Mecanismo insuficiente

Juiz De Sanctis critica projeto que pune empresas

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11 de fevereiro de 2010, 13h36

O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, entende que o projeto de lei do governo para ampliar as punições de empresas que praticam atos de corrupção contra a administração pública nacional e estrangeira é válido, mas insuficiente em comparação a mecanismos propostos pela ONU em convenções internacionais.

Em entrevista a Mario Cesar Carvalho, da Folha de S.Paulo, o juiz diz que seria mais eficaz a criação do crime de enriquecimento ilícito e a possibilidade de se processar criminalmente uma empresa.

A primeira medida está prevista na convenção da ONU sobre corrupção de 2003. A segunda integra o texto da Constituição de 1988 e não foi regulamentada. Na entrevista à Folha, o juiz critica a impunidade. "A ineficácia, infelizmente, é a marca da Justiça criminal".

Não há qualquer processo por corrupção na 6ª Vara Federal Criminal, que existe há seis anos. “O país se ressente de mecanismos para investigar corrupção. Aqui as pessoas estão acovardadas pela ineficácia do sistema. Pessoas que querem delatar crimes não se sentem motivadas a fazê-lo por medo de represálias.”

Leia a entrevista:
Folha — O governo quer punir com multas e até com o fechamento as empresas envolvidas com corrupção. Isso é suficiente?
Fausto Martin De Sanctis — Toda medida de combate à corrupção é válida. É válida, mas é totalmente insuficiente diante dos mecanismos que são propostos em foros mundiais.

Folha — Que mecanismos?
De Sanctis — O mecanismo mais falado pela convenção da ONU é o estabelecimento pelo país do crime de enriquecimento ilícito. Existe um projeto de lei, mas não está caminhando [no Congresso]. A convenção sobre corrupção é de 2003 e até hoje o país não adotou as medidas.

Folha — Sem punir o enriquecimento ilícito seriam inócuas as outras medidas contra a corrupção?
De Sanctis — Transformar o enriquecimento ilícito em crime é uma medida preventiva que tem eficácia em si. Existem outras medidas, como a ação civil de domínio. É para obter valores de pessoas físicas -e poderia se incluir a pessoa jurídica- que obtiveram recursos com corrupção. Isso já foi implantado nos EUA, Inglaterra, Colômbia, Itália.

Folha — O Estado toma o bem proveniente de corrupção?
De Sanctis — Sim. Existem outras medidas. Autoridades estrangeiras questionam o Brasil porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem e o país nada fez para implantá-la.

Folha — O projeto de lei prevê multas e a extinção da empresa, mas na área administrativa. Qual a vantagem da ação criminal?
De Sanctis — A ação penal é mais interessante porque possibilita, com todas as garantias previstas, uma defesa maior para a pessoa jurídica.

Folha — A vara que o sr. dirige existe há seis anos e não tem nenhum processo por corrupção.
De Sanctis — Também fico surpreso que uma vara especializada em lavagem de dinheiro, que tem entre seus crimes antecedentes a corrupção, não tenha processos de corrupção. O país se ressente de mecanismos para investigar corrupção. Aqui as pessoas estão acovardadas pela ineficácia do sistema. Pessoas que querem delatar crimes não se sentem motivadas a fazê-lo por medo de represálias.

Folha — Por quê?
De Sanctis — Existe boa vontade para combater, mas não existem mecanismos e suporte dos especialistas e dos operadores de direito. A polícia deveria ter independência funcional e orçamentária. O Ministério Público poderia se valer de técnicas especiais de investigação, como a infiltração, sem causar tanta surpresa, como ocorre no exterior. Outro problema é a inexistência de crime para a pessoa que não comunica operações suspeitas. A não comunicação deveria ser crime.

Folha — Nos EUA, o caso Enron levou dois anos e meio até a punição criminal. Por que no Brasil os processos se arrastam por anos?
De Sanctis — O Brasil possui um sistema jurídico altamente complexo, que permite uma quantidade de recursos que torna o processo penal praticamente ineficiente. Isso aniquila outros direitos fundamentais.

Folha — O direito de defesa é superestimado no país?
De Sanctis — O país precisa decidir o que quer das instituições. Quer um país que funcione? Se quer, vai ter que fazer uma reflexão sobre os direitos fundamentais. As interpretações que existem hoje acabam aniquilando o direito à Justiça. Não quero de jeito algum desprestigiar o direito de defesa, que é primordial. Mas os direitos têm de ser flexibilizados. Nenhum direito é absoluto. Tudo que é absoluto vira aberração e acaba gerando a impunidade e a ineficácia absoluta. É o que ocorre. A ineficácia, infelizmente, é a marca da Justiça criminal.

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