Ideias do milênio

"Na crise, as pessoas em dificuldade não têm advogado"

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24 de dezembro de 2010, 7h54

Criadora do mais fenômeno da comunicação online nos Estados Unidos, o site de notícias The Huffington Post, a socialite Arianna Hffington se tornou também uma espécie de guru da classe média americana. Usa o próprio site e escreveu livros para orientar o americano médio em meio à crise que roubou-lhe o emprego, tirou-lhe a casa e deixou-o inadimplente: "E ele nem têm um advogado para se defender diante dos bancos que vêm executá-lo pelas dívidas", diz ela. Arianna Huffington, que chegou ao Brasil nesta semana, foi entrevistada pelo jornalista Jorge Pontual, do programa Milênio, da Globo News. A entrevista, abaixo transcrita, foi exibida na Globo News no dia 6 de dezembro último.

Leia a entrevista:

Jorge Pontual – O Huffington Post, mais conhecido com HuffPo, é o site de notícia na internet que mais cresce. O número de leitores aumentou 150% no último ano. Hoje são 12 milhões de visitantes por mês. Nos Estados Unidos só o New York Times tem mais leitores online e em breve será ultrapassado pelo HuffPo. Tudo começou há cinco anos quando a socialite Arianna Huffington reuniu amigos famosos e resolveu fazer um blog onde todos escrevessem de graça. Arianna nasceu na Grécia, emigrou para os Estados Unidos e se casou com um político milionário do partido republicano. Conservadora, foi uma feroz opositora do presidente Bill Clinton. O casamento acabou quando o marido revelou que era gay e Arianna descobriu que na verdade era de esquerda. O Huffington Post cresceu na oposição a George Bush e se tornou leitura obrigatória para liberais e progressistas americanos. Depois de escrever livros de auto-ajuda para mulheres inseguras, Arianna acaba de publicar América do Terceiro Mundo, no qual ataca tanto republicanos como os democratas do presidente Obama por abandonarem a classe média. Ela alerta que a sociedade americana está cada vez mais dividida com uma disparidade entre ricos e pobres que lembra a de países de Terceiro Mundo. Hoje apontada como a mulher mais poderosa da internet, ocupadíssima, Ariana recebeu o Milênio para uma breve entrevista entrecortada por interrupções espremida entre reuniões para falar de seu livro e do sucesso como diva do jornalismo virtual.

Jorge Pontual — Há alguns anos, acho que talvez tenha sido há 15 anos, quando vim para os EUA, fiz uma matéria sobre o que chamava de “brasilianização dos EUA” porque, na época, o Brasil era o país de maior desigualdade de renda no mundo e era, obviamente, um país de Terceiro Mundo. E houve aumento da pobreza nos EUA e a redução da classe média. Isso foi há 15 anos. Agora o Brasil tem uma nova classe média, 20 milhões de pessoas saíram da pobreza. Nem queremos chamar de “brasilianização” o que acontece nos EUA, o que você descreve no seu livro. É possível que os EUA se tornem um país de Terceiro Mundo?
Arianna Huffington — Eu escolhi o título Os EUA do Terceiro Mundo, que parece tão assustador, porque eu queria dar o alarme. O que está acontecendo, a redução da classe média, o fato de os EUA, um país que era definido pela ascensão social, se tornar agora um país definido pelo declínio social é algo que eu acredito ser possível prevenir. Ou seja, podemos deter esse declínio, mas apenas se tratarmos o que acontece como uma prioridade. De outra forma, a situação que enfrentamos agora, na qual 100 milhões de americanos estão em pior situação que a de seus pais na mesma idade, e dois terços dos americanos acreditam que seus filhos estarão em uma situação pior do que a deles. Como as pessoas veem o futuro de seu filhos é essencial para sua opinião sobre o país. Determina o que sentimos em relação ao país.

Jorge Pontual — Penso no que acontecerá… Você também é imigrante, não é?
Arianna Huffington — Sou. 

Jorge Pontual — Veio para os EUA bem antes de mim. Sou mais velho…
Arianna Huffington — Nós dois temos sotaque!

