Posse na OAB

Novo presidente da OAB defende combate à corrupção

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1 de fevereiro de 2010, 18h35

Depois de 20 anos, mais um paraense de nome Ophir Cavalcante sobe à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil. Em discurso emocionado, o novo dirigente da entidade representativa da advocacia por excelência, Ophir Cavalcante Júnior, relembrou os passos do pai, Ophir Filgueiras Cavalcante, que comandou a OAB no biênio 1989/90. “Deus quis, meu pai, que eu trilhasse o mesmo caminho que você trilhou”, disse no ato da posse, nesta segunda-feira (1º/2), em Brasília.

Cavalcante atribuiu à gestão anterior, conduzida por Cezar Britto, a mudança de postura da entidade, administração que se propôs “a trocar o ‘lamento’ pela ‘ação’. Não tenho dúvida de que conseguiu”, disse ele, que também fez parte da diretoria. Entre as conquistas, a sanção da lei que tornou os escritórios de advocacia invioláveis, em resposta aos episódios de invasão da Polícia Federal, com autorização judicial, para a apuração de crimes de evasão de divisas com o uso de off shores, na chamada operação Monte Éden, em 2005.

No campo dos Direitos Humanos, o novo presidente lembrou da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada no Supremo Tribunal Federal, que pede a revisão da anistia e a abertura dos arquivos militares do período da ditadura, de 1964 a 1985. Cavalcante se comprometeu a continuar brigando pela ação e manter outra medida tomada por Britto, a unificação nacional do Exame de Ordem. Também defendeu a criminalização da violação das prerrogativas dos advogados.

Com a maior parte do discurso voltado para críticas à corrupção e à impunidade, o presidente enalteceu o papel da OAB na luta pelos direitos democráticos e elogiou a alternância de partidos no poder desde a Constituição de 1988. “Esse rodízio, estabelecido pelo povo nas urnas, é mais que saudável: é vital, indispensável à democracia; é a seiva de que se nutre para tornar-se, mais que um mero regime político, uma cultura política, que a ninguém ocorra contestar.”

Para ele, uma das missões da OAB é “retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta, conforme o levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009”. Uma das medidas para alcançar o objetivo, segundo ele, é o financiamento público de campanhas. Cavalcante também propôs a criação de um “observatório da corrupção”, uma espécie de cadastro de fichas sujas a ser mantido pela entidade, “que terá a missão de monitorar todas as denúncias que se encontram sob a análise do Judiciário em todo o país”.

Leia o discurso de posse.

Senhoras e senhores,

Assumir a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é ao mesmo tempo uma honra e um desafio. Honra porque se trata do mais alto cargo que um advogado pode almejar dentro de sua instituição.

E desafio porque o papel da Ordem transcende os muros da entidade e assume, como compromisso moral e estatutário, a defesa da sociedade e da democracia.

Estou convicto de que, com humildade, determinação e, sobretudo, com o apoio dos colegas do Conselho Federal, conseguirei vencer esse desafio, respeitando as tradições de nossa entidade, que, em seus 80 anos de existência – que celebraremos este ano -, deixou marcas profundas e benéficas no processo evolutivo de nossa República e de nossa sociedade.

Agradeço o privilégio de ter integrado a diretoria presidida por Cezar Britto, cuja administração se propôs – como disse ele em seu discurso de posse – a trocar o “lamento” pela “ação”. Não tenho dúvida de que conseguiu.

Após este triênio, caro Presidente Cezar Britto, os advogados e a sociedade brasileira estão melhores. Avançamos na defesa das prerrogativas, essenciais ao cumprimento da norma constitucional, que define o advogado como “indispensável à administração da Justiça”.

Dentre as vitórias em defesa das prerrogativas, nunca é demais lembrar a que resultou na lei que garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, aprovada, por unanimidade, pelo Congresso Nacional.


Outro ponto alto foi – e continuará sendo – a luta incessante na defesa dos direitos humanos. Nesse quesito, destaco a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, junto ao Supremo Tribunal Federal, para abertura dos arquivos da ditadura, com o objetivo de resgatar uma dívida histórica para com o povo brasileiro em favor da verdade.

Há ainda a unificação do Exame de Ordem e a luta pela qualificação do ensino jurídico – iniciativas que terão, de nossa parte, a máxima atenção e continuidade.

São estas, dentre várias outras, conquistas da administração de Cezar Britto, que a justificam e marcam para a nossa história.

Minha eleição resulta da convergência de vontades e de uma trajetória construída nesta entidade a partir de meu estado natal, o Pará, do qual me orgulho e me imponho o dever de honrá–lo nas suas tradições de luta, de superação e, sobretudo, de compromisso com os valores republicanos.

