Contas escancaradas

TJ-SP quebra sigilo do Instituto Florestan Fernandes

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9 de fevereiro de 2010, 20h13

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a quebra total do sigilo fiscal, bancário e financeiro do Instituto Florestan Fernandes (IFF). A decisão foi tomada nesta terça-feira (9/2) pela 3ª Câmara de Direito Público, depois do voto do desembargador Marrey Uint, que havia pedido vista do processo. A briga jurídica entre o Ministério Público e a ONG, ligada ao Partido os Trabalhadores (PT), se arrasta há mais de três anos.

O acesso aos dados do instituto foi pedido pelo Ministério Público, numa ação que apura supostas contratações irregulares feitas pela prefeitura de São Paulo na gestão Marta Suplicy (2001-2004). A votação terminou empatada na penúltima sessão da câmara. Marrey Uint apresentou voto divergente do relator, Antonio Carlos Malheiros, e seguiu a orientação do terceiro juiz e presidente da Câmara, Paulo Magalhães Coelho.

“A leitura da peça inicial da Ação Cautelar nos dá conta não de uma sucessão de coincidências, mas de fatos concretos, que estão respaldados por documentos, a indicar a malversação de dinheiro público e a fraude”, afirmou Marrey Uint. Ele defendeu que o voto do relator, Antonio Carlos Malheiros, que deferia a quebra dos sigilos em menor extensão (limitava a devassa de julho de 2003 ao início de dezembro de 2004), seria plenamente aceitável, “na medida em que possibilitava o avanço da persecução na medida da necessidade e dos vínculos estabelecidos pelas condutas”. Na opinião de Uint, no entanto, essa solução imporia ao Ministério Público a apresentação de representações e o sucessivo deferimento de pedidos suplementares.

Para Marrey Uint, é mais razoável que, na hipótese de eventual excesso da investigação, o agravante utilize os recursos próprios para restringi-la. “Se não há nada de errado, nada há de se temer”, disse o desembargador. “O que não se pode é impedir que se investiguem fatos concretos, onde os envolvidos transitam e se confundem, ora como associados do Instituto, ora como agentes públicos.”

O julgamento se travou em Agravo de Instrumento apresentado pelo IFF contra decisão cautelar de primeiro grau. Em 2006, o juiz Edson da Silva, da 13ª Vara da Fazenda Pública da Capital de São Paulo, decretou a quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro do Instituto Florestan Fernandes. Ele atendeu a pedido da então Promotoria de Justiça da Cidadania, hoje chamada de Promotoria do Patrimônio Público e Social).

O Ministério Público acusa o instituto e mais sete empresas e uma ONG de serem favorecidos em contratos irregulares assinados com a prefeitura de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy. Os contratos provocaram de acordo com os promotores de Justiça, rombo de mais de R$ 12 milhões no erário público. O MP pediu que a Justiça determinasse a devassa nas contas dos acusados a partir de julho de 1999. O MP afirma na ação que, por meio de uma operação triangular, a prefeitura contratava fundações e essas entidades faziam parcerias com institutos do PT ou com profissionais que prestam serviços nessas organizações ou que atuavam em gestões do partido, sobretudo em Santo André. A vantagem, segundo os promotores de Justiça, é que a lei permite contratar fundações sem a necessidade de licitação.

A promotoria abriu a investigação (Procedimento 233/04) depois de reportagem do jornal Folha de S. Paulo. Publicada em abril de 2004, com o título “Fundações contratadas por Marta beneficiam petistas”, o jornal dizia que a prefeitura paulistana, comandada por Marta Suplicy (PT), então candidata à reeleição, teria encontrado uma maneira de “agraciar institutos ligados ao partido e, de quebra, ajudar companheiros sem despertar atenção”.

