Explosão literária

Atuação da PF inspira livros de juízes e jornalistas

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30 de dezembro de 2010, 10h07

O sucesso que faltou aos desfechos das grandes operações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federal pode sobrar no campo literário. Uma fileira de livros para esmiuçar os espetáculos que geraram tantas manchetes está a caminho.

O primeiro livro jornalístico sobre a mais famosa das "operações" foi lançado por Raimundo Pereira (O Escândalo Daniel Dantas — Duas Investigações). Trata-se de um trabalho meticuloso que desmontou a chamada satiagraha e deixou a Polícia, procuradores e o juiz Fausto De Sanctis em má situação. Na mesma linha, vem por aí livro de outro protagonista do caso, o ministro Gilmar Mendes. No primeiro semestre, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal lançará uma coleção de seus votos mais relevantes nos oito anos em que está no tribunal. O capítulo mais importante tratará do período em que país viveu sob o jugo do estado policial — tratará das farsas perpetradas nas operações anaconda, navalha e satiagraha.

O repórter e escritor Claudio Julio Tognolli anuncia para janeiro o livro Golpe Abaixo da Cintura também sobre a satiagraha. Será lançado pela TopBooks, do Rio de Janeiro e deve ter 400 páginas. Tognolli, quando repórter deste site, foi quem recebeu do procurador da República Luiz Francisco uma ação contra Daniel Dantas. No arquivo anexado ao e-mail, as propriedades do documento informavam que a origem da ação não era um computador do MPF. O documento fora produzido, na verdade, na empresa Nexxy Capital de Luís Roberto Demarco. Segundo Tognolli, seu livro se aprofunda no processo judicial de Milão, onde se apura o destino de milhões de euros aplicados no Brasil para turbinar a operação que teve Protógenes como um de seus gerentes.

No final de 2009, os agentes da Polícia Federal, Eduardo Maia Betini e Fabiano Tomazi lançaram o livro "Charlie Oscar Tango: por dentro do Grupo de Operações Especiais da Polícia Federal". A obra mostra o lado profissional das ações policiais e o cotidiano de seus agentes. Na opinião do advogado e ex-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Francisco Carlos Garisto, o livro tem "excelente qualidade, com informações e explicações técnicas e reais".

O jornalista Frederico Vasconcellos, ele próprio autor do pioneiro Juízes no Banco dos Réus, em 2005, que tratou da anaconda, divulgou em seu blog que o deputado federal Protógenes Queiroz também publicará sua obra. Segundo a nota, o delegado afastado da PF vai contar os bastidores da operação. Há uma grande expectativa que Protógenes revele a origem e a explicação para os R$ 284 mil que ele declarou à Justiça Eleitoral ter em casa e seus seis imóveis (Foz do Iguaçu, Guarujá, Rio de Janeiro, Brasília, São Gonçalo e Niterói). A primeira versão do deputado é que ele ganhou os seis imóveis de um "amigo". Na mesma nota, o blog do Fred informa que o jornalista Rubens Valente, seu colega na Folha de S.Paulo, está escrevendo a sua versão da satiagraha.

Quem conhece bem o ex-delegado não acredita que ele cumprirá a promessa. Não seria a primeira vez. Anteriormente, descobriu-se em um pendrive apreendido em uma de suas casas algo revelador da psique do herói. Ali estava o esboço de um livro que se intitularia Protógenes, a Lenda. Na nota, Protógenes diz que já foi procurado por editoras da Inglaterra e da Espanha. À Folha de S.Paulo, o delegado afastado da PF disse ter reunião marcada com americanos que pretendem fazer um documentário com "profissionais de Hollywood" sobre a corrupção no governo brasileiro.

O empresário Luís Roberto Demarco, protagonista das principais histórias sobre as quais esses livros se dedicam, chegou a anunciar a criação de uma entidade (Fundação Brasil Limpo), em sociedade com Paulo Henrique Amorim, para a produção de livros. Ao menos sete jornalistas foram procurados para escrever contra Daniel Dantas. Um deles disse que não aceitou o roteiro a que estava condicionado o contrato.

