Concessão pública

Só empresa que ganhou licitação pode cobrar tarifa

Autor

  • Luiz Henrique Antunes Alochio

    é doutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) mestre em Direito pela Universidade Candido Mendes (Ucam) conselheiro federal da Ordem dos Advogados e procurador do município de Vitória/ES.

6 de fevereiro de 2010, 4h57

Publicada pela Conjur em 4 de janeiro de 2009, uma notícia deu conta da decisão proferida pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial 1.117.903-RS. Naquele processo discutia-se a questão da natureza jurídica da remuneração pelos serviços de saneamento (taxa ou tarifa). É antiga a disputa jurídica[1] sobre a natureza jurídica da remuneração pelos serviços de água e esgoto. Não faremos referência aos outros serviços de saneamento[2] (coleta de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais). Ficaremos limitados à água e ao esgoto, que já nos dão questões jurídicas mais que suficientes.

Importa é que se alterou a longa tradição de considerar os serviços públicos específicos e divisíveis, dotados de compulsoriedade, como sendo remunerados por taxa, enquanto os serviços facultativos seriam remunerados por tarifas. De alguns anos para cá, a postura do Supremo Tribunal Federal e do STJ mudou drasticamente em se tratando de serviços de água e esgoto. Vamos conjecturar uma razão nobre[3] para tal mudança: eram, e são, necessários investimentos privados na área de água e esgoto. E a remuneração por taxas, especialmente diante das intempéries políticas que isso representa, afugentava os investidores privados. Não fazemos juízo de valor sobre o tema. Apenas apontamos o que poderia ser uma razão plausível da mudança de decisões.

Acontece que mesmo nessas novas decisões existem trechos que estão sendo ou completamente obliterados ou lidos e aplicados fora de contexto. Tomemos como exemplo a decisão monocrática no REsp 1.117.903-RS, comentada acima. O Ministro Luiz Fux refere claramente em certo trecho o seguinte:

"A controvérsia estabelecida no presente recurso especial reside na definição da natureza jurídica da remuneração cobrada pelo fornecimento de água e esgoto por concessionária de serviço público (se taxa ou tarifa/preço público) para fins de fixação do prazo prescricional." (grifo nosso)

Portanto, não cabe apenas questionar em juízo a natureza jurídica da remuneração (taxa ou tarifa). Isso tanto o STF quanto o STJ já estão pacificando. Cabe aos consumidores o questionamento da natureza jurídica de quem está prestando os serviços (prestação direta, mera delegação ou concessão mediante prévia licitação). Afinal, as decisões novas, salvo melhor juízo, são aplicáveis estritamente aos casos de “concessionárias de serviços públicos”. A própria decisão do Ministro Fux, acima transcrita, faz tal discernimento. Inclusive, a distinção fica ainda mais nítida com a leitura da decisão monocrática da lavra do Ministro Cezar Peluso, do STF, no Agravo de Instrumento 678.004/SC, quando, no Supremo Tribunal Federal, decidiu textualmente sobre a necessidade de concessão mediante licitação para que se transmude a cobrança de taxa para tarifa. Vejamos:

“A partir do momento em que o serviço público passa a ser prestado por uma concessionária, a forma da respectiva remuneração transmuda-se em tarifária (preço público), como é da essência dos serviços concedidos a teor do que dispõe o art. 175, II, da Lex Mater, até porque, ao se afirmar que determinado serviço só pode ser remunerado mediante taxa, se está, concomitantemente, negando-lhe a possibilidade de ser concedido.”

Fica então uma ponderação: nas ações judiciais que questionam a cobrança da água e do esgoto além da natureza jurídica da cobrança (taxa ou tarifa) é também preciso questionar o tema da natureza jurídica da própria prestadora dos serviços. A consideração de uma cobrança como tarifa depende, segundo pensamos após a leitura de todas as decisões judiciais do STJ e do STF, da existência de um regime jurídico de concessão, precedido de prévia licitação (art. 175 CF).

Sobre a questão ainda não têm ocorrido decisões dos tribunais estaduais que, ao que parece, preferem não ingressar nesse mérito, aplicando grosso modo as decisões do STF e do STJ, sem a leitura das nuanças. Os consumidores deverão perseverar até as cortes superiores para o debate da matéria, e lutar para que os tribunais estaduais decidam esse ponto específico, sempre esclarecendo previamente as questões de fato necessárias ao debate, para não incidirem no impeditivo da Súmula 7 do STJ. Basta requerer a juntada da licitação e do ato de concessão. Simples e rápido.

Finalizamos concluindo com nosso entendimento de que se excluem da condição de concessionárias (nos termos do art. 175, da CF, que exige “sempre através de licitação”) as prestadoras de serviços de água e esgoto que sejam meros órgãos (departamentos estaduais ou municipais), ou serviços autônomos (autarquias, em geral), e mesmo as companhias estaduais quem não são concessionárias, mas quando muito delegatárias, que não operam com os mesmo riscos privados de mercado. Em verdade, não disputam mercado. São longa manus do Estado, verdadeiras autarquias sob forma diversa. Logo, não se lhes aplicam as novas decisões, permanecendo, em tais casos, a remuneração mediante taxa.

Ao contrário do que se imagina, a batalha está apenas esquentando.


[1] Sobre a controvérsia, remeto os leitores: ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Direito do Saneamento. Campinas-SP: Ed. Millennium. 2007

[2] ALOCHIO, Direito do Saneamento. 2007

[3] Podemos não concordar com a razão, mas isso não lhe retira um sentido pelo menos objetivo.

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