Molusco homônimo

Nome de Lula em campo viola lei, dizem especialistas

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30 de dezembro de 2010, 18h15

Ao rebatizar o campo petrolífero de Tupi, no Rio de Janeiro, com o mesmo nome do presidente Lula, a Petrobrás pode ter se exposto a ser acusada de improbidade administrativa, e de cometer um ato ilegal. A opinião é de especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico. Uma lei sancionada em 1977 proíbe que bens públicos recebam nomes de pessoas vivas. A intenção é justamente evitar que o patrimônio público sirva a propósitos pessoais.

Ricardo Stuckert/PR
Lula - Café com o Presidente - Ricardo Stuckert/PR

A Lei 6.454, sancionada pelo então presidente da República, general Ernesto Geisel, pune com a perda do cargo o responsável pela homenagem. Se levada até as últimas consequências, a norma pode colocar na berlinda o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. O executivo foi confirmado no cargo pela presidente eleita Dilma Rousseff. Ele entrou na diretoria da estatal em 2003, e assumiu a presidência dois anos depois.

Nesta quarta-feira (29/12), a empresa anunciou a viabilidade comercial do campo, situado na área do pré-sal. As reservas estimadas chegam a 6,5 bilhões de barris de petróleo e gás, que somadas com a área anexa de Iracema, chegam a 8,3 bilhões, mais da metade das reservas brasileiras já comprovadas, de 14 bilhões de barris. Com o anúncio, o antigo poço de Tupi passou a ser considerado “campo”, e rebatizado como “Lula”.

De acordo com uma portaria da Agência Nacional do Petróleo, editada durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, uma vez declarada a viabilidade comercial do campo, ele deve receber um nome ligado à fauna marinha. Assim, o nome “Lula” se deveria ao molusco, e não ao presidente. Em evento em Salvador, no entanto, o presidente agradeceu a Gabrielli. “Foi uma homenagem gostosa dos companheiros da Petrobrás”, afirmou.

Para o advogado Marcelo Guaritá, do escritório Diamantino Advogados Associados, a esquiva não se sustenta. “O desvio de finalidade está caracterizado, e fere o princípio da moralidade”, diz. Segundo ele, o argumento não teria respaldo no Judiciário.

Em sua página no Twitter, o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO) classificou a homenagem como “criminosa”. “Após defender mensaleiros e desrespeitar leis eleitorais, Lula rasga a Constituição e mais uma lei ao colocar seu nome na área de Tupi”, disse. “Essa possível desculpa de que ‘Lula’ é da fauna marinha não vai colar.” Caiado afirmou que o DEM vai representar no Ministério Público Federal contra o presidente e contra Gabrielli.

A Lei 6.454 prevê, em seu artigo 1º, que “é proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da Administração indireta”. De acordo com a norma, a "infração ao disposto nesta Lei acarretará aos responsáveis a perda do cargo ou função pública que exercerem”.

Procurada pela ConJur, a Advocacia-Geral da União preferiu não comentar o caso. “A Advocacia-Geral da União apenas se manifesta formalmente em situações como a descrita caso seja solicitado o respectivo assessoramento jurídico por algum órgão da Administração Pública Federal”, disse, por e-mail, a assessoria de imprensa do órgão.

Na opinião do professor de Direito Administrativo da PUC-SP, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a acusação de personalização pode esbarrar no fato de a Petrobrás não ser uma empresa estatal, mas de economia mista, argumento que poderia ser utilizado na defesa do governo. “Mesmo assim, a situação viola o espírito da lei, que é o de impedir que se personalize o governo, em detrimento do interesse nacional”, afirma.

“A medida viola o princípio constitucional da impessoalidade”, diz o professor de Direito de Estado da Universidade de São Paulo, Fernando Menezes. Para ele, essa é uma violação ainda pior do que a da lei de 1977. Segundo o professor, o caráter partidário explícito da alcunha pode motivar tanto ações privadas quanto públicas no Judiciário. “O Ministério Público pode propor uma Ação Civil Pública ou uma ação de improbidade administrativa. Os cidadãos também podem entrar com ação popular”, lembra.

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