Um livro que ficou pelo caminho foi o Privataria, encomendado ao repórter Amaury Ribeiro Júnior. Ele chegou a entregar o texto introdutório do livro a Paulo Henrique Amorim, mas virou encrenca quando se descobriu que Amaury participou da quebra de sigilo de alvos do seu trabalho. O uso da material seria prova contra ele.

Vítima de linchamento público que depois se constatou inocente, o juiz federal Casem Mazloum vai à forra. Não se sabe ainda o título, mas o alvo provável devem ser as procuradoras da República de São Paulo que se notabilizaram por pedir prisão e condenação sem provas, segundo os ministros do STF. Casem foi colhido pela anaconda, operação que, como as demais, começou como um vendaval e terminou como uma brisa.

O juiz Fausto De Sanctis também aproveitou sua súbita notoriedade para estrear sua carreira literária. Mas preferiu modalidade mais afeita a seu talento e optou por um romance. Escreveu Xeque Mate que, embora apresentado como ficção, tem um personagem principal cujas letras iniciais do nome e sobrenome são as mesmas do juiz.

A mistura de ficção e realidade persegue de perto o enlace entre a Justiça e o crime nessas histórias todas. E isso parece que não vai parar nunca. Nesta semana, Walter Maierovitch — que para fazer seu livro, quando era juiz (ele nunca foi desembargador, como costuma se apresentar), deslocou para sua casa servidores do Judiciário para as tarefas de digitação — mostrou isso. Segundo Maierovitch, secundado por Janio de Freitas, na Folha, só agora a Polícia Federal concluiu a investigação sobre a interceptação telefônica da conversa entre o senador Demóstenes Torres e do então presidente do STF, Gilmar Mendes. Na verdade, a investigação policial terminou em outubro de 2009 como se vê no andamento processual do TRF da 1ª Região. Quando a investigação foi concluída, um ano depois de iniciada, a própria PF informou que nada conseguira apurar

Segundo o juiz aposentado, a Polícia Federal concluiu que ela não grampeou ilegalmente o senador e o ministro. Uma conclusão previsível — o contrário é que seria inesperado. Mas a notícia vai além. Diz que nunca houve grampo algum. A PF já concluiu em outra ocasião que ministros do STF e do TSE não haviam sido grampeados. Tudo estaria muito bem caso fosse possível afirmar que não houve determinada interceptação. Mas, como os policiais estão cansados de saber, grampo, em geral, não deixa rastro depois que o dispositivo é recolhido.

Nem mesmo quando não existiam celulares e o grampo era apenas um pedaço de arame que conectava duas linhas na caixa de entrada do prédio ou na central telefônica. Bastava retirar o arame e o grampo jamais existiu. A operação satiagraha, como se sabe, foi privatizada. A PF seria mais convincente se empurrasse a culpa para os atores privados contratados por Protógenes para a tarefa. Mas, ao tentar proteger terceiros, o que o sucessor de Paulo Lacerda fez foi reivindicar para si a responsabilidade pelo que aconteceu.

Mas como o que valem são as versões e não os fatos, faz mais sucesso a fantasia que a realidade. Não por acaso, a revista literária piauí patrocinou a mais cara reportagem do jornalismo escrito brasileiro para produzir também a sua ficção. É possível que venha mais um livro daí também. É possível que faltem leitores para tantas páginas.

Ainda assim, há algo a dizer em favor da pirotecnia que cercou as ações policiais feitas por roteiristas de cinema improvisados: as filas de empresários que acorreram em direção a auditorias e escritórios em busca de assessoria jurídica para regularizar seus negócios e o aumento vertiginoso da arrecadação tributária. Ou seja, o impacto do efeito psicológico causou, ao menos aparentemente, a sensação de que não existe impunidade no país.

Seria um golaço em termos de avanço civilizatório, caso a motivação das iniciativas não se mostrasse tão escusa quanto escusos são os crimes que se anunciou combater

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