimentos disciplinares contra procuradores que ganhavam salários mas sequer moravam na comarca da qual eram responsáveis, o que é proibido.

Por meio de resoluções, o CNMP também implantou mudanças importantes. A Resolução 34, publicada em janeiro, reservou os cargos comissionados na carreira apenas a assessores em função de direção, chefia e assessoramento, não permitindo mais a participação de pessoas não concursadas em tarefas burocráticas do dia a dia. Pela norma, cada MP deve divulgar em seu portal na internet a quantidade e a função de cada comissionado, bem como o detalhamento dos gastos da unidade.

Outra resolução de destaque foi a de número 40, editada em maio. A norma estabeleceu critérios mais claros para os concursos de ingresso na carreira. A ideia foi evitar confusões como a que ocorreu no concurso público para promotor em Pernambuco, em que toda uma fase foi anulada devido à obrigatoriedade criada pela comissão avaliadora de identificação dos recorrentes. O CNMP entendeu que os recorrentes não poderiam ser identificados, para que não houvesse violação de princípios, como o da impessoalidade. A anulação fez com que os recursos tivessem que ser novamente interpostos — dessa vez sem o nome dos recorrentes.

Entre os desafios, o principal ainda é conquistar espaço. “O conselho precisa se fazer conhecer”, diz o conselheiro Bruno Dantas. Segundo ele, a demanda de processos protocolados no conselho ainda é razoável, e precisa aumentar. “Isso também vai crescer com o aumento do número de inspeções, e com a divulgação dos resultados delas”, aposta.

Chamado à polêmica
Cada vez que os tribunais superiores recebem casos polêmicos, a dificuldade também cai no colo do MP. Situação que pôs na balança o poder discricionário do Executivo em questões de relações internacionais e de concessão de refúgio político e os limites das decisões do Judiciário em matéria de Extradição, a entrega do ex-militante de esquerda italiano Cesare Battisti a seu país ainda mexe com melindres entre os poderes. O STF decidiu em novembro atender ao pedido de Extradição do governo italiano, mas Battisti ainda pode escapar caso a Presidência da República encontre uma forma de manter a decisão do Ministério da Justiça de protegê-lo no Brasil.

Um dos pontos mais discutidos no Supremo ao julgar a Extradição foi a prescrição dos crimes pelos quais Battisti foi condenado na Itália. Foi justamente aí que a atuação da PGR foi fundamental. O então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, em abril, deu parecer em em pedido de liberdade feito pela defesa do italiano, que ainda está preso preventivamente. Antonio Fernando afastou a alegação de transcurso do prazo prescricional, pois o processo de Extradição estava suspenso desde 2 de julho de 2008, data em que o Comitê Nacional para os Refugiados comunicou que o extraditando havia ingressado com um pedido de refúgio. O refúgio foi garantido pelo ministro da Justiça, Tarso Genro.

A defesa de Battisti alegou que a condenação prescreveu em 13 de dezembro de 2008 e que a sentença condenatória proferida pela Corte de Assisse de Milão transitou em julgado para o Ministério Público italiano em 13 de dezembro de 1988. O período máximo da pena permitido no Brasil é 30 anos. Entretanto, o procurador-geral afirmou que, de acordo com a Nota Verbal que inaugura o pedido de Extradição, as decisões condenatórias transitaram em julgado em 8 de abril de 1991 e 10 de abril de 1993 e, portanto, a prescrição só ocorreria em 2011 e 2013.

Outro caso de repercussão em que a Procuradoria-Geral da República teve papel fundamental foi o da extradição do israelense Elior Noam Hen, que morava no Brasil e foi acusado de abuso e violência contra menor e conspiração para cometer crime, delitos previstos na Lei Penal israelense. A questão ganhou relevância porque o suposto crime praticado contra crianças israelenses aconteceu na cidade de Beitar Illit, território que hoje é administrado pela Palestina, mas na época estava sob ocupação militar de Israel.

No pedido de extradição, Israel acusou Hen de submeter crianças israelenses a sofrimento físico e mental sob o argumento de que estes seriam métodos de purificação e de castigo. Elas estariam possuídas pelo demônio. O Supremo acabou concedendo a Extradição devido ao fato de que o acusado e as vítimas eram israelenses, embora o crime tenha acontecido em território ocupado. 

O parecer da PGR, entregue em fevereiro ao Supremo e assinado pela subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques foi favorável à Extradição, já que o inquérito policial foi conduzido pela Polícia de Israel e os mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal de Magistrados de Jerusalém, cuja jurisdição abrange Beitar Illit. Cláudia explicou que a cidade é “um assentamento oficial israelense ultraortodoxo, isto é, integra o Estado israelense, submetendo-se às suas leis, jurisdição e administração política”. Em relação ao argumento de que a Palestina não é reconhecida como Estado soberano, afirmou que cabe à Presidência da República a análise de questões relacionadas à relação com Estados estrangeiros. 

