No sindicalismo

Cúpula reina e base paga a conta

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24 de fevereiro de 2010, 6h25

É impossível falar de sindicalismo sem merecidas críticas aos governantes passados e, de forma especial, ao atual ocupante do Palácio do Planalto. Não é possível analisá-lo de forma profunda sem adentrar ao movediço terreno político. Sindicalismo e política, hoje, estão no mesmo nível: no rés-do-chão.

No Brasil da redemocratização, após dois decênios de ditadura militar, a política deveria ser o reduto de uma maioria de homens probos, impolutos, de elevado espírito republicano e realizadores do bem comum, correspondendo, dessa forma ao dever para os quais foram eleitos por seus verdadeiros patrões: os eleitores. Infelizmente, no entanto, não passa de um recinto aglutinador de gente ambígua, hipócrita, alguns inveterados e contumazes mentirosos, desaguando até em comprovados safardanas que deveriam estar é no cárcere a pão e água e não nos palácios e parlamentos. Existem gloriosas exceções? Evidentemente que sim. Todavia, representados por parcela ínfima. Quem tem esclarecimento político sabe disso. Quem infelizmente não possui consciência cívica e patriótica e não se esforça para tê-las, continuará a ser enganado como mais um componente da gigantesca massa de manobra dos governantes tupiniquins.

Como diz o adágio popular, o homem é produto do meio. É o caso do atual presidente que governa o País como se ele fosse o “seu” sindicato Brasil. Originário e com mestrado no ramo, em conjunto com seus pares petistas, agregados e cooptados, são todos eles entes ultra-especialistas operadores do sistema e da arte de vender ilusões, arquitetar e aplicar engodos -e o que mais importa- mestres em arrecadar muitos recursos para o financiamento de requintado e caríssimo marketing, ferramenta utilizada a preceito para a garantia de perenidade do poder, na base do “custe o que custar”. Não pára por aí: são ainda mais pródigos no custeio da perdulária e estratosférica máquina do Poder. Em contraposição, extremamente sovinas no investimento da coisa pública. Quanto ao contribuinte que se aparvalhe e se renda ao conformismo do desalento. A preservação da estabilidade econômica desde o início de seu governo, eis no que se resume o Governo Lula. E sob as mãos férreas de quem? De Henrique Meirelles, um tucano de origem política, fiador do Brasil junto à comunidade econômica mundial e que a comunidade do PT sempre quis botar para fora de sua ninhada, por estranho ao meio, mas que seu esperto donatário jamais abriu mão da política econômica ainda mais liberalista que a dos seus próprios antecessores e eternos rivais, os liberais tucanos! Que mais? Muito –mas muito mesmo- rótulo e pouco conteúdo!

Após o recorrente e necessário preâmbulo, adentremos o âmbito sindical. Que inferência pode-se fazer de um governo (eleito no final de 2002) que ainda em maio de 2000 houvera enviado Proposta de Emenda Constitucional (PEC- 252) à Câmara Federal propondo o fim da contribuição sindical, potencializando esse propósito, dentre outros argumentos, com as seguintes principais e literais expressões: “A unicidade sindical e a contribuição compulsória são exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente. O princípio da liberdade sindical, já inscrito na Constituição (é livre a associação sindical) não permite, a nosso ver, o instituto de unicidade. Ademais, se ninguém é obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato, também não se pode admitir a contribuição compulsória para as organizações sindicais, pois defendemos que as contribuições sejam feitas exclusivamente em virtude da legitimidade do sindicato perante seus interlocutores e, sobretudo, perante sua base de associados.”

Como este comprovado e caracterizado logro do PT já foi tratado em minúcias em capítulo de meu último livro e no artigo “O (provado) retrocesso sindical no Governo Lula”, quem ainda não tomou conhecimento e estiver interessado em maiores detalhes, que a eles atente. O que é incontestável é que a prova do engodo está arquivada nos anais da Câmara Federal à disposição dos ainda incrédulos.