Jorge Pontual — É ótimo ver alguém como você, que fala com sotaque, ter tanto sucesso nos EUA! Eu vim para cá, há 15 anos, e acho que fomos os últimos que se beneficiaram do “sonho americano”. Dois filhos meus estudaram em faculdades daqui, eles têm uma carreira de muito sucesso. São um pouco mais velhos que suas filhas. Agora tudo isso sumiu. Talvez não tenha sumido, mas está ameaçado…
Arianna Huffington — Para milhões de pessoas, sumiu. Há uma classe crescente nos EUA: “a antiga classe média”. Quando há 27 milhões de pessoas sem emprego ou em subempregos, isso significa que todos foram afetados, porque, mesmo que você ainda tenha seu emprego, você conhece alguém próximo, um familiar ou amigo próximo, que está desempregado. O que vemos agora é uma ansiedade econômica incrível. Até as pessoas que ainda têm emprego e casa própria estão preocupadas com o futuro, esperando para ver quem será o próximo. E a questão não é só o desemprego, mas também as execuções de hipoteca. Houve uma epidemia de execuções. No fim do ano 2010, haverá 5 milhões de imóveis executados. Isso significa que 5 milhões de famílias terão saído de suas casas e ido para a casa de um parente, para um hotel barato ou até para um abrigo para sem-teto. Isso está tendo um grande impacto sobre as crianças, suas famílias,  sobre tudo que entendemos como sociedade civil.

Jorge Pontual — Quando vemos a proposta da comissão para propor cortes no orçamento criada pelo presidente Obama… Ela criou uma proposta que onera ainda mais a classe média. Há redução de imposto para os ricos e um imposto maior para a classe média, cortando benefícios que ela tinha. Então, é difícil entender por que a elite de Washington está tão desconectada da realidade. Você escreveu sobre isso no livro How to Overthrow the Government, há 10 anos. E essa desconexão aumentou.
Arianna Huffington — Sim, ela aumentou. O resultado dessa desconexão, como vimos na última eleição, foi que – já que a expansão de esfera governamental não salvou a classe média – as pessoas estão olhando feio para o governo. E há muitas provas de que o governo não foi eficiente o bastante na prevenção do declínio. Então nós salvamos os bancos… Eu digo no livro que é possível defender o resgate dos bancos, mas não sem restrições, não sem condições, para que o resgate deles também tivesse salvado as cidades, os pequenos negócios, a classe média americana. Em vez disso, o centro financeiro foi salvo, mas ele não se recuperou e começou a investir, não criou emprego. Em vez disso, o dinheiro foi usado para continuar muitas das mesmas apostas com instrumentos financeiros que nos deixaram em apuros. 

Jorge Pontual — O trágico é que se perdeu a chance dada pela eleição de Obama e aquela esperança de mudança. É difícil explicar ao público brasileiro o que aconteceu com Obama. Como você diz, a audácia da campanha virou timidez.
Arianna Huffington — Isso. 

Jorge Pontual — Mas por quê?
Arianna Huffington — Acho que houve alguns erros sérios. Um foi a equipe econômica que ele escolheu. Ela era muito centrada no setor financeiro. Larry Summers, que comandava a equipe econômica, e Tim Geithner, secretário do Tesouro, realmente subestimaram a devastação econômica. E, ao subestimá-la, optaram por priorizar a saúde pública. O sistema de saúde está em crise no país, realmente precisávamos fazer algo drástico em relação à assistência médica. Mas a lei aprovada, em primeiro lugar, só vai entrar em vigor em 2014. Então, em certo sentido, o governo e os democratas disseram aos americanos: “Sei que ainda não têm emprego, mas em 2014 terão assistência médica.” Não é um bom slogan para as eleições. A segunda questão é a veneração do presidente pela elite dominante. Você não pode ser um verdadeiro líder se passa a venerar a elite dominante. Porque a elite militar, por exemplo, só queria perpetuar e aumentar a guerra no Afeganistão. E o presidente concordou. Agora vemos que não há uma estratégia real para sair de lá que implique na vitória. Estamos apoiando um governo corrupto, gastando US$ 2,8 bilhões por semana, estamos basicamente mandando para a morte milhares de homens e mulheres jovens. E isso não está ajudando nossa segurança. 

Jorge Pontual — A questão central que vai comover os eleitores é o emprego, não é? Essa é a questão central. Então como fazer a econômica funcionar de novo? Porque era baseada em dívidas, no aumento do consumo… Dizemos “consumismo”, não é? E na dívida. E isso é insustentável. Acabou. Então como a economia pode se levantar? A oposição não tem uma proposta para resolver isso, não é?
Arianna Huffington — Bem, esse é o problema. A oposição alega ter propostas, mas, na verdade, são apenas chavões. É a mesma história de cortar as despesas e os impostos. Mas, atualmente, há uma clara carência na demanda. Nesse momento, o governo precisa intervir, gastando para criar empregos. Vimos isso na época de Franklin Roosevelt, vimos os grandes programas de trabalho público e projetos de infraestrutura que precisaríamos de qualquer forma, mesmo que a população estivesse totalmente empregada…

Jorge Pontual — O país está decaindo.
Arianna Huffington — É. Tem um capítulo no livro que chamei de: “Os EUA, belos/dilapidados”. Vimos o que aconteceu na Califórnia recentemente, as tubulações de gás explodiram matando pessoas e destruindo casas. Isso poderia acontecer em todo país. 

