Prisões provisórias

Recesso do MP é marcado por prisões desnecessárias

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2 de janeiro de 2010, 15h58

A passagem de ano no plantão do Ministério Público de Estrela do Sul, em Minas Gerais, foi marcada por prisões desnecessárias e dificuldades no atendimento aos jurisdicionados, aponta o promotor de Justiça André Luis Alves de Melo. Ele conta que no estado serão quase 18 dias de recesso, com o plantão dividido em dois períodos cada um com um promotor  para atender 15 promotorias ( 15 cidades e seis Comarcas com 15 Promotorias) da região.

Apenas no plantão do ano novo foram 70 atendimentos em Habeas Corpus com pedidos de liberdade provisória e emergências de saúde, apenas a partir de 29 de dezembro. Daí uma das dificuldades, de acordo com o promotor: muita demanda para pouca mão de obra.

Alves de Melo critica ainda o excesso de prisões em flagrante por delitos que comportariam pena alternativa. Com um posicionamento incomum dentro do Ministério Público, o promotor elaborou um HC para pedir liberdade a um motorista preso em flagrante por dirigir embriagado. Segundo ele, a sanção aplicada foi excessiva. O motorista, que está preso desde o dia 24 de dezembro, já poderia ter deixado a prisão, mas não teve dinheiro para pagar fiança no valor de R$ 400 arbitrada pelo delegado por ser delito com pena de detenção.

Ele disse ser reprovável o fato de o motorista dirigir embriagado, mas concluiu que há necessidade de se seguir os preceitos do ordenamento jurídico de Estado Democrático de Direito. Por isso, argumentou que a prisão configurou-se como coação ilegal contra o cidadão, uma medida de extrema violência. De acordo com ele, o próprio Código Penal prevê pena alternativa para o caso. “Portanto a pena de prisão provisória viola o sistema jurídico, pois raramente haverá pena de prisão ao final deste processo. Inclusive neste tipo de delito há forte discussão sobre a necessidade de haver perigo concreto ou não”, registrou.

Ainda segundo ele, o Código de Processo Penal, nos artigos 321 a 350 (sobre liberdade provisória), gerou uma lacuna ao não ser alterado para adequar ao artigo 44 do Código Penal, que trata das penas alternativas. “Se isto fosse resolvido haveria uma redução enorme de prisões provisórias principalmente no caso do furto simples e embriaguez ao volante, esta última sanção prevista no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro” .

Por fim, também argumenta que “neste caso, deveria a delegada aplicar o artigo 321, I, do Código de Processo Penal e colocar em liberdade o motorista, independente de fiança, pois em tese não será aplicada a mesmo pena privativa de liberdade conforme demonstrado. Ou seja, a Policia Militar conduz, a Policia Civil instaura o Inquérito Policial, ouve o autor do fato e libera. Isto não significa impunidade, mas cumprimento da Lei”, fundamentou ao solicitar expedição do alvará de soltura e apensamento ao Inquérito Policial para que o promotor titular analise a tipicidade do fato e tome as medidas que entender cabíveis.

Realidade da região
O Plantão na região do Alto Paranaíba (próxima ao Triangulo Mineiro) é regional e há dias que o plantão ficou por conta do promotor da Comarca de Estrela do Sul, do juiz de Coromandel, do delegado da Comarca de Monte Carmelo e o defensor da Comarca de Araguari, o que dificulta muito o trabalho, pois há necessidade de viajar por quase 200 km em alguns casos e documentos como CAC não são emitidos no site do TJ-MG e normalmente não se aceita fax ou email.

O Plantão Regional engloba seis Comarcas (Nova Ponte, Monte Carmelo, Estrela do Sul, Coromandel, Patrocínio e Araguari que respondem por 15 cidades (Indianópolis, Araguari, Estrela do Sul, Grupiara, Cascalho Rico, Monte Carmelo, Irai de Minas, Douradoquara, Romaria, Patrocínio, Cruzeiro de Fortaleza, Coromandel, Abadia dos Dourados e Nova Ponte, Santa Juliana. A população nesta região corresponde a aproximadamente 300 mil habitantes.

Leia a minuta do Habeas Corpus

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito Plantonista Regional (Coromandel)

O Ministério Público Estadual, por meio do Promotor Plantonista, vem, em nome de Elias Marcos da Silva, preso em flagrante, Monte Carmelo, por infração ao art. 306 do CTB, na data de 25/12/09, apresentar pedido de Habeas Corpus com fundamento no artigo 5o., LXVIII, da Constituuição Federal, em razão de o paciente ter sido preso em flagrante conforme Comunicação de APF, em anexo, tendo como autoridade coatora a Exma. Sra. Delegada da Comarca de Monte Carmelo, pelos seguintes argumentos abaixo:


I – Histórico

O paciente encontra-se preso desde 24/12/09 em razão de flagrante na infração prevista no art. 306 do CTB, pois dirigia, embriagado, veículo automotor na rodovia 190 sendo abordado pela Policia Militar e submetido ao exame de elitômetro, o qual confirmou a embriaguez.

