RETROSPECTIVA 2009

Ensino jurídico comemora Exame de Ordem unificado

Autor

  • Cezar Britto

    é advogado do Cezar Britto & Advogados Associados ex-presidente e membro vitalício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

1 de janeiro de 2010, 6h31

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O ano de 2009 foi de amplo protagonismo judiciário. O Supremo Tribunal Federal esteve à frente de julgamentos históricos, que mobilizaram a sociedade civil brasileira, como o das células-tronco, o da reserva indígena Raposa Serra do Sol, o da extradição do ex-guerrilheiro italiano Cesare Battisti, o da revogação da Lei de Imprensa e o do mensalão mineiro, entre outros. O do mensalão federal, que envolve número maior de réus e ampla oitiva de testemunhas, ficou para 2010.

Além desses, o Tribunal Superior Eleitoral funcionou a pleno vapor, cassando mandatos de governantes — entre os quais, os governadores da Paraíba, Cássio Cunha Lima, e do Maranhão, Jackson Lago —, mostrando que, se ainda falta caminhar muito, já não se pode falar em impunidade em matéria eleitoral. Foram oportunidades preciosas de aproximar o Judiciário da sociedade, ensejando manifestações e pressões legítimas, que se refletiram na condução dos julgamentos.

Quanto maior o conhecimento da sociedade acerca de seu Judiciário, maior a pressão que sobre ele exercerá, o que é bom para a sociedade e para o Judiciário. Em plena era da informação, já não há mais lugar para instituições impermeáveis ao controle social. A democracia é incompatível com a torre de marfim.

A OAB, cumprindo seu papel institucional de zeladora das instituições jurídicas e defensora do Estado Democrático de Direito, fez-se presente em cada uma dessas oportunidades, manifestando-se criticamente. Em algumas oportunidades, criticou o Judiciário. Em outras, o defendeu.

Foi o caso, por exemplo, da PEC dos Precatórios, aprovada a toque de caixa pelo Congresso ao apagar das luzes do ano legislativo, sem que a sociedade tenha tido oportunidade de debatê-la. Trata-se de medida que oficializa o calote e afronta o Poder Judiciário, ao propiciar o descumprimento de suas sentenças.

Com isso, viola sua soberania, expressa na cláusula pétrea constitucional (artigo 2º) que estabelece a independência dos três Poderes da República. Quando o Executivo descumpre uma decisão do Judiciário, fragiliza o sistema tripartite, em que se sustenta o regime democrático. Submete o cidadão-contribuinte a uma relação perversa e desigual com o Estado, absolutamente incompatível com o ordenamento jurídico do país. E fere direito humano fundamental ao pôr em risco a sobrevivência material do credor do Estado.

Pior que os danos materiais a que o submete, possibilitando que seus créditos, judicialmente reconhecidos, sejam pulverizados no curso de muitas décadas, ou que sejam submetidos a leilão, é a transgressão ética que representa. Dívida é compromisso moral, submetida a prazos que não lesem o credor e que o reembolsem de fato do prejuízo. A PEC viola esses fundamentos, conquistas primárias da civilização. Abala a confiança do cidadão nas instituições do Estado, aumentando a margem de pressão e opressão do Poder Executivo.

Outra iniciativa que mobilizou a opinião pública e os três Poderes relaciona-se com à Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental que a OAB patrocina junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), apoiada por diversas organizações da sociedade civil brasileira e integrantes do primeiro escalão do governo.

A ação baseia-se num pressuposto: o de que os que cometeram crimes de lesa-humanidade — os torturadores — foram equivocadamente interpretados como beneficiários da Lei de Anistia, mas ela não os abrange. O que se pede hoje, portanto, não é a revisão ou a reforma da Lei de Anistia, mas o entendimento de que dela se beneficiaram personagens aos quais ela não se referia. No caso, os agentes do Estado que praticaram aqueles crimes hediondos, alheios ao campo de combate estritamente político.

O tema teve sua solução adiada para 2010, mas já se desdobrou numa providência importante por parte do Executivo: a criação de uma Comissão da Verdade, no âmbito da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, por iniciativa do ministro Roberto Vanucchi. Essa comissão está em sintonia com outra ação da OAB junto ao STF: a que pede a abertura dos arquivos da ditadura, bem como apure denúncias de que estariam sendo destruídos.

O ano de 2009 recolocou mais uma vez em pauta o tema da impunidade. Pior: o cenário que o motivou foi exatamente o fórum que incumbe resolvê-lo — o Congresso Nacional. Câmara e Senado foram expostos a sucessivas denúncias de corrupção, sobretudo no âmbito administrativo, com a revelação de intoleráveis atos secretos, que produziram nepotismo, gratificações salariais irregulares, licitações fraudulentas, revelando a existência de uma máfia de servidores, acumpliciada com parlamentares. Espantosamente, ninguém foi punido, à exceção de um servidor, que fizera de uma antiga babá testa-de-ferro de uma empresa envolvida em negócios com o Senado.

O ano termina com o mensalão do DEM, que expõe a corrupção da política paroquial de Brasília, chocando a opinião pública, com cenas de vandalismo moral, em que aparecem políticos com maços de dinheiro nas meias e na cueca e o governador da cidade, José Roberto Arruda, recebendo e distribuindo propina.

A OAB fez sua parte: ingressou, por meio de sua secccional do DF, com pedido de impeachment junto à Câmara Distrital e exerce severa vigilância para que o caso não fique impune. O escândalo recoloca em pauta o tema da reforma política — e, dentro dele, o do recall, que consiste na "deseleição" do mau político, que desonra o mandato. Em 2010, ano de campanha eleitoral, o tema terá oportunidade de ser reposto em debate, com maior ênfase.

Por fim, dois bons momentos em 2009 para os advogados: as eleições nos Conselhos Seccionais da OAB e a adoção do Exame de Ordem Unificado. A medida, aprovada pelo pleno do Conselho Federal em outubro, já vinha sendo aplicada parcialmente em alguns estados. Estende-se agora a todos, estabelecendo isonomia na aferição da qualidade técnica dos futuros advogados e introduzindo questões contemporâneas de grande importância para sua formação ética e humanista, como direitos humanos e acessibilidade. Tal iniciativa obrigará a que as instituições de ensino passem a dar maior atenção a essas disciplinas. Dentre as  novas exigências, está a obrigatoriedade de divulgação, no resultado final do Exame, do percentual de aprovação e da nota média de cada instituição. São dados fundamentais que hão de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino. A unificação fornece ao MEC, às faculdades e aos estudantes um acompanhamento mais eficaz da qualidade do saber jurídico oferecido no Brasil.

A inovação permitirá o aprimoramento do conteúdo do ensino e compatibilizará os currículos universitários com as exigências da Comissão Nacional do Ensino Jurídico. O Exame deixa de ser meramente dogmático e passa a ser elemento influenciador do conteúdo curricular de cada instituição de ensino de Direito.

Com tais providências, a gestão que tive a honra de comandar no Conselho Federal da OAB chega ao fim. Creio que a missão, dentro dos limites da fragilidade humana, está devidamente cumprida. Feliz 2010 a todos.

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