Foram os advogados paraenses que me elegeram, a partir do final dos anos 90, para exercer os sucessivos cargos que ocupei na OAB: Vice Presidente da Seccional; duas vezes Presidente da OAB-PA e, posteriormente, conselheiro federal, indicado como representante da região Norte para integrar a Diretoria do Conselho Federal, na administração que ora se encerra, na condição de Diretor-Tesoureiro.

Uma diretoria constituída de brilhantes advogados e grandes amigos, como Cezar Britto, Vladimir Rossi Lourenço, Cléa Anna Maria Carpi da Rocha e Alberto Zacharias Toron.

Desse convívio, colho ensinamentos preciosos, que me amadureceram e permitiram que chegasse a este honroso cargo. A eles, a minha gratidão.

Ressalto a lealdade e o apoio dos colegas paraenses Ângela Sales e Evaldo Pinto, respectivamente ex- presidente e vice da Seccional do Pará, verdadeiros irmãos. E ainda de Jarbas Vasconcelos, atual Presidente da OAB-PA. Eles souberam compreender o alcance e significado desse projeto à advocacia paraense e brasileira.

Agradeço o apoio da totalidade das seccionais da Região Norte e da quase unanimidade das seccionais brasileiras.

Meu especial agradecimento a todos os Presidentes dos Conselhos Seccionais, dos Conselheiros Federais, dos ex-presidentes do Conselho Federal, que apoiaram o projeto que hoje se inicia. Vou precisar da colaboração de todos, como requisito primordial à construção de uma gestão participativa, democrática, atuante e efetiva.

Nada disso, porém, seria possível sem o apoio estrutural da minha família, que, de forma solidária, me dá a força necessária para superar obstáculos, perdoar constantes ausências – e à qual peço mais um crédito, com prazo certo e improrrogável, de três anos para que possa cumprir mais esta missão, que Deus e os advogados brasileiros me confiam.

Esse agradecimento é especial para Marici, minha paixão, amiga e companheira, com quem divido diariamente as minhas angústias, vitórias e projetos de vida; aos meus filhos Caio e Breno, meus maiores amores, e também a Bárbara, filha mulher que ainda não tinha tido.

A eles, peço que continuem no caminho que vêm trilhando. Agradeço também à minha mãe, Célia Forte, exemplo de mulher, e a minhas irmãs Suzy e Carla, que sempre me apoiaram em todas as lutas.

Deixei o agradecimento final a meu pai, Ophir, e a Célia, sua esposa, uma segunda mãe e avó, para nós, filhos e netos. Meu pai sempre foi – e continua sendo – um paradigma moral e profissional para mim.

Desde garoto, sempre o tive como meu melhor amigo, espelho de seriedade, luta e honradez.

Deus quis, meu pai, que eu trilhasse o mesmo caminho que você trilhou: Presidente da OAB-PA e Presidente da OAB Nacional, completando um ciclo de 20 anos após cada uma das suas Presidências.

Nada acontece por acaso e o seu exemplo de vida, de amor e de dignidade construiu uma família unida, com pessoas forjadas dentro de uma conduta retilínea, que sempre recebeu – e hoje passa às novas gerações – a lição de que o maior legado é o do exemplo e da educação. Obrigado meu pai.

Senhoras e senhores,

A Ordem dos Advogados do Brasil é resultado de uma obra coletiva, necessária para construir uma sociedade democrática. Ao longo de nossa história, trilhamos caminhos cheio de retas, de curvas, de subidas e até de despenhadeiros. Mas nunca caímos, graças à coragem de expressar, em todos os momentos, o pensamento libertário e independente, sem cores partidárias e sem vinculações ideológicas que não fosse o comprometimento com a Constituição.


À OAB, como tribuna da sociedade civil, estatutariamente comprometida com a defesa do Estado democrático de Direito, da Constituição e das liberdades civis, cabe o papel de cobrar dos agentes públicos o cumprimento do dever, mantendo-se distante de governos e em sintonia com a população.

Nossa Bíblia é a Constituição e o ordenamento jurídico dela decorrente.

A defesa da justiça – justiça sem adjetivos, pois a verdadeira justiça os dispensa – pressupõe tão-somente a correta aplicação das leis ou, quando for o caso (e é o caso), reformas que a sintonizem com as demandas da sociedade.

A luta pela redemocratização custou sangue, suor e lágrimas à população brasileira. Não pode ser comprometida pelo retorno, sob qualquer pretexto ou argumento, ao autoritarismo.