Fiscal da lei
Para quem vê o Ministério Público como um acusador por excelência, o parecer dado pela Procuradoria-Geral da República sobre o vazamento de um dossiê feito contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um contrassenso. É que a PGR defendeu os acusados Dilma Rousseff e Tarso Genro, ministros da Casa Civil e da Justiça, respectivamente, das acusações de participar do vazamento do relatório sobre gastos de FHC. Em parecer entregue em maio ao STF, a PGR afirmou não haver indícios da participação dos dois. “Não consta dos autos sequer indícios da participação da ministra da Casa Civil Dilma Roussef, do ministro da Justiça Tarso Genro e do ministro Jorge Hage nos fatos noticiados, nenhuma prova de que partiu da primeira a ordem para a elaboração do dossiê ou para a divulgação dos dados, nem da omissão dos demais na apuração dos fatos”, diz a manifestação.

Com o parecer, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, determinou novamente que o processo para apuração do vazamento das informações fosse encaminhado ao juiz da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, já que não havia mais investigados com foro privilegiado.

E também não é por terem o mesmo sinal na equação dos processos criminais que polícia e Ministério Público estão sempre do mesmo lado. O delegado federal Protógenes Queiroz sabe muito bem disso. Em maio, o Ministério Público Federal de São Paulo denunciou o delegado por quebra de sigilo funcional e fraude processual durante a investigação contra os diretores do banco Opportunity, presidido por Daniel Dantas.

A operação dirigida pelo delegado, batizada de Satiagraha, contou com câmeras de TV que registraram prisões como a do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, ainda em pijamas. As imagens feitas de um encontro entre um delegado e supostos emissários de Dantas para a discussão de uma propina além de terem sido feitas por funcionários da Rede Globo, segundo o MPF, ainda foram veiculadas com antecedência, e editadas mais tarde quando entregues como prova no processo. A intenção teria sido ocultar a imagem de um cameraman refletida no espelho.

A denúncia foi recebida pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal paulista. Segundo o juiz, jornalistas, no livre exercício de suas atividades, tiveram acesso a dados e informações sigilosas da operação, que corria em segredo de justiça. Os vazamentos, de acordo com o juiz, foram autorizados por agentes públicos, inclusive a gravação de imagens da operação.

A PGR não poupou sequer o Conselho Nacional do Ministério Público. Em junho, a procuradoria ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Resolução 36 do Conselho Nacional do Ministério Público, que estabeleceu regras para o pedido e a utilização de interceptações telefônicas. Para a PGR, ao editar a Resolução, o Conselho agiu “além de sua competência constitucional regulamentar, tanto com invasão da autonomia funcional dos membros do Ministério Público como por ter inovado o ordenamento jurídico”. O processo ainda aguarda voto do relator, ministro Joaquim Barbosa.

Acesso irrestrito
Em junho, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que é válido o dispositivo da Lei Orgânica do Ministério Público da União que dá competência ao procurador-geral da República para atuar no Superior Tribunal de Justiça. Pela norma, o chefe do Ministério Público pode propor Ação Penal por crimes comuns naquela corte contra governadores, membros de Tribunais de Contas estaduais e municipais, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Ministério Público.

Na ADI 2.913, o presidente da República e o Congresso Nacional argumentavam que, por um princípio de correspondência dos níveis de atuação do Ministério Público nas instâncias da Justiça, o procurador-geral da República não deveria ser competente para atuar junto ao STJ. Isso porque, como chefe da instituição, ele acompanha os julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

Em debate no STF também esteve a constitucionalidade da Lei Complementar Federal 75/93, que permite aos membros do Ministério Público da União fazer inspeções e diligências investigatórias e requisitar o auxílio de força policial. Além disso, a lei permite a livre entrada de promotores e procuradores de Justiça nos estabelecimentos policiais e prisionais e o acesso a qualquer documento que trate da atribuição do controle externo da Polícia. A 2ª Turma do Supremo reconheceu o direito de o MP instaurar inquérito e produzir as provas, mesmo que seja o próprio MP o responsável por filtrar os inquéritos que chegam da polícia, e decidir sobre o ajuizamento ou não das ações criminais.

Contas antigas
No mais recente movimento do MPF com repercussão nacional, os procuradores da República paulistas ajuizaram duas ações civis públicas por ocultação de cadáveres de opositores ao regime militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. Entre os denunciados estão o senador Romeu Tuma, o médico legista Harry Shibata, e os ex-prefeitos de São Paulo, Paulo Maluf e Miguel Colasuonno.

O MPF quer que sejam declaradas as responsabilidades pessoais dos acusados pelas ocultações, ocorridas na capital paulista, nos cemitérios de Perus e Vila Formosa. De acordo com as denúncias, pessoas jurídicas e legistas contribuíram para que as ossadas de mortos e desaparecidos políticos na vala comum de Perus permanecessem sem identificação.

O senador Romeu Tuma foi chefe do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Dops, entre 1966 e 1983. O médico legista Harry Shibata, é ex-chefe do necrotério do Instituto Médico Legal de São Paulo. Paulo Maluf foi prefeito da capital entre 1969 e 1971, e hoje é deputado federal. Miguel Colasuonno foi chefe do Executivo paulistano de 1973 a 1975. Fábio Pereira Bueno foi diretor do Serviço Funerário Municipal entre 1970 e 1974.

[Notícia alterada em 5 de janeiro de 2010, às 13h53, para correção de informações.]

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