Previsibilidade no Judiciário

Entendimento deve mudar com fato novo, diz ministro

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25 de fevereiro de 2010, 7h00

O Judiciário não fica engessado com a Lei dos Recursos Repetitivos. O que deve acontecer é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mudar conforme surjam fatos novos, como modificações nas leis, por exemplo. A constatação é do presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, em palestra na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), na quarta-feira (24/2).

Asfor Rocha disse que os ministros da Corte podem definir que o recurso será julgado de acordo com o a lei ao receber uma única ação sobre um tema, mas já antevendo uma série de outros recursos que discutam o mesmo assunto. Embora considere o risco de os ministros julgarem sem terem “maturado” a matéria, ele acha que vale a pena adotar o instrumento.

O ministro fez um histórico, na palestra, de como surgiu a necessidade de se dar previsibilidade para as decisões do Judiciário. Ele conta que com a globalização no plano econômico, era preciso transformar o Judiciário não só no Brasil como em todo o mundo. “Temos a informação equivocada de que a demora no julgamento ocorre só no Brasil. Não é assim”, disse.

Asfor disse que as instituições financeiras da Europa provocaram reformas no Judiciário. Isso para que os investidores tivessem ideia de como determinado tema seria decidido pelos juízes. “A palavra de ordem há cerca de 15 anos era a reforma do Judiciário.” No Brasil, contou, há cerca de oito anos, começaram a surgir notícias na imprensa apontando a postura do Judiciário, a morosidade, o excesso de gasto. Quando o Judiciário foi incomodado é que se abriu caminho para as grandes reformas.

Hoje, constata o ministro, há uma nova postura e o Judiciário está mais transparente. Com a quantidade de processos, disse o ministro, alguns dogmas tidos pelos juízes como sagrados também tinham de ser abalados. O exemplo é o famoso “cada caso é um caso”. “Era uma afirmação que todos faziamos com forte convicção e que não despertava nenhuma contrariedade.”

O ministro disse, ainda, que quando começou a se falar em reforma e súmula vinculante, houve uma reação exacerbada dos juízes. Era outro dogma, também sagrado, que se abalava. Muitos entenderam que tal instrumento ia “ferir” a independência do juiz. Outro argumento era que haveria domínio absoluto da cúpula do Judiciário e a jurisprudência ficaria engessada.

Para o ministro, não era razoável que cada processo fosse considerado isoladamente pelo juiz se nem o advogado ou a parte o considerava assim. Isso em ações que surgiram depois do Código de Defesa do Consumidor, que fez os tribunais ficarem com várias ações discutindo questões idênticas contra empresas de telefonia e bancos, por exemplo.

Há dois anos, diz, surgiu a lei da repercussão geral e dos recursos repetitivos a fim de dar um tratamento racional para ações que discutem o mesmo tema jurídico. O ministro apontou, além da economia de recursos e da rapidez, a eliminação do risco de se ter decisões conflitantes sobre o mesmo tema. O STJ já diminuiu o número de processos que tem recebido e a previsão é que o volume reduza ainda mais.

Segundo o ministro, não tem Judiciário no mundo com a estrutura como tem o do Brasil, com juízes independentes e com garantias. Para Asfor, mesmo com a demora, que é reclamada “com razão”, e com as deficiências, a exposição do Judiciário tem feito com que ele fique cada vez melhor.

Processos sobrestados
Segundo o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), há, hoje, mais de mil processos sobrestados, aguardando decisão dos tribunais superiores. Mais de 400 se referem a cobrança de tributos. Outras questões envolvem direito previdenciário, civil, administrativo e público. 

Para o presidente do TRF-2, desembargador Paulo Espirito Santo, a principal vantagem da aplicação das normas da repercussão geral e dos recursos repetitivos é a de garantir mais tempo para os ministros se dedicarem a questões complexas. "As cortes superiores estão hoje abarrotadas de causas corriqueiras, que só chegaram até elas pelo simples motivo de que têm todas as condições processuais necessárias para o recebimento do recurso. Só que essas cortes são compostas por magistrados que deveriam, por suas atribuições constitucionais, estar completamente focados na análise de questões jurídicas capitais para a nação. Questões que acabam ficando relegadas a segundo plano justamente porque os ministros têm de decidir sobre esses conflitos menores, que deveriam ser solucionados pelo primeiro ou pelo segundo grau de jurisdição, no máximo."

Ele também entende que os instrumentos não prejudicam a independência dos juízes. “Não acho que os juízes das cortes ordinárias tenham sua liberdade de decidir comprometida com a repercussão geral e com a regra dos recursos repetitivos, porque sempre haverá questões novas a serem apreciadas por eles.”

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