Não há ditadura de direita ou de esquerda. Há ditadura, experiência humana trágica que, sem qualquer exceção, produz apenas violência, atraso e injustiça, em seu sentido mais amplo e corrosivo.

Nestes milênios de civilização, prevalece a máxima de Winston Churchill, para quem “a democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros”. E foi para nos livrar de “todos os outros regimes” que a sociedade brasileira foi às ruas, na década de 80, exigir a democracia.

Nela estamos, e nela queremos permanecer, aprimorando o que é preciso, sabendo que os meios disponíveis são complexos e frequentemente demorados, mas são os únicos eficazes – e legítimos. Não há truques ou atalhos.

Democracia exige trabalho, determinação, paciência, sabedoria, sinceridade de propósitos.

Exige, sobretudo, compromisso com a diversidade, com o outro, o que pensa diferente. Compromisso, em suma, consigo mesma.

Uma coisa é a predominância da vontade da maioria – imperativo democrático; outra, a eliminação da minoria, truculência autoritária.

A democracia preserva e defende, como coisa sagrada, o direito da minoria de se manifestar, ser ouvida e respeitada.

A idéia de uma Constituinte não encontra, no presente, os fundamentos que a legitimam.

Não há ruptura da ordem institucional, nem o desejo social de que haja. Muito ao contrário: estamos prestes a eleger o sexto presidente da República pela via direta e constitucional. Desde que se restabeleceu a democracia, vários partidos se revezaram no poder: PMDB, PRN, PSDB e PT.

Esse rodízio, estabelecido pelo povo nas urnas, é mais que saudável: é vital, indispensável à democracia; é a seiva de que se nutre para tornar-se, mais que um mero regime político, uma cultura política, que a ninguém ocorra contestar.

Congresso e assembléias funcionam, a imprensa é livre (e tem que continuar livre!), não há censura, nem cerceamento ao Judiciário. Não há, nem pode haver!

E esse ambiente não conspirou contra o progresso. Muito ao contrário, foi nele, com todos os ruídos e agitações que produz, alternando partidos no poder, que o país conquistou a estabilidade econômica que hoje exibe e que o levou a obter índices que o credenciam ao respeito e à admiração da comunidade internacional.

O que precisamos é aprimorar as instituições, dotá-las de mecanismos que as tornem transparentes e decentes. A corrupção é uma de nossas maiores tragédias.

Dinheiro em meias; em cuecas; em bolsas; oração para agradecer a propina recebida – são anomalias inconcebíveis, que demonstram total subversão de valores por parte dos que deveriam dar o exemplo.

As imagens falam por si, sim, mas expressam ainda um autismo revoltante, já que falam apenas para si, sem qualquer conseqüência penal para os infratores, que continuam em seus cargos e cinicamente ainda perdoam os que contra eles protestam.

Precisamos pôr um fim à impunidade. E isso não pode ser apenas uma frase de efeito, que não gera qualquer efeito. A sociedade não quer o perdão dos corruptos. Quer justiça! Ressarcimento do que lhe foi roubado.

Precisamos dar conteúdo jurídico à indignação cívica do povo brasileiro, promovendo uma faxina moral nas instituições. Elas são a instância civilizatória de uma sociedade. Quando perdem autoridade, põem em risco as conquistas históricas que fazem de um povo uma nação.


Estamos nesta circunstância: ou nos reencontramos com a decência ou naufragaremos. Nenhum país avança, nenhum país ingressa no Primeiro Mundo com as mãos sujas!

E o Brasil – o Brasil institucional, indispensável à democracia – carece de decência. Não são os índices do PIB que expressam o avanço de um país, mas a conduta moral de seus dirigentes.

Como promover reformas sociais, estabelecer condições dignas para quem está na base da pirâmide social, sem inspirar confiança, sem transmitir respeito, sem dar o exemplo?

A prática tem que estar em consonância com o discurso – e, quanto à nossa política, há entre ambas um perigoso abismo.

A OAB, no mandato que ora se inicia, reafirmando seu papel histórico, não descansará – repito, não descansará! – um só minuto no combate intransigente à corrupção e à impunidade.

Para tanto, convoco não só os 700 mil advogados, mas todos os brasileiros honrados, que são a imensa maioria de nossa população.

Nossa missão é retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta, conforme o levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009.

Essa cultura perversa traz consequências danosas para os diferentes setores da vida brasileira. E é nesse cenário, com todas as suas limitações, que teremos que operar milagres.

Os poderes constituídos precisam assumir suas responsabilidades diante desse quadro. E há várias ações simultâneas a serem implementadas, cujo objetivo único pode ser resumido naquela Constituição que Capistrano de Abreu, há mais de um século, sugeriu para o Brasil:

Ø “Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.

