Disputa pela água

Domínio está ligado à zona de cada país

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  • Tatiana de Oliveira Takeda

    Takeda é advogada professora da Pontíficia Universidade Católica de Goiás assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás articulista semanal do Diário da Manhã especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito Relações Internacionais e Desenvolvimento.

27 de fevereiro de 2010, 6h41

Note-se que a disputa pelo acesso aos recursos hídricos é inevitável, pois não existe um consenso de que este bem deve ser dividido igualmente a todas as nações. Impera a ideia de que o direito à água está ligado à zona de dominação de cada país. Portanto, cada nação pode desfrutar das águas contidas até o limite de suas fronteiras.

Na medida em que o indivíduo, no desenvolvimento de suas atividades, da água necessita, e considerando que há cada vez mais pessoas dela necessitando, tende o conflito de interesses a ser cada vez mais intenso.

Devido à discrepância entre quantidade de água disponível em seu território e quantidade de água consumida, a possibilidade de embates homéricos pela água é tão iminente que os sinais já estão sendo dados por nações que, pela história, não medirão esforços para ter acesso aos recursos hídricos.

O professor Plauto Faraco de Azevedo (Ecocivilização, 2008, p. 104/106) alerta para o iminente aparecimento de conflitos em razão da escassez de água em pontos do globo: “Desde o começo dos anos 70, o mundo sofreu diversos choques petrolíferos. Este século poderá “conhecer conflitos geopolíticos e comerciais de ainda maior envergadura, ligados ao domínio de um recurso indispensável à vida, não substituível, e existente em quantidade fixa”. A água tem-se ressentido da demanda incontrolada da indústria, da agricultura, do turismo e do uso doméstico nos países ricos, tudo antecipando a possibilidade de sua severa escassez futura. (…) Se, nos próximos 10 ou 15 anos, não se chegar a alguma solução política concertada, o domínio da água ‘provocará múltiplos conflitos territoriais, conducentes a ruinosas batalhas econômicas, industriais e comerciais. A principal fonte de vida da humanidade vai se transformar em um recurso estratégico vital e, portanto, em uma mercadoria rara, particularmente lucrativa nos novos mercados’”.

Por sua vez, o doutrinador João Alberto Alves Amorim (Direito das Águas, 2009, p. 132) aponta que: “Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, editado pelo Banco Mundial em 1995, os Estados Unidos da América tinham um consumo per capita de água doce, para uso domiciliar, de 244 m3/dia, enquanto o Brasil consumia na mesma categoria 54 m3/dia e Moçambique 13 m3. Os Estados Unidos consomem mais que a soma do total gasto pela França e pelo Japão. Outro país que utiliza muita água é os Emirados Árabes: quase o dobro do Brasil, gastando cerca de três vezes mais do que dispõe em seu território, o que indica que a importação de água não é um mercado futuro, mas uma realidade para alguns países do mundo. A situação de Israel é singular. Utiliza pouco mais que a metade da França e do Japão, mesmo tendo renda elevada, mas que corresponde a 86% de suas reservas. Isso explica a relutância em devolver as Colinas de Gola e as dificuldades em se chegar a um acordo com a Palestina, que tem sido privada de grande parte dos recursos hídricos que correm em seu território. Segundo o FAO, os países da OCDE consomem cerca de 27% do total de água utilizada pela espécie humana, comportando, porém, apenas 15% da população mundial, e gastam mais água na indústria do que o total consumido mundialmente para uso domiciliar”.

Note-se que a disputa pelo acesso aos recursos hídricos é inevitável, pois não existe um consenso de que este bem deve ser dividido igualmente a todas as nações. Impera a ideia de que o direito à água está ligado à zona de dominação de cada país. Portanto, cada nação pode desfrutar das águas contidas até o limite de suas fronteiras.

Essa concepção é conveniente para aqueles que dispõem de fartura em seus lençóis aquíferos. Nações pobres que já amargam a escassez e suas consequências, ou seja, seca, fome, doenças e mais pobreza, ficam entregues à sorte e a população tem que se tornar um povo nômade, à procura de um lugar que disponha de água para poderem sobreviver. As nações ricas que não possuem mananciais suficientes em seu território, têm de comprar a água de outros países ou, numa visão pessimista, mas concreta, optam por invadir terras alheias ostentadoras de mananciais que resguardem sua carência aquífera.

Portanto, não são apenas os países pobres que vivem a escassez, mas são eles os que mais sofrem com ela.

O professor João Alberto Alves Amorim (p. 134) traz a lume uma questão importante. A possibilidade de conflitos e de situações que possam vir a ceifar vidas num futuro bastante próximo. Veja-se o que diz o estudioso: “Recentemente, em 2003, foi publicado o Water Poverty Index, índice de pobreza hídrica, criado para estabelecer o índice de pobreza em relação à disponibilidade de recursos hídricos. O índice se baseia em cinco componentes básicos: disponibilidade, acesso, capacidade de manejo pela população, uso e qualidade ambiental em torno da fonte. O estudo mostra algumas obviedades, como o fato de os países desenvolvidos e ricos ocuparem a maioria dos 50 primeiros lugares, mas, também revela facetas ocultas das pesquisas oficiais, que emergem quando à conta da disponibilidade e do acesso são agregados os valores de capacidade de gestão e qualidade ambiental. O Brasil ocupa, neste índice, o quinquagésimo lugar, atrás de muitos de seus vizinhos, como Colômbia, Peru, Venezuela, Guyana e Bolívia, e à frente apenas de Argentina e Paraguai, muito embora comporte, sozinho, quase 13% de toda a água doce disponível do mundo. Seja no atual cenário de degradação e de crise, seja no cenário futuro de crise e exclusão, a possibilidade de conflitos e de situações que violem frontalmente as condições de sobrevivência e de dignidade dos seres humanos é uma realidade”.

O aumento das áreas irrigadas tem aumentado a ocorrência de conflitos em diversas partes do Brasil e já é notório o crescimento de conflitos entre os vários usuários da água, bem como aos relativos a aspectos institucionais, envolvendo a dominialidade dos corpos de água e sua influência na implementação dos instrumentos de gerenciamento dos recursos hídricos.

Há uma década já eram registradas mortes causadas pela disputa hídrica em Birigui/SP, no Vale do Rio Verde Grande/MG, na bacia do Rio Salitre/MG, etc. No ano de 2001, a estiagem baixou o nível do reservatório de Sobradinho, na Bacia do São Francisco, gerando uma disputa entre agricultores e o setor elétrico. A ANA teve que atuar como mediadora na quizila. Aliás, os casos mais notórios podem ser observados na bacia do São Francisco, em que as projeções de demanda de água para atender à irrigação, à navegação, à transposição, ao provimento humano e de animais e à manutenção da geração das atuais usinas hidrelétricas têm provocado conflitos de toda ordem, inclusive política, como se observa com relação à questão da transposição.

Assim, apresenta-se um tacanho alerta sobre os conflitos pelo uso da água. Já são inúmeros os exemplos de divergências entre povos acerca deste bem e a previsão é a de que a guerra pelo petróleo seja ofuscada pela disputa pelos recursos hídricos.

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