Defesa
O IFF foi criado por iniciativa do diretório municipal do PT e presidido por Marta Suplicy até o final de 2000, antes de sua gestão na prefeitura de São Paulo (2001-2004). O instituto sustenta que a quebra de sigilos foi arbitrária, uma vez que não há indícios de desvios que justifiquem a medida. A defesa alega ainda que o instituto nunca se recusou a fornecer qualquer informação no Inquérito Civil aberto pelo Ministério Público.


Insatisfeito com a decisão de primeira instância, o IFF entrou com recurso no Tribunal de Justiça. Em decisão também liminar, o relator, Antonio Carlos Malheiros, suspendeu a cautelar do magistrado da 13ª Vara da Fazenda Pública. A medida assinada por Malheiros ainda interrompeu o andamento do processo até o julgamento final do recurso pela corte paulista.

O julgamento de mérito do recurso começou no dia 26 de janeiro. O primeiro a votar foi o desembargador Antonio Carlos Malheiros, que limitou a abertura das contas do IFF ao período investigado pelo Ministério Público, que seria o da gestão da então prefeita paulistana. O voto do relator deu provimento parcial do pedido do Instituto Florestan Fernandes, que pretendia a suspensão da quebra do sigilo fiscal e bancário.

O terceiro juiz, Paulo Magalhães Coelho, antecipou sua decisão votando contra a pretensão da defesa do IFF e mantendo sem limites o acesso as contas do instituto, desde a data de sua criação, em julho de 1999. No entanto, o julgamento foi interrompido com o pedido de vistas do segundo juiz, Marrey Uint. O julgamento terminou empatado com um voto aceitando parcialmente o pedido do Instituto e outro negando provimento ao apelo e mantendo a decisão liminar de primeiro grau. Só foi desempatado nesta terça (9/2).

O processo ainda guarda outro incidente. O Ministério Público representou contra o desembargador Antonio Carlos Malheiros no Conselho Nacional de Justiça. A Promotoria do Patrimônio Público e Social acusa o relator do recurso de engavetar o processo por mais de três anos.

Leia o voto de desempate do desembargador Marrey Uint

Voto 8.225

Agravo de Instrumento nº 994.06.163228-6

Comarca: SÃO PAULO

Agravante: INSTTITUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS FLORESTAN FERNANDES

Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO

Ação Cautelar – Quebra de sigilo bancário, financeiro e fiscal – Admissibilidade – Presentes indícios de autoria e materialidade que autorizam a investigação – Agravo improvido.

Cuida-se de Agravo de Instrumento tirado contra r. decisão acostada às fls. 82 que deferiu a quebra de sigilo bancário, financeiro e fiscal do Agravante e de outros Réus em Medida Cautelar preparatória de Ação Civil Pública.

Alega o Instituto de Políticas Públicas Florestan Fernandes, preliminarmente, incompetência das Varas da Fazenda Pública para conhecimento e julgamento da medida cautelar. No mérito, que não há motivos para a quebra de sigilo.

Concedido o efeito suspensivo (fls. 143/143v), o Ministério Público manifestou-se às fls. 149/162.

É o relatório.

A ação principal, caso venha a ser proposta, em razão da matéria que trata – prática de atos por agentes públicos (atuação de ex-Prefeito e Secretários) – somente poderá ser proposta no Juízo Privativo da Fazenda Pública, de acordo com a Organização Judiciária do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3/69, com a alteração introduzida pelo art. 17 da Lei Estadual 6166/68).

Acrescente-se, ainda, como bem assinalou o douto Procurador de Justiça oficiante, Dr. Eduardo Martines Júnior, às fls. 152/153: “A competência para o conhecimento da ação principal (ação civil pública com pedido condenatório às sanções cominadas pela Lei nº8429/92 pela prática de ato de improbidade administrativa) é das varas especializadas da Fazenda Pública, pois, conforme o artigo 17 da Lei nº 8429/92, a legitimidade ativa para a propositura de demanda dessa natureza cabe ou ao próprio ente político prejudicado pelo ato ilícito, ou ao Ministério Público, em legitimação extraordinária, hipótese em que aquele será intimado a integrar o processo em um dos seus pólos. Então, a necessária presença da Municipalidade de São Paulo no processo, nos termos do referido DL Complementar 03/69, determina a competência à Vara da Fazenda Pública”.

