Futebol em discussão

Mudança na Lei Pelé pode prejudicar credor de clube

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9 de fevereiro de 2010, 10h51

Está na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados desta terça-feira (9/2) o Projeto de Lei 5.186/2005, que modifica a chamada Lei Pelé (Lei 9.165/1998). Desde que foi apresentada, em 2005, a proposta é alvo de críticas e discussões no meio jurídico e esportivo. O projeto pretende adaptar e regularizar clubes e jogadores no Brasil.

Um dos pontos mais debatidos do projeto é o artigo 90-G, que prevê que “os atos judiciais executórios de natureza constritiva não poderão inviabilizar o funcionamento das entidades desportivas”. Advogados ouvidos pela Consultor Jurídico afirmam que o dispositivo é subjetivo e prejudicará futuros credores em processo judicial por não haver limite de penhoras e nem a determinação do que pode ser o fato inviabilizador do funcionamento das entidades desportivas. “Isso acabará danificando futuros credores em processo judicial, pois certamente os clubes devedores recorrerão à tese do engessamento da atividade empresarial diante de qualquer constrição que porventura venha incidir sobre suas receitas”, afirma o advogado Theotonio Chermont de Britto, especializado em Direito Esportivo.

O advogado Martinho Neves Miranda, coordenador de pós-graduação de Direito Desportivo da Universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro, faz coro. “O Projeto de Lei anda para trás por impedir que se possa entrar na Justiça contra os clubes. É preciso especificar o que é ato prejudicial. Além disso, dá preferência ao devedor, e não ao credor.”

O deputado José Rocha, autor do substitutivo que vai ser votado, rebate às críticas e afirma que os clubes não são favorecidos. “Antes, podia ser vinculado só 16% da receita. Agora, o limite para processar o clube está apenas no nível de inviabilizar o funcionamento do clube. Ou seja, somente o que for necessário para mantê-lo. Com isso, eles não poderão mais fazer milhões de dívidas”, afirma.

Outra questão em voga é o contrato de direito de imagem, artigo 87-A da proposta. O projeto propõe que o direito ao uso de imagem do atleta não tenha vínculo de dependência ou subordinação ao contrato de trabalho. De acordo com Theotonio Chermont de Britto, o artigo permitirá que os clubes remunerem os atletas no contrato de trabalho com valores irrisórios e, paralelamente, celebrem contrato de imagem com altíssimos valores de mercado. “Dessa forma, eles [os clubes] estarão isentos dos recolhimentos de encargos fiscais e previdenciário. Um acinte”, opina.

Ele acredita que a alteração legaliza o “pagamento por fora”, que vai contra a lei trabalhista e contra o Código Civil. Além disso, o projeto pode abrir precedente perigoso para oficializar fraudes, diz. “Isso mudará tudo. Os clubes passarão a contratar jogador por R$ 1 mil no registro e pagar R$ 80 mil em direito de imagens. Os jogadores terão o 13º, férias e todos os direitos conforme o contrato com o valor baixo.” Para Miranda, trata-se da desnaturação dos direitos trabalhistas. “É o caminho para fraudes. É uma brecha que encontraram para burlar até o Imposto de Renda.” Miranda observa que, atualmente, a jurisprudência vem considerando tanto o direito de imagem quanto o valor pago conforme contrato de trabalho como o salário de jogador.

O deputado José Rocha afirmou à Consultor Jurídico que o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol participou da reunião para a criação do Projeto de Lei. “Os jogadores estão cientes e concordam com o projeto.”

Fim da hora extra
O Projeto de Lei em discussão na Câmara anula o pagamento de hora extra, adicional noturno e “quaisquer adicionais em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente”. Para o relator, deputado José Rocha, o cargo é atípico, portanto deve ser tratado de maneira diferente de outras profissões. “A atividade do jogador de futebol é diferente do trabalhador normal, tem horários anormais. Além disso, ele recebe prêmios por vitória, tem descanso semanal de 24 horas remunerado.”

A explicação não agrada Chermont de Britto, que considera que essas suspensões são inconstitucionais. Ele destaca que dispositivos do projeto que determinam a aplicação da legislação trabalhista e os que suspendem direitos trabalhistas se anulam e, portanto, tornam a lei letra morta. “Na prática, a folga nos dias subsequentes à realização de partidas nos finais de semana nunca será de fato aplicada, pois nesses dias os atletas são obrigados a comparecer ao clube para participar de atividades diversas. E, pelos termos do artigo acima indicado, não farão jus a nenhum pagamento adicional por trabalho extra realizado.”

O advogado chama a atenção ainda para o artigo 28-A do projeto, que caracteriza a figura do atleta autônomo. O projeto prevê que os atletas — menos jogadores de futebol —, maiores de 16 anos, não mantenham vínculo empregatício com a entidade desportiva, obtendo rendimentos por conta e por meio de contrato de natureza civil. “O não reconhecimento do vínculo de emprego no ato da contratação de atletas de outras modalidades desportivas que não o futebol profissional é considerada fraude ao contrato de trabalho, pois colide com a CLT”, acusa.

Já Miranda acredita que o artigo dá margem para interpretação e que dependerá da subordinação do atleta com a entidade desportiva. “Precisa analisar o vínculo de cada um. Se ele está ligado apenas por determinado tempo, conforme a lei determina, o período de trabalho vai da inscrição para participar de competição até seu término.”

Mudanças para o clube
O projeto prevê mudanças na lei para que os clubes não sejam obrigados a optar por modelo societário e seus dirigentes somente responderão com seus bens pessoais pelas dívidas contraídas durante sua gestão em casos de fraude comprovada. Ou seja, se violarem a lei ou o estatuto do clube.

Para Chermont de Britto, o novo texto precisa ser mais objetivo. “É preciso que essa lei ou outra lei complementar discrimine objetivamente o que se entende por má gestão, sob pena de inexecução desse artigo.” Outra crítica é que o projeto não considera os clubes como entidades empresariais. “As entidades desportivas se encaixam nos parâmetros estipulados pelo artigo 966 do Código Civil para a caracterização do empresário e não exercem atividades de assistência, benemerência, políticas, culturais ou religiosas. Ao contrário, exercem atividade que visa à obtenção de renda e por isso devem ser consideradas empresárias, suscetíveis à falência”, afirma Chermont de Britto.

Martinho considera o fato um retrocesso: “Perdeu a oportunidade de mudar essa questão. Em todos os países da Europa, o clube de futebol exerce atividade econômica. O próprio estatuto do torcedor equipara a atividade desportiva a um fornecedor. O clube presta serviço.” O deputado José Rocha rebate às críticas. “O projeto evita que os sócios precisem se responsabilizar de processos judiciários, ficando a responsabilidade apenas do dirigente. Estamos evitando que o clube seja empresa para que ele não tenha um proprietário, para que permaneça da comunidade.”

Clique aqui e confira a íntegra da Lei Pelé

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