Mensalão do DEM

Ministro diz que não há como surgir fatos novos

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15 de fevereiro de 2010, 10h48

Em entrevista ao jornalista Leonardo Souza, do jornal Folha de S. Paulo, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, afirmou que o governador José Arruda e outros acusados de corrupção que tiveram a prisão preventiva decretada também tentaram interferir na instrução criminal. “Agora, nesse caso o que verificamos foi o envolvimento direto, o que é lamentável, de um governador praticando um ato que estaria totalmente à margem da ordem jurídica. Sabemos que o exemplo vem de cima. Evidentemente essa não é uma postura que se aguarde de quem está na chefia do Executivo estadual.

O ministro ratificou a decisão histórica ao negar Habeas Corpus ao governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda (s em partido), preso preventivamente desde a semana passada por determinação do Superior Tribunal de Justiça. É o primeiro caso no país de um governador detido por corrupção durante o mandato. Arruda é investigado no caso que ficou conhecido como mensalão do DEM. O mérito da ação, cujo relator é Marco Aurélio, deverá ser julgado pela 1ª Turma ou pelo plenário do Supremo nos próximos dias.

Segundo Marco Aurélio Mello, os elementos contra Arruda são "contundentes", não há como surgir fatos novos e é uma "extravagância" dos advogados do governador falar em cerceamento do direito de defesa.

Leia a entrevista:

FOLHA – Por que o sr. negou o habeas corpus ao governador Arruda?
MARCO AURÉLIO MELLO
– A base da decisão do STJ foi única. Ele [Arruda] tentou e os demais envolvidos que tiveram a prisão preventiva decretada também tentaram interferir na instrução criminal. Teria, portanto, praticado o crime de corrupção de testemunha e o crime de falsidade ideológica, que são crimes contra a administração da Justiça. Isso é base para a [prisão] preventiva, teor da legislação processual.

FOLHA – Foi uma decisão muito clara para o sr.?
MARCO AURÉLIO
– Muito, muito clara. Se pegarmos meus precedentes na turma [do STF], o que não admito é que se parta para o campo da presunção do excepcional, que a pessoa tendo prestígio influenciará a instrução do processo ou obstaculizará a investigação. Tenho votado não admitindo isso. Agora, toda vez que há ato concreto do envolvido que repercute na instrução criminal, eu tenho me pronunciado no sentido da validade da prisão. Foi o que ocorreu nesse caso. A fita do flagrante é bem explícita e também os depoimentos colhidos quanto a essa tentativa.

FOLHA – Foi o caso mais grave dessa natureza com o qual o sr. já teve de lidar?
MARCO AURÉLIO
– Olha, há muitos anos eu lido com processos no Supremo, são 20 anos agora em junho [no STF], 31 anos no Judiciário. Evidentemente, nada me surpreende mais. Agora, nesse caso o que verificamos foi o envolvimento direto, o que é lamentável, de um governador praticando um ato que estaria totalmente à margem da ordem jurídica. Sabemos que o exemplo vem de cima. Evidentemente essa não é uma postura que se aguarde de quem está na chefia do Executivo estadual.

FOLHA – Esse caso terá um efeito pedagógico para governantes?
MARCO AURÉLIO
– A impunidade leva à irresponsabilidade, ao menosprezo pelo que está estabelecido, às regras tão caras à vida em sociedade. Toda vez que alguém é surpreendido num desvio de conduta, esse fato serve de exemplo e serve de alerta aos demais cidadãos, para que busquem a postura que se aguarda do homem médio, para que mantenham os freios inibitórios rígidos. Nós estamos, como disse na decisão, numa quadra alvissareira. De um lado, temos o abandono de princípios, a perda de parâmetros, a inversão de valores, o dito passa pelo não dito, o certo pelo errado e vice-versa. De outro, as mazelas não são mais passíveis de serem escamoteadas. Elas afloram e aí as instituições pátrias funcionam, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Isso sinaliza dias melhores para o Brasil em termos de apego às regras.

FOLHA – A decisão final do habeas corpus será dada pela 1ª Turma ou pelo plenário do STF?
MARCO AURÉLIO
– O relator, é claro, pode afetar qualquer processo de competência da turma ao plenário, que é o órgão maior. De início, quando falamos em Supremo, imaginamos um órgão único atuando. Mas o Supremo está dividido em turmas. Portanto, com a racionalização dos trabalhos, há maior produção em termos de julgamento. De início, eu levo à turma. Agora, qualquer um dos integrantes pode propor o deslocamento. Quando um colega propõe o deslocamento para o plenário, adiro imediatamente.

FOLHA – Eu vejo que o sr. está com os argumentos muito objetivos.
MARCO AURÉLIO
– Os fatos são muito claros e precisos. Os elementos coligidos são contundentes. A Polícia Federal fez um trabalho belíssimo.

FOLHA – Ou seja, podemos esperar que o sr. mantenha o seu voto na decisão final do habeas corpus?
MARCO AURÉLIO
– Não há a menor dúvida, eu praticamente… Claro que eu não esgotei o que eu poderia evocar em termos do que se contém nos depoimentos. Mas o que eu lancei já serve em termos até de um voto futuro. E não há como surgir fato novo, já que a prisão implementada pelo Superior Tribunal de Justiça se baseou no que até então tinha sido apurado.