Dessa maneira, rejeita-se a argüição de incompetência da Vara da Fazenda Pública.

A leitura da peça inicial da ação cautelar nos dá conta não de uma sucessão de coincidências, mas de fatos concretos, que estão respaldados por documentos, a indicar a malversação de dinheiro público e a fraude.


Dessa forma, quer o Ministério Público Paulista investigar a movimentação financeira do Agravante, bem como seu patrimônio, diante da suspeita de que, por contratos, ditos como irregulares, a Municipalidade de São Paulo teria repassado valores para integrantes do Partido dos Trabalhadores.

Existem suspeitas sérias de que o Agravante vem sendo usado para repasse de fundos públicos para particulares ou, mesmo, para partido político. O rol de contratos, sem licitação, e seus valores levam a essa conclusão, ao menos, por ora.

Percebe-se, também, que esses contratos começaram quando a ex-prefeita de São Paulo, Marta Teresa Suplicy, assumiu o governo desta cidade.

A ligação da Srª Marta Teresa Suplicy com o Agravante não é discutida, nem contestada, uma vez que ela foi uma das participantes de sua fundação, tendo sido sua presidente. O mesmo se diga de diversos associados que integravam o Conselho Deliberativo ou o Conselho Consultivo do Agravante e, ao mesmo tempo, participavam do Executivo Municipal.

O Agravante não trouxe aos autos, mas a inicial da Medida Cautelar cita reportagem em que se mostra que foi ele Agravante quem elaborou o programa de governo da, então, pré-candidata à Prefeitura de São Paulo.

Assim, não é demais investigarem-se os fatos desde a origem, sendo razoável perquirir como o Agravante desenvolvia suas atividades e ganhou a notoriedade que o tornou praticamente “um braço” da FGV, tendo esta lhe confiado, ou a seus associados, o mister dos contratos que celebrava com a Municipalidade de São Paulo. Ou ainda, se durante certo tempo possuía ou não movimentação bancária ou patrimonial relevante, ou se somente após a assunção da Prefeitura de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores é que o sucesso lhe sorriu.

Evidentemente outras datas poderiam ser fixadas como limites da investigação em discussão, sendo todas elas parâmetros razoáveis para análise das suspeitas ventiladas pelo Ministério Público. O voto vencido do douto Relator sorteado que, defere a quebra em menor extensão, é plenamente aceitável, na medida em que possibilita o avanço da persecução na medida da necessidade e dos vínculos estabelecidos pelas condutas.

Contudo, tal solução impõe o sucessivo deferimento de pedidos suplementares. É mais razoável que, na hipótese de eventual excesso da investigação, o Agravante utilize os recursos próprios para restringi-la.

Se não há nada de errado, nada há de se temer. O que não se pode é impedir que se investiguem fatos concretos, onde os envolvidos transitam e se confundem, ora como associados do Instituto, ora como agentes públicos.

Dessa forma, a investigação deve seguir nos termos deferidos pelo r.despacho agravado.

Por derradeiro, consigna este Magistrado o recebimento de memorial do Agravante onde é citado voto vencido prolatado no Agravo de Instrumento nº 855.204.5/0, de minha relatoria, em que negava a quebra de sigilo, mas em situação totalmente diferente da destes autos, o que o torna inservível ao caso “sub judice”.

Lamenta, contudo, que as doutas advogadas não tenham se lembrado dos outros três ou quatro agravos de instrumento no mesmo feito e sobre a mesma matéria, exercitados pelos demais réus na ação, todos de minha relatoria, nos quais votei vencedor pela quebra do mesmo sigilo, eis que este Magistrado tem pautado suas decisões na análise concreta de cada caso.

Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.

MARREY UINT

Relator designado

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