Limites temporais

Não existe modulação para a Súmula do Supremo

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21 de fevereiro de 2010, 7h48

No dia 11 de novembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula Vinculante 8, com texto; “São inconstitucionais os parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569 / 77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212 / 91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.” A redação afasta as regras de lei ordinária que fixavam prazos de dez anos para lançamento e execução judicial de contribuições previdenciárias. O fundamento do STF, conforme jurisprudência unânime iniciada no tribunal em 1992 sem qualquer divergência até hoje, é de que apenas lei complementar pode tratar da matéria, conforme artigo 146, III, “b” da Constituição Federal.

O Fisco, no entanto, entende que a Súmula 8 só tem efeitos para a busca de repetição de indébitos tentadas até a data de aprovação de tal texto pelo STF. Assim, sustenta que se houve pagamento indevidamente feito com base nos inconstitucionais artigo 5º do Decreto-lei 1569 / 77 e os artigos s. 45 e 46 da Lei 8.212 / 91 no ano 2007 e as medidas para recuperação só foram iniciadas em 2009, o contribuinte há de ser frustrado.

No entanto, a posição do Leão tem oito falhas formais graves. Cada uma suficiente para derrubar qualquer modulação. Aqui trataremos de apenas algumas. As mais graves. Elas mostram que não existe modulação válida para os efeitos da Súmula Vinculante 8.

O argumento do Fisco é de que houve voto dos ministros em quórum suficiente de dois terços para aprovação da modulação, conforme exige artigo 4 da lei 11.417/06.

Ocorre que, como se vê da ata que aprovou a Súmula 8, não existiu nenhum registro válido de debate sobre modulação. A ata é aquela da vigésima segunda sessão plenária do STF, do dia 12.06.2008. Sua íntegra foi publicada no Diário de Justiça do dia 11.09.2008. O material está no site do tribunal.

É certo que a aprovação da Súmula 8 é baseada no julgamento de alguns Recursos Extraordinários paradigmáticos. Aqueles numerados como REs 559.943-4, 559.882-9, 560.626-1 e 556.664-1. Eles foram julgados em conjunto em 11.06.2008 e os acórdãos são idênticos. O inteiro teor dos acórdãos também está no site do STF.

Nos referidos REs, houve deliberação sobre modulação. No entanto, apenas três magistrados votaram. Os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia foram a favor da modulação. O Min. Marco Aurélio foi contra. Em nenhum outro lugar estão os votos dos demais. Assim, o quórum de provação por 08 juízes não foi alcançado. Basta ler os acórdãos.

O único momento em que há registros da existência de posição por parte dos demais, tendo apenas Min. Marco Aurélio como minoritário, está no “extrato” dos acórdãos. Em tais extratos, a secretaria do STF atesta que apenas o Min. Marco Aurélio votou contra e demais a favor da modulação.

No entanto, o “extrato” é um acessório. Ele não tem validade quando, da leitura do “principal”, o inteiro teor do acórdão, se vê que apenas três dos onze ministros votaram. O resumo contraria o inteiro teor.

Não custa lembrar que toda decisão judicial de mérito exige manifestação expressa e direta por parte do julgador. Em acórdãos, quando o vogal acompanha o relator, deve existir sempre, no mínimo, a frase “com o relator” ou “de acordo”. No caso concreto dos REs 559.943-4, 559.882-9, 560.626-1 e 556.664-1, isto nunca existiu. Basta ler os acórdãos.

Ainda que a modulação tivesse sido regularmente votada, não foi adequadamente inserida no texto da súmula e tampouco corretamente divulgada.

O texto sumular nada fala em modulação e, como possui natureza de “dispositivo judicial”, deveria tê-lo feito. Vale lembrar que o relatório e os fundamentos não geram efeitos jurídicos, apenas o dispositivo em si, de acordo com arts. 458 e 469 do CPC.

A divulgação da Súmula 08 no Diário Oficial de 20.06.2008 não traz uma única palavra sobre modulação. E tal publicação é a única que significa geração de efeitos, conforme art. 02 da Lei 11.417/2006. Portanto, a questão da “modulação” não foi veiculada em instrumento próprio para eficácia.

Mesmo que não existissem todos os vícios formais, a modulação no sentido de salvaguardar aqueles que ajuizaram demandas apenas até data de aprovação da súmula é juridicamente inválida. Isto porque esta é uma delimitação “subjetiva” dos efeitos da súmula e o artigo 04 da lei 11.417 exige delimitação “objetiva”. De fato, a modulação de efeitos deve ser sempre temporal e não pessoal. Deve tratar do momento em que ocorreu o ilícito inconstitucional, não o contribuinte que litigou, este em detrimento daqueles que, até declaração do STF, acreditaram na presunção de veracidade das leis.

Ademais, a modulação dos efeitos da súmula apenas aos que ajuizaram demandas até 12.06.2008 gera paradoxos. De um lado, fixação de prazos ínfimos para aqueles que sofreram abusos poucas semanas antes da aprovação da súmula, sendo desarrazoado destes exigir medidas jurídicas em poucos dias, sob pena de exclusão dos efeitos da súmula. De outro lado, pior ainda, a modulação conforme sustentada pelo Fisco, torna impossível promover questionamentos contra cobranças ilegitimamente apresentadas ao contribuinte após aprovação da súmula. De fato, muitos lançamentos e cobranças executivas foram feitos e pagos com base nos inconstitucionais artigo 5º do Decreto-lei 1569 / 77 e artigos 45 e 46 da Lei 8.212 / 91 mesmo após 12.06.2008. Especialmente antes da publicação da súmula no Diário Oficial de 20.06.2008 e no Diário de Justiça de 11.09.2008.

O presente caso lembra a desventura da Súmula 660 do STF. Graças a erros de sua publicação, que levaram anos até serem corrigidos, os demais tribunais se pautaram por redação errada e consolidaram entendimentos contrários ao verdadeiro texto da referida súmula. O histórico está no site do STF.

Por tudo, conclui-se que não existe modulação válida para a Súmula Vinculante 8. As inconstitucionalidades nela tratadas não têm limites temporais para serem atacadas. Isto se conforma com a verdadeira Justiça. Afinal, desde 1992 a jurisprudência do STF é unânime nos termos agora consolidados pela súmula. Nos demais tribunais, as decisões sempre foram majoritariamente a favor dos contribuintes. Nunca houve insegurança jurídica a justificar, agora, delimitação de entendimentos e favorecimentos ao Fisco.

Em processos de recuperação de tributos, a suposta modulação da Súmula 08 é causa impeditiva de direito cuja prova cabe à quem a alegar. E a prova da modulação só pode ser feita mediante exibição de texto sumular que trate do assunto e que tenha sido expressamente aprovado por quórum qualificado, com a exposição dos votos de cada um dos ministros. Sem isto, nenhuma modulação pode ser aceita em controle difuso de constitucionalidade. No entanto, é recomendável que o próprio contribuinte, na origem, traga os documentos mencionados no presente texto e que mostram a inexistência de modulação válida.

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