 

Qual é o associado de qualquer entidade (patronal ou de trabalhadores) que conhece os números da receita e despesa de sua entidade? Onde eles são publicados ou divulgados? E a quem cumpre fiscalizar esses balanços ou balancetes? A resposta (pelo menos no papel é clara e óbvia): ao Conselho Fiscal. E quem são os membros desse órgão? Ora os componentes da chapa vitoriosa, amigos, companheiros, parceiros… Alguém já foi ao seu sindicato, confederação ou federação pedir cópia disso? Se a resposta foi afirmativa: mostraram? Se como resposta foi esclarecido que tal documento foi divulgado em órgão de grande circulação, ficou comprovada dita publicação? E não pensem que estou me referindo só a sindicato de trabalhadores, não. Isto igualmente envolve os patronais, integrados por pessoas esclarecidas, só que desinteressadas, até porque a crise de identidade sindical neste País é tanta que hoje sindicalismo é visto com sentimento de asco, revolta e desprezo, inerentes a uma atividade exercida por gente sem valor. Enfim, de uma coisa menor. Nosso modelo sindical brasileiro tem 70 anos. Quantos casos de destituição diretiva por descaminhos ocorreram até hoje? Conta-se nos dedos. Talvez os das mãos bastem!

E porque tantas mazelas, tantos vícios, desvios de conduta, malversação de recursos? Conhecidos e a conhecer! Porque a legislação prevalecente é permissiva e tem o aval governamental. É a mesma implantada no Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1940 e que jamais os governantes e legisladores desejaram sanear, revitalizar e aprimorar. Está absolutamente caduca. E a solução –reitero talvez pela enésima vez- jamais virá da parte do Estado. Como o atual, todos os governantes anteriores apresentaram propostas de reforma sindical. A totalidade, sem nenhuma exceção, imprestáveis. Menos os da revolução de 64, que nem se preocuparam em mudanças formais. Mandaram muitos sindicalistas para o cárcere. Libertos, esses atores voltaram à circulação, alguns com honrarias e recebendo gordas indenizações e aposentadorias especiais, concedidas com generosidade e a pompa de heróis.

Entretanto, não faltaram concessões de remendos e casuísmos ainda mais favoráveis à reserva desse viciado, nauseabundo e pantanoso mercado. Reformas estruturais não interessam. Mas remendões conjunturais são convenientes. A quem dá e recebe. E por qual motivo? Porque governos são dóceis reféns dos lobbys sindicais. Reformar a legislação sindical de conformidade com o exigido pela modernidade das relações do Trabalho e a importância e grandeza do Brasil do novo milênio não dá votos. Tira! Afinal, quando nossos governantes e legisladores terão, efetivamente, a corajosa atitude de extinguir a impositiva e compulsória contribuição sindical obrigatória, revertendo-a pela de cunho eminentemente associativa, espontânea, que exigirá trabalho árduo e profícuo de quem dirige e resultando em reais e palpáveis benefícios ao contribuinte, financiador do sistema. Aliás, como funcionava o financiamento às entidades antes de se tornarem sindicatos e de receberem a famosa “carta sindical” subscrita pelo Estado? A de associações civis. Recebiam mensalidades espontâneas.

Hoje já se entende porque a PEC-252/2000 subscrita por Ricardo Berzoini, o mesmo parlamentar que viria ser o ministro do Trabalho deste governo, serviu apenas como de mais uma conhecida e surrada arenga do palanque do PT. Comparem-na com a PEC-369/2005 (corporificada naquilo que seria “a radical reforma sindical” do governo simbolizado pelo “nunca antes neste País…”) Se igualmente é verdade que o homem vale não só pelo que prega, mas pelo que anuncia e realiza, num governo de gente que mente –e o faz de forma descarada e desavergonhada- o atual inquilino do Planalto é merecedor das mais acerbas críticas. Pelos que tem vergonha na cara. Pelos que não deixam levar por conveniências, mas por convicções que o vil metal (sempre saído dos cofres públicos) não compra!