Ø "Artigo 2º – Revogam-se as disposições em contrário.

Vergonha na cara! Eis a receita básica de nossa emancipação! Somente com ela – e a partir dela – poderemos considerar a República efetivamente proclamada.

E nós podemos fazer essa revolução moral e ética, pois a imensa maioria da população brasileira – repito, a imensa maioria – é formada por pessoas de bem, que trabalham dia e noite; que recolhem, com grande dificuldade, pelo menos quatro meses de salários por ano em impostos para permitir que o Estado promova o bem comum. Mas ele não promove.

Essa virada ética depende de nós. Vamos exigir decência; vamos exigir e repudiar pelo voto aqueles que não têm VERGONHA NA CARA.

E como iniciar essa luta? Garantindo que o voto seja de fato o instrumento de libertação. Para tanto, é necessária, imprescindível, uma profunda reforma do atual sistema político, não limitada à revisão do sistema eleitoral, mas ampliada a outros setores da administração, com o objetivo de sanear uma das piores mazelas do setor público, que é a distribuição política – e perdulária – de cargos.

Devemos nos insurgir contra o loteamento do Estado, contra a prática de usar os cargos públicos para arrecadar dinheiro e financiar campanhas.

Uma medida eficaz é estabelecer o financiamento público de campanhas.

Hoje tenho a convicção de que a corrupção diminuirá se estimularmos mais pessoas de bem a ingressar na política. Mas, para isso, precisamos sanear esse ambiente, hoje irrespirável.

Precisamos cuidar da ecologia política, mudando o perfil dos agentes públicos, que hoje respondem pela quase totalidade da emissão do gás venenoso da corrupção.

Não basta, porém, punir – embora seja indispensável fazê-lo. É preciso que, paralela e simultaneamente, haja um grande esforço no contexto educacional para reverter esse quadro.

É preciso inserir no currículo escolar a disciplina da Ética – mais especificamente, da Ética Pública.

Mais que uma ciência, ética é um sentimento, a percepção do que é certo e do que não é; do que tem de ser feito e do que deve ser evitado. Só poderá defender a integridade e a moralidade quem internalizar esses valores.

Por isso mesmo, há mais de 24 séculos, Aristóteles sustentava que: “Não se ensina ética para saber o que é a virtude, senão para ser virtuoso.”


Todas essas ações, que precisam envolver a sociedade, precisam estar em conjunção com uma premissa básica: o fortalecimento das instituições. O fortalecimento do Poder Judiciário.

Sem um Judiciário forte, prestigiado, não há advocacia forte e prestigiada. São as duas faces de uma mesma moeda: a Justiça. É dever estatutário da OAB zelar pelas instituições jurídicas. Advocacia e magistratura são papéis que se complementam na tarefa única de produzir justiça.

E é de justiça que o Brasil mais carece, para corrigir disparidades sociais e anomalias morais.

Há necessidade de ampliar os controles do Judiciário e do Ministério Público sobre si próprios; melhorar a estrutura e a gestão de ambos para que possam exercer na plenitude seu papel; trabalhar por novas práticas que os aproximem da sociedade.

Para exercer essa vigilância cívica – e contribuir nesse processo -, proponho a criação de um OBSERVATÓRIO DA CORRUPÇÃO, que terá a missão de monitorar todas as denúncias que se encontram sob a análise do Judiciário em todo o país.

Para tanto, convoco as Seccionais e Subseções da OAB para que juntos façamos funcionar e possamos municiar com as informações necessárias esse OBSERVATÓRIO.

Senhoras e senhores,

Nenhuma ameaça é maior à democracia, às conquistas do Estado democrático de Direito e ao resgate da dívida social que essa perversa e maligna associação de corrupção e impunidade.

A ela chegamos não por falta de leis, mas talvez por excesso. O incontável número de leis processuais, que permitem que um mesmo processo obtenha inúmeros graus recursais e acabe prescrito pelo tempo, beneficia apenas o topo da pirâmide social.

Não funciona para o cidadão comum, que, além de não conhecer a lei, tem (quando tem) precário acesso à justiça. É preciso democratizar esse acesso. A reforma do Judiciário avançou quando criou o Conselho Nacional de Justiça, que colocou o Judiciário sob a supervisão da sociedade.

Mas é preciso avançar mais. É preciso rever a legislação infraconstitucional, as leis processuais.

Não se trata de suprimir a ampla defesa, sem a qual não há justiça, mas, sim, de impedir que, a seu pretexto, se protele a justiça, eliminando-a.

