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Os livros da vida do professor José Garcez Ghirardi

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29 de dezembro de 2010, 14h18

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Prof. José Garcez Ghirardi - Spacca - Spacca

A obra do poeta e dramaturgo William Shakespeare é consagrada por definir a condição humana como a entendemos hoje. Não à toa, ele é considerado o "inventor da modernidade". Para o crítico americano Harold Bloom, o inglês estabeleceu o que significa “ser ou não ser humano”, por tratar de questões morais, sociais e ideológicas que ainda hoje afligem a humanidade. Em suas tragédias, Shakespeare retrata os conflitos gerados pela ambição, em Rei Lear e Macbeth; pela vingança e o ciúme, em Otelo; pelo poder e a suscetibilidade à corrupção, em Hamlet. Até mesmo em seus romances e comédias há importantes ponderações acerca das diferenças sociais e do amor, como em Sonho de uma Noite de Verão e Romeu e Julieta.

Porém, mais do que mostrar que o ser humano não é totalmente bom nem totalmente mau, sua obra também aponta questões centrais da teoria política. É o que defende o coordenador de ensino da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, José Garcez Ghirardi. Pós-doutor em Linguística Aplicada, doutor em Língua Inglesa e bacharel em Direito, Ghirardi pretende entregar em março do próximo ano um estudo sobre Shakespeare e teoria política. Para ele, o Bardo inglês discute, por meio de sua obra, teorias sobre a relação do Estado e a sociedade defendidas por Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e outros pensadores importantes dos séculos XVI, XVII e XVIII.

A relação de Ghirardi com Shakespeare é reflexo da sua paixão pelo Direito e pela Literatura, dois campos discursivos que, para o professor, não são distantes. “As duas áreas são construídas de formas diferentes, com funções sociais diferentes, mas buscam enfrentar questões importantes: quem tem valor? O que é o sujeito? Por que temos direitos de fazer algumas coisas e outras não? Nos romances, o herói busca um sentido para os seus atos e pensa no que é justo, pois assim é o ser humano”.

O que nos faz humanos surge com clareza na Literatura, e algumas dessas lições estão no coração da percepção de Direito, segundo Ghirardi. Por entender que muitos conceitos que estruturam o pensamento jurídico são discutidos nas obras literárias, seguir seu caminho profissional pela Literatura foi natural. “A princípio, optei pelo Direito pois sempre me questionei sobre o papel do Estado e o que fundamenta os direitos individuais. Mas depois que me formei, e como sempre gostei da leitura, percebi que muitas dessas questões filosóficas do Direito estão relacionadas com a Literatura”. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo em 1985, Ghirardi fez um curso de extensão em Cambridge e foi visiting scholar na Wayne State University, em Michigan.

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Pequena Abelha, de Chris Cleave - Divulgação

O professor costuma dizer que lê tudo o que cai em sua mão. Quando está escrevendo, dedica-se aos autores da teoria que está estudando, seja ela política ou literária. “Considero-me uma pessoa realizada, pois transformei o que gosto de fazer, ler e escrever em profissão”. Nos momentos de lazer, prefere as obras de ficção. “A ficção sempre nos deixa mais jovens e alertas, pois é esse o momento em que podemos transcender nossa própria realidade”. Presente da filha Carolina, de 21 anos, Pequena Abelha, da inglesa Chris Cleave, é a obra na qual Ghirardi tem gastado o tempo de lazer atualmente.

 

O homem em xeque
Ghirardi estuda a obra de Shakespeare há cerca de uma década. Em seu estudo, ele faz uma análise das tragédias, das peças históricas e das comédias do inglês para versar sobre conceitos legitimados no Renascimento, com o surgimento do Humanismo, em que o homem passou a ser o centro da civilização. “Macbeth, por exemplo, está respondendo a outra lógica de poder, a lógica do mérito da ação. Ao mesmo tempo em que ele é odiado pela sua tirania, também possui um sentimento heróico”.

O professor explica que os personagens de Shakespeare vivem questões centrais do seu tempo com implicações políticas muito fortes: “Ser ou não ser, eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias e, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir”, diz Hamlet, em seu famoso monólogo.


Primeiros livros
Ghirardi tomou gosto pela Literatura

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Setas Contra os Barões, de Geoffrey Trease - Divulgaçãodesde muito cedo.
Quando não estava na escola, dividia seu tempo livre entre as partidas de futebol com os amigos, e os livros. “Meus pais sempre gostaram de ler e tínhamos uma biblioteca enorme. Parte do meu crescimento foi desvendar os mistérios que aqueles livros escondiam”.

Entre as leituras que marcaram sua infância estão Memórias de Emília, de Monteiro Lobato, e Setas Contra os Barões, de Geoffrey Trease, um dos títulos da antiga coleção Jovens do Mundo Todo, da Editora Brasiliense. O livro conta uma das aventuras de Robin Hood, o famoso herói que roubava dos ricos para dar aos pobres. “Essa leitura foi muito importante, pois me despertou para os problemas
das diferenças sociais”.


Literatura 
Na juventude, Ghirardi passou a se aventurar pelos clássicos, como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. A filosofia também ganhou atenção, com destaque para René Descartes e Blaise Pascal. Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa abriram as portas para a poesia.

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Grande Sertões Veredas - Divulgação

A predileção é por Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. “A beleza dessa obra é que ela é singular e imprescindível, pela sua narrativa não-linear, pela construção complexa de seus personagens e por tratar de questões históricas importantes”. No terceiro livro de Guimarães Rosa, o centro da narrativa é a história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim. O autor também dá uma nova dimensão ao ambiente e à gente do sertão mineiro.

Foi também na juventude que Ghirardi conheceu melhor os romancistas ingleses, entre eles, John Donne, expoente da metafísica inglesa. A identificação com o poeta foi tão grande que Ghirardi dedicou sua tese de doutorado ao autor, e lançou o livro John Donne e a crítica brasileira: três momentos, três olhares.


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O Conceito de Direito, de Herbert Hart - Divulgação

Livro Jurídico 
Com raízes fortes no pensamento político clássico, Ghirardi destaca Charles de Montesquieu, Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel entre os teóricos do Direito mais importantes, por tratarem da concepção sobre o saber e o agir do homem. Entre os livros teóricos modernos, ele destaca O Conceito de Direito, de Herbert Hart. “O autor trata com muita elegância e clareza de pensamento a essência do Direito, ou seja, o que é o Direito e suas justificativas, por meio da filosofia da linguagem”.


Música e cinema

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O Grande Ditador - DivulgaçãoO cinema e a música também marcaram a formação, as escolhas pessoais e profissionais e a maneira de enxergar o mundo de Ghirardi. Ele conta que passou a entender por que as pessoas gostam tanto de música clássica ao ouvir os Concertos de Brandenburgo, coleção de seis peças musicais considerada expoente do barroco na música, composta por Johann Sebastian Bach.

Na sétima arte, seu gosto é eclético, indo das aventuras sci-fi Guerra nas Estrelas, de George Lucas, e Blade Runner, de Ridley Scott, passando pela saga dos Corleone na trilogia O Poderoso Chefão, de Francis Ford Copolla, até Ginger e Fred, do italiano Federico Fellini. Porém, o que mais lhe marcou foi O Grande Ditador, de Charlie Chaplin. “Lembro de ter ficado bastante impressionado quando meu irmão me levou ao cinema para assistir esse filme”.

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