Ato contínuo, a PM conduziu o infrator à Policia Civil e a nobre Delegada lavrou o APF, ratificou a prisão e arbitrou a fiança, mas o autor do fato não teve condições financeiras de pagar a mesma.

II -Argumentação

Entretanto, a referida prisão constitui uma coação ilegal contra o paciente, tratando-se de uma medida de extrema violência, uma vez que a o delito tem pena abstrata entre seis meses (mínima) e três anos (máxima), logo cabe, em tese, suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9099/95) e pena alternativa conforme arts. 43 e 44 do CP, portanto a pena de prisão provisória viola o sistema jurídico, pois raramente haverá pena de prisão ao final deste processo. Inclusive neste tipo de delito há forte discussão sobre a necessidade de haver perigo concreto ou não.

Nesse sentido cita-se a legislação respectiva:

Art. 306, da Lei 9503/97

Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008).

Pena – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 44 do Código Penal :

As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Alterado pela L-009.714-1998)

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Art. 89 da Lei 9099/95.

Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – proibição de freqüentar determinados lugares;

III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

É fato que o CPP é uma legislação ultrapassada, pois editado em 1941 neste tópico, logo não prevê possibilidade de soltura expressa pelo Delegado neste caso de cabimento de pena alternativa ou suspensão condicional do processo, isto se dá em razão de que as penas alternativas foram criadas no Brasil em 1984 e reforçadas em 1998 no Código Penal, mas gerou esta lacuna no Código de Processo Penal (ainda inquisitivo em vez de seguir o princípio do contraditório conforme determina a CF de 1988). Nem mesmo prevê uma comunicação formal entre Juiz, Ministério Público e Delegado neste caso, o que poderia agilizar a redução de milhares de prisões indevidas no país.


Porém, o art. 3º do CPP permite expressamente a interpretação extensiva, aplicação analógica, bem como os princípios gerais do Direito, como presunção de inocência, medida menos gravosa para o réu, conforme narra a norma legal: “Art. 3º – A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”

Ademais, o próprio Legislador já vem estudando medidas para melhor regulamentar esta situação, pois tem gerado absurdos em que pessoas são presas preventivamente para casos que cabem penas alternativas, o que viola a razoabilidadade e a liberdade.

O fato de o paciente estar dirigindo embriagado é reprovável, mas há necessidade de se seguir os preceitos do nosso ordenamento jurídico de Estado Democrático de Direito.

Neste caso, do art. 306 do CTB, deveria a Delegada aplicar o art. 321, I, do CPP e colocar em liberdade o paciente, independente de fiança, pois em tese não será aplicada ao mesmo pena privativa de liberdade conforme demonstrado acima. Ou seja, a Policia Militar conduz, a Policia Civil instaura o Inquérito Policial, ouve o autor do fato e libera, isto não significa impunidade, mas cumprimento da Lei.

Art. 321 do CPP:

– Ressalvado o disposto no Art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança:

I – no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade;

II – quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a 3 (três) meses.

Assim, podemos concluir que o delito de direção de veiculo automotor sob o efeito de embriaguez não prevê, na prática, cominação de pena privativa de liberdade, afinal é cabível suspensão condicional do processo e vencida esta fase, cabe pena alternativa, pois a pena máxima é inferior a quatro anos e não houve violência contra a pessoa.

Lado outro o sistema de internet do TJMG não registra passagem criminal, afinal o TJMG ainda não fez como muitos outros Tribunais que liberam CAC pela internet, logo deve prevalecer a presunção de inocência do réu.

O Ministério Público apresenta este Hábeas Corpus na condição de fiscal da aplicação do Direito, defesa da ordem jurídica, titularidade da ação penal e defesa da ordem jurídica justa.

Por oportuno registra-se a dificuldade da efetivação deste Plantão Regional, pois engloba seis Comarcas (Nova Ponte, Monte Carmelo, Estrela do Sul, Coromandel, Patrocínio e Araguari ) que respondem por quinze cidades (Indianópolis, Araguari, Estrela do Sul, Grupiara, Cascalho Rico, Monte Carmelo, Irai de Minas, Douradoquara, Romaria, Patrocínio, Cruzeiro de Fortaleza, Coromandel, Abadia dos Dourados e Nova Ponte, Santa Juliana), Sendo que o Promotor está em Estrela do Sul, o Juiz em Coromandel, o Defensor em Araguari e o Delegado em Monte Carmelo, distancias que podem chegar a 200 Km, sendo que não há um sistema de comunicação integrado por fax ou pela via eletrônica.

IV –Pedido

Diante do exposto, em face da verdadeira coação ilegal, de que é vítima o paciente, vem requerer que, após solicitadas as informações à autoridade coatora, seja concedida a ordem impetrada, conforme artigos 647 e 648, do Código de Processo Penal, com a expedição do alvará de soltura e apensamento ao Inquérito Policial para que o Promotor Titular analise a tipicidade do fato e tome as medidas que entender cabíveis.

Termos em que, pede deferimento
Estrela do Sul-MG, 31/12/09
André Luis Alves de Melo
Promotor Plantonista

 

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