Ainda no tocante aos remendos e casuísmos que rendem e dão votos aos governantes. No ano passado (e evidentemente de olho na eleição que se aproxima) o atual governo deu personificação jurídica às centrais sindicais, que já existiam de fato, mas não de direito. Assim, dentro em breve vão fazer jus a mais uma dádiva advinda desse reconhecimento formal. Do rateio de 20% que cabe ao governo, este, generosamente, repassará a metade às centrais. Mas antes mesmo da verba entrar nos cofres das centrais, a fatura já foi remetida e a contrapartida terá de ser quitada. Consiste simplesmente na formalização de apoio político de todas elas nas eleições de outubro próximo… Toma lá, dá cá. Explícita caracterizada e manjada marca bem “made in brazil” que o proclamador da boca para fora do “nunca antes nesse país…” também endossou com todas as letras! Justamente ele que veio para acabar com as patifarias que se cometiam. Foi dele a frase em 1993, na gestão de Itamar Franco, que no Congresso havia 300 picaretas! E agora, ao final do seu segundo mandato, incluindo naturalmente os cooptados por ele, quantos são presidente, Lula?

Enquanto do lado dos trabalhadores está tudo sob o absoluto controle dos mandatários desta república sindicalista, as confederações e federações representativas do patronato persistem em sua tibieza em pouco ou nada fazer para mudar o quadro, preocupadas em não atiçar ainda mais a volúpia estatizante do governo num sistema conhecido como “S”, criado há decênios com recursos do setor patronal, mas cada dia mais ameaçado pela sanha de dominação governamental. Em verdade, o atual governo sempre sonhou em confiscar o sistema S, obrigando-o a direcionar seu ensino profissionalizante mais para a área pública. Em outras palavras, quer exigir que o sistema S faça o dever que cabe ao Estado.

A verdade é que o fato já não causa mais nenhuma estupefação, pois um governo que, além de possuir reconhecida incapacidade gerencial, destina valor orçamentário pífio e revoltante à área educacional do País, como tal entende-se a sua voracidade em querer avançar com agudeza naquilo que não lhe pertence e que é reconhecidamente bom no âmbito particular. Mas temeroso, acovardado, o setor patronal se constrange e evita o quanto pode até de tocar no assunto. É profundamente lamentável esse comportamento que denota indolência, covardia e desusado temor. Quando a luta é desigual, o fato precisa ser remetido ao conhecimento da sociedade, do qual o governante é o empregado número um! Afinal estamos numa república e não num império, ou numa ditadura. Com isso, os timoneiros das confederações e federações do patronato provam que estão diametralmente distantes da vanguarda empresarial que deseja que suas entidades maiores representativas enfrentem a luta com coragem e denodo. Pelo visto, vivemos realmente num deserto. De homens e de valores!

Nunca o PT nem o atual governo negaram interesse em enfraquecer o sindicalismo patronal. Só não o exterminaram de vez porque isso significaria dar não um, mais dois tiros. Um em cada pé. Afinal, quem desconta do salário do empregado um dia de trabalho e o repassa ao sindicato profissional da paritária categoria econômica? Que melhor agente (e gratuito) de cobrança desse tributo parafiscal pode haver?

Ora, se a legislação editada há setenta anos, no tempo do Brasil colônia, onde a indústria era restrita e engatinhava, ainda favorece o desconto e o recolhimento da contribuição sindical do empregado como fica a devida ao setor patronal? Aqui, em verdade, paga quem deseja fazê-lo, de vez que o recolhimento é feito diretamente pela empresa ao sindicato representativo de sua categoria econômica. Fica exclusivamente ao talante dela fazê-lo ou ficar sujeita à cobrança executiva Mas isto é matéria extensa que está sendo focada em outro artigo específico sobre a exação de pagamento da contribuição sindical patronal.

No governo do PT já ocorreram óbices em sua cobrança. Edição de Nota Técnica 50/2005, da Secretaria de Relações do Trabalho apregoando que o setor patronal não empregador está isento do pagamento da contribuição sindical. Ora, Nota Técnica não passa de simples procedimento administrativo, sem força de lei, efeito vinculativo ou mesmo coercitivo. Mero ato administrativo, desprovido de força de lei. No caso das microempresas, em 2006 o presidente Lula vetou o artigo 53 da Lei Complementar 123/2006, “desonerando” as microempresas do recolhimento da contribuição sindical, sendo obrigado a corrigir o “cochilo” em seguida por outra de número 127/2007. Outro ato de natureza meramente administrativa, sem valor, feito de forma impensada e sem nenhum acurado embasamento jurídico.