Também não se trata de simplesmente inverter o que aí está, levando a falta de justiça que há embaixo para o topo da pirâmide. Trata-se de levar justiça a todos, nos termos do que determina o artigo 5º da Constituição, de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Sabemos que não funciona assim, que alguns são mais iguais que os outros. Sabemos que, nas delegacias do país – aqui mesmo, na capital federal -, a tortura e a violência são ainda os métodos investigativos por excelência.

Sabemos que incontáveis prisões são feitas de maneira irregular, sem mandado judicial, sem flagrante, sem conceder à vítima o direito a um advogado, que na maioria das vezes está fora de seu alcance econômico – e as defensorias públicas, que poderiam supri-lo, são ainda incipientes.

Senhoras e Senhores,

Estamos em ano eleitoral, momento propício a uma reflexão profunda sobre o que nos tem acontecido nestas duas décadas e meia de redemocratização. Reconquistamos liberdades formais – essenciais, sem dúvida -, mas que não se refletem ainda em melhoria substantiva na qualidade de vida da maioria da população.

O assistencialismo das bolsas sociais é necessário e deve ser preservado, mas tem que apontar a porta de saída. Como ensinava a antiga canção de Luiz Gonzaga, “uma esmola a um homem são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Precisamos de cidadãos integrais, sãos, em condições de participar plenamente da política, não como massa de manobra, mas senhores de seu destino, fiscais efetivos de seus eleitos.

A OAB preocupa-se com essas questões por não ser uma entidade meramente corporativa.

Sem deixar de ser a Casa do Advogado, é também, por dever estatutário, a Casa da Cidadania. E é simples entender: nossa profissão, mais que qualquer outra, depende do correto funcionamento das instituições, sobretudo, como já disse, do Judiciário.


Por isso, a luta em defesa das prerrogativas do advogado não é só do advogado. Confunde-se com a luta em defesa do cidadão.

É, afinal, a ele que se destina nossa ação. Quando se desrespeitam as prerrogativas da advocacia, é a democracia que é atingida. Por isso, violar as prerrogativas do advogado é crime! Crime contra a Justiça, crime contra a democracia, crime contra a cidadania!

A OAB não transigirá jamais quanto a isto, não tenham dúvidas!

Prerrogativas e democracia são indissociáveis, como indissociável é a ligação siamesa entre advogados, juízes e membros do Ministério Público

Quero, por fim, dizer que não temo o desafio de presidir a OAB – e por um motivo simples: não a administrarei sozinho.

Tenho o privilégio de contar com uma diretoria de primeira linha, com a presença dos eminentes advogados ALBERTO DE PAULA MACHADO, MARCUS VINICIUS FURTADO COELHO, MARCIA MACHADO MELARÉ e MIGUEL CANÇADO, além dos não menos brilhantes Conselheiros Federais que ora assumem, com quem dividiremos as decisões de nossa entidade.

Conto também com o apoio e aconselhamento dos ex-Presidentes desta Casa. Cada qual a seu tempo contribuiu, voluntariamente, na construção deste monumento cívico que é a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

A todos, as sábias palavras de Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior: “Vamos de mãos dadas”. Juntos, não seremos “poetas de um mundo caduco”. Estaremos ligados à vida real, tendo como missão melhorar esta enorme e complexa realidade.

Coragem, destemor, independência, autonomia, responsabilidade são as nossas armas para lutar por Justiça; por uma sociedade menos desigual. E o fazemos com espírito de doação, sem receber nenhum centavo do Poder Público.

Somos 8.500 dirigentes da OAB empenhados, em todo o país, numa luta cujas palavras mágicas são VOLUNTARIADO e SOLIDARIEDADE – e que devem servir de estímulo para que outros se unam e também contribuam, na missão comum de construir pontes e derrubar muros, sem receio de desagradar aos governantes, nem de incorrer em impopularidade.

Logo, não chego sozinho ao Conselho Federal da OAB. Estão sempre comigo o compromisso com a transformação para engrandecer ainda mais a nossa instituição.

Trago comigo a visão solidária que deve ser o princípio motivador de um dirigente.

Trago comigo o sentimento de que é no campo da ação prática, mediante propostas novas e modernas, que melhor poderemos escrever uma história de avanço social.

Trago comigo o exercício da convergência para que haja mais pontes entre as margens distantes.

Trago comigo, principalmente, a alegria de trabalhar.

Por isso, assumo esta nobre missão de coração aberto.

A todos, o meu mais afetuoso abraço. Que Deus nos ilumine e nos permita cumprir fielmente este mandato.

Muito obrigado.

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