FOLHA – Os advogados alegam que foi cerceado ao governador o direito de defesa, que até agora ele não pôde nem sequer se manifestar.
MARCO AURÉLIO
– Imagina, isso aí eu acho até que é de uma extravagância maior. Será que o STJ teria que consultar a defesa para saber se poderia ou não prender os envolvidos ante até mesmo o flagrante verificado? Não houve julgamento, o que houve foi uma medida precária, efêmera, que é a prisão preventiva. A partir do ato de constrição, que é a custódia, que é a perda da liberdade, abre-se campo para a defesa. A defesa se faz após a prisão e não antes.

FOLHA – Seria uma manobra dos advogados para tentar tumultuar?
MARCO AURÉLIO
– Não, não, eu não compreendo dessa forma. Eles estão no exercício do ônus público, estão tentando defender os clientes. Evidentemente evocam, e a criatividade do homem não tem limite.

FOLHA – O sr. concorda com uma intervenção federal no governo do DF, como solicitada pela Procuradoria-Geral da República?
MARCO AURÉLIO
– É um tema complexo. A intervenção é um ato extremo, precisamos refletir a respeito. O que o procurador-geral aponta é que, se afastado o vice-governador [Paulo Octávio], que teria envolvimento no que está sendo apurado, partiríamos então para a substituição da cadeira de governador. Assim, ter-se-ia a substituição pelo presidente da Câmara e, não podendo este assumir, pelo presidente do Tribunal de Justiça. Acontece que, logo depois, ele está compelido a convocar eleições indiretas. Realizadas por que colegiado? Pela Câmara Distrital. O que aponta o procurador-geral é que a Câmara está hoje composta por correligionários e aliados do governador. Haveria, portanto, um círculo vicioso. Isso é o que temos que refletir, se no caso cabe ou não concluir se há a necessidade de uma intervenção. Agora, claro que a intervenção federal não é desejável. Tem um efeito pedagógico muito forte, para revelar que estamos vivendo uma época em que não dá mais para se ficar na vala comum do faz-de-conta.

FOLHA – Não seria, então, mais produtivo haver a intervenção?
MARCO AURÉLIO
– Precisamos sopesar se é melhor para a sociedade, principalmente a brasiliense, se é melhor em termos de atuação profilática. Isso é que nós teremos que refletir, vamos aguardar um pouco mais, ouvir o próprio Distrito Federal, o que se vai apontar, e também ouvir o relatório e o voto do ministro Gilmar Mendes, já que no caso de intervenção funciona como relator o próprio presidente do STF.

FOLHA – Quais outros crimes poderiam também ser imputados ao governador Arruda?
MARCO AURÉLIO
– Evidentemente, nós temos aquele inquérito em andamento, mas já há notícias, inclusive nessa inicial da intervenção, que se teria apresentado denúncia considerados esses dois últimos crimes relativos ao flagrante, ou seja, a corrupção de testemunha e a falsidade ideológica.

FOLHA – A prisão preventiva se deu pelas tentativas de obstrução da investigação. Em relação às suspeitas de corrupção, o sr. também considera as provas muito fortes contra o governador?
MARCO AURÉLIO
– Eu não tive a oportunidade de examinar os autos do inquérito. Agora, pelo que eu acompanho no dia a dia da grande imprensa, o quadro é realmente de gerar perplexidade no que se teria a documentação mediante vídeos da corrupção. E é lamentável que isso tenha ocorrido justamente na capital da República. Não pode ocorrer em nenhum Estado, mas quando surge na capital a repercussão é muito grande.

FOLHA – Há no Brasil a sensação de que a Justiça é muito morosa em relação aos casos de corrupção.
MARCO AURÉLIO
– Eu já disse na bancada do Supremo que tenho uma profissão de fé, tenho uma convicção. O Supremo não é um cemitério de inquéritos, de ações penais contra autoridades. Tocamos os processos normalmente, agora a avalanche de processos é algo desumano. Como o ofício de julgar não é passível de delegação, não se pode delegar. Nós somos lá no Supremo apenas 11, no STJ são 33. Não damos conta. Eu me considero um estivador do direito, é como se eu estivesse enxugando gelo. Busco conciliar celeridade e conteúdo, mas não dá para sair julgando como se fosse uma bateção de carimbo.

FOLHA – Na decisão de sexta, o sr. pareceu ter feito uma crítica velada a Gilmar Mendes, que durante o recesso de Natal o desautorizou, ao entregar o menino Sean Goldman ao pai. Foi um recado ao ministro?
MARCO AURÉLIO
– Creio que foi mais um alerta, para compreendermos que ombreando nós não podemos estar cassando, sob pena de descrédito para o Judiciário, a decisão do colega. Temos um órgão acima de nós próprios, que é o colegiado.
Até hoje, eu não compreendi aquela cassação, muito menos mediante mandado de segurança impetrado contra liminar concedida em habeas corpus, apenas para preservar o quadro existente à época até o julgamento pelo colegiado. Então, quis realmente alertar para a impossibilidade de tornarmos uma prática a autofagia.

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