É preciso que se saiba, de forma bem clara que a contribuição sindical (ex-imposto sindical) continua tendo caráter tributário, pois está inscrita e amparada no artigo 149 da Constituição Federal, promulgada em outubro/1988. Ela é apenas um dos capítulos da Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor desde 1943, estando prescrita no capitulo III (capítulos 578 e seguintes) tratando-se, pois, de tema constitucional. Não pode ser alterada isoladamente pelo Executivo. Somente uma Emenda Constitucional pode alterá-la ou extingui-la. Para tal, em primeiro lugar, torna-se imprescindível que haja vontade política de promovê-la, pois somente o Congresso Nacional em conjunto com o Executivo podem fazê-lo. Que governo conseguiu viabilizar isto até hoje? Pelo andar da carruagem, pergunta-se, qual futuro governante com real, efetiva coragem e disposição para isto? Não de discurso, mas de ação?

O setor patronal aguarda com ansiedade os relatórios que virão da Caixa Econômica Federal dando conta da arrecadação da contribuição sindical 2010. Como nos últimos anos sua curva tem se tornado cada vez mais descendente, não se deve esperar por nenhum milagre. O dirigente patronal refratário às mudanças que se impõem não tem escolha: ou destroça de vez velhos paradigmas e adere –de vez- ao culto e prática do associativismo ou então vai ver sua entidade cada vez mais encolhida. Só não enxerga isso quem não quer ver e, infelizmente, tem muita gente da área do patronato precisando consultar um especialista em estrabismo sindical…

Para encerrar, e absolutamente dentro do contexto, cumpre lembrar ainda outro ocupante da pasta do Trabalho, Luiz Marinho, então na qualidade de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em entrevista ao jornal à “Folha de S.Paulo” na edição de 10 de dezembro de 1996 (portanto há quase 15 anos!), afirmou com toda ênfase: O sindicato do ano 2000 se consolidará como parte de uma coletividade mais ampla na sociedade e exercerá um poder maior de intervenção na realidade enquanto representante de cidadãos conscientes e contribuidores. O sindicato do ano 2000 vai jogar na lata do lixo da história o corporativismo, os vícios políticos e getulista máquina burocrática-administrativa.” São expressões daquele que foi substituto de Ricardo Berzoíni no Ministério do Trabalho. Depois de deixar a pasta e ir para o da Previdência Social, Marinho sob a velha conversa mole de “atender às bases”, candidatou-se e foi eleito Prefeito Municipal de São Bernardo do Campo.

E vejam como o PT resolve de forma rápida a vida de seus ilustres servidores que caem na desgraça do terrível monstro do desemprego… O senhor Jorge Mattoso, o mesmo então presidente da Caixa Econômica Federal que teve de avocar para si a responsabilidade pelo crime cometido contra o caseiro Francenildo Santos Costa, em março de 2006, no célebre episódio da quebra ilegal de seu sigilo bancário. Se não o fizesse, o todo poderoso ex-ministro Antônio Palocci seria condenado, perderia seus direitos políticos e ficaria impossibilitado de voltar à vida pública. O atilado Jorge Mattoso, claro, quebrou o galho de Palocci, que acabou ileso e eleito deputado federal no último pleito.

E Jorge Mattoso que teve de ir para o sacrifício. Que, afinal, não foi tão pesado assim, pois além de não ter sido julgado até hoje, à época chegou a ter o seu depoimento anulado na CPI que julgou o escândalo, por uma liminar expedida pelo STF e por expressa solicitação do senador Tião Viana, do PT, é claro. E até maio do ano passado, o autor do livro (cujo título chega a ser hilariante ante a similitude dos fatos) “Brasil Desempregado” (outubro/99, editora Fundação Perseu Abramo), foi o Secretário das Finanças daquela municipalidade, de onde saiu, segundo informa ainda a referida prefeitura por “motivos pessoais”.

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