Prisão de Arruda

OAB joga criminalistas da defesa às favas

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17 de fevereiro de 2010, 17h42

Pela primeira vez na sua história acidentada, a OAB, capitaneada pelo primeiro ato do novo presidente do Conselho Federal, pede a prisão de alguém. Fundamentada em princípios válidos inscritos na luta contra a corrupção e a imoralidade grassando em vários setores do poder público, o “barreau”, irmanando-se com o Ministério Público, pleiteou e obteve a prisão preventiva do Governador do Distrito Federal.

Se de um lado a atitude da OAB federal, seguida por muitas seccionais, tem premissa em fundamentos altamente recomendáveis, provoca, de outra parte, dose grande de perplexidade, pois nunca se viu, no trajeto da corporação, o pleito consistente na castração da liberdade de alguém. Na verdade, o entusiasmo que leva o povo brasileiro em geral e os censores em particular a buscarem a manutenção dos pressupostos éticos inspiradores da arte de governar funciona como uma avassaladora mensagem de reerguimento dos pilares sobre os quais deve repousar a administração pública. Em termos rudes, o ser humano, isolado ou em comunidade, tem movimentos oscilando entre o bem e o mal, constituídas, tais estruturas, em permanentes estimuladores da conduta.

Obviamente, coexistindo ambas as qualidades em conflito, deve haver um componente externo servindo de moderador, a fim de que um dos requisitos (o mal) não se sobreponha ao outro (o bem) a ponto de gerar transtorno incontrolável aos indispensáveis relacionamentos entre os indivíduos e a comunidade maior. Dentro do contexto, e disto não escapam as grandes associações, nestas incluídos os estados, ocorre às vezes um desnivelamento, prevalecendo o comportamento dito negativo sobre as condutas de natureza positiva, valendo notar que o conceito de bem e de mal se modifica no tempo. Exemplo bastante é o holocausto, colocado entre uma das maiores atrocidades cometidas sob o pretexto de preservação ou implantação do arianismo. Não se fugindo do tragicômico, ou até do dramático puro, parta-se para indicação mais burguesa: Oscar Wilde foi preso por homossexualismo ou pederastia. Censura-se hoje, inclusive sob ameaça de ação penal, qualquer tendência, movimento ou atitude ofensiva às opções sexuais. Razão tinha Dori Caymmi (só para não se mencionar filósofo posto nas alturas) ao afirmar: “Guardo em mim o Deus, o louco, o santo, o bem e o mal…!”.

O mundo é assim. Ophir Cavalcante (o filho), mal eleito, partiu numa cruzada moralista, braços dados com o Ministério Público Federal, instituição extremamente honrada mas que nunca esteve em posições correlatas às da OAB, principalmente naquilo condizente com as manutenções das liberdades. Aqui a exceção justifica a regra. Dentro da provocação extravagante, a Ordem dos Advogados e o Ministério Público pediram o encarceramento do governador.

O “batonnier” pontificou, contrariamente ao procurador-geral da República, que manteve atitude discreta. De qualquer forma, é mais ou menos como a igreja apoiando a “inquisição”, embora, mais tarde, houvesse arrependimento ainda não purgado, porque os papas que o fizeram têm seus nomes no “índex”.

A grande maioria das seccionais do país aplaude a iniciativa da OAB federal. Convenha-se, na hipótese vertente, que não foi necessária muita coragem para fazê-lo porque, sob um determinado prisma, o governador já fora transformado naquela “Geni” cantada por Chico Buarque de Holanda, ou no infeliz que justifica o “não se chuta cachorro morto”. De outra parte, com certeza, Ophir Cavalcante deve ter precisado vencer suas angústias noturnas enquanto decidia ferir profundamente as tradições da corporação, não só aquelas estruturadas sobre a luta contra a ditadura, nas quais a OAB corria sério risco por defender o estado de inocência dos cidadãos, mas aquele passado em que a sociedade maior dos advogados tinha seu berço na própria crença da plenitude do direito de defesa. Entre os dois conceitos do bem e do mal, o noviço presidente da corporação optou pelo que lhe parecia o benefício maior: estimulou medidas tendentes à prisão preventiva do governador.

Deve tê-lo feito bem porque, no final das contas, as lideranças da advocacia brasileira, sem exceção de São Paulo, engrossam o movimento que encarcera o hoje predador-mor da moralidade nacional. Tocante à especialidade da advocacia criminal, e respeitados os parâmetros estatutários que impedem a um advogado a intromissão nas causas entregues à defesa de outro, proíbe-se ao profissional qualquer medida ou opinião tendenciosa. Tal interdito incorpora a universalidade, sem exceção qualquer. Posto o parâmetro, a Ordem dos Advogados do Brasil não só deixa o preso entregue às baratas mas força, firmada na boa moral, o encarceramento do mesmo. Deve ter pairado sobre o novo presidente do Conselho Federal, enquanto exercia seu primeiro ato de império, o aperto emocional de sentir que enquanto pressionava pela prisão do investigado — que nem indiciado é — verrumava profundamente o passado da advocacia brasileira, mandando às favas, inclusive, aquele ou aqueles criminalistas que estão a defender o preso, fazendo-o com muita dificuldade aliás, porque, na melhor hipótese, a própria instituição que deveria proteger-lhes as prerrogativas está a deixá-los descalços na solidão.

Vai isto para o jovem presidente (hoje, cinquentenários, jovens ainda somos). Se o “Bastonário” tem, enquanto visita pela vez primeira o átrio da corporação, o aplauso de algumas entre as mais potentes seccionais do país, encontra nos criminalistas, poucos é bem verdade, um sinal de preocupação muito elevada e uma estranha sensação de que alguma coisa gera perplexidade na iniciativa vertente. Obteve-se, é bem verdade, o direcionamento dos holofotes da notoriedade, mas tudo tem preço na opção entre o bem e o mal, e nem sempre a imaculabilidade chega sem um tisnamento qualquer. Digam-no, machucados nas prerrogativas que a OAB deveria defender, os companheiros encarregados da dificílima defesa do infausto administrador do Distrito Federal.

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