Jorge Pontual — Uma coisa que estamos vendo é o movimento populista da direita, o Tea Party. Ele reflete essa raiva da classe média, por causa dessa desconexão, o governo não faz nada pela classe média. A raiva vem daí. Mas eles têm uma solução muito diferente, não é? Estão usando Obama como bode expiatório. O que você acha que é o Tea Party?
Arianna Huffington — O Tea Party baseia-se em muita raiva fundamentada. Primeiro, precisamos reconhecer isso. O que acontece ao longo da História é que, sempre que há uma grande ansiedade econômica, surge a chance de fazer de bode expiatório e demonizar determinada parcela da população, quer sejam judeus, imigrantes, muçulmanos… É isso que está acontecendo aqui. Basicamente, quando as pessoas temem muito o futuro, elas pensam através do que é conhecido como “cérebro de lagarto”. É territorial, baseia-se no medo.

Jorge Pontual — No livro, você apresenta soluções.
Arianna Huffington — Isso.

Jorge Pontual — Por exemplo, uma solução é o que você chama de “movimentar o dinheiro”. É como um movimento. Explique o que é.
Arianna Huffington — Fico muito feliz que tenha citado as soluções, pois, para mim, essa é a parte mais importante do livro. É o capítulo 5. Quem estiver muito ocupado para ler tudo, eu aconselho a ler apenas o capítulo 5. Porque, se nos concentrarmos nas soluções, podemos virar o jogo. Eu proponho 7 passos, além das soluções do governo, podemos falar delas depois. Mas, no nível pessoal, primeiro as pessoas precisam recorrer a sua força pessoal e resistência. Algumas pessoas estão totalmente arrasadas pela dificuldade econômica, e outras conseguem sobreviver e prosperar. Essa é a primeira coisa. A segunda é se educar financeiramente, porque muitas pessoas não sabem como administrar seu dinheiro nem o quanto é fácil se endividar. E, é claro, muitos bancos e empresas de cartão de crédito percebem que podem realmente explorar a vulnerabilidade e falta de conhecimento das pessoas e elas acabam tendo que pagar contas de cartão de crédito e juros que disparam, sendo que começaram com juros baixos…

Jorge Pontual — 95% dessas pessoas não têm advogado.
Arianna Huffington — Sim, esse é outro ponto. E quando os credores ameaçam de executar a hipoteca, eles não sabem como enfrentá-los. Como você disse, os devedores não têm advogado. Então é crucial se educar financeiramente. E agora há muitos sites como Wallet.com que você pode acessar e, por US$ 5 por mês,  recebe ajuda prática para administrar suas finanças. A outra coisa é movimentar o dinheiro. Frequentemente, as pessoas se sentem impotentes. Elas veem o que os bancos fazem… eles foram resgatados pelos contribuintes, mas estão se recuperando e usando o dinheiro que estão ganhando para continuar a fazer  investimentos tão arriscados quanto antes. Frequentemente, usando mecanismos financeiros extravagantes, todas essas coisas que levaram ao desastre econômico. E as pessoas tem opção de tirar seu dinheiro dos grande bancos, que não estão concedendo empréstimos, para bancos menores da comunidade. Bancos comunitários, cooperativas de crédito…

Jorge Pontual — Você fez isso?
Arianna Huffington — Nunca tive conta num banco grande, nem o The Huffington
Post
, mas 2 milhões de pessoas fizeram isso. E isso faz diferença, pois bilhões de dólares foram transferidos de bancos grandes para bancos comunitários menores e cooperativas de crédito.

Jorge Pontual — Você construiu, provavelmente, a mais bem-sucedida, pois é a que cresce mais, agência de notícias on-line. Fale sobre o The Huffington Post e como ele está criando um diálogo nacional, como você diz, sobre tudo que está acontecendo nos Estados Unidos.
Arianna Huffington — Ligando isso às soluções, começamos uma seção chamada Estados Unidos de Terceiro Mundo. Há um mapa interativo, e, no mapa, há estrelas para ótimas coisas que acontecem no país. Porque a mídia frequentemente se concentra só no que não funciona. O foco está no que é deficiente. É lógico que é muito importante focar a luta pela qual as pessoas passam, mas as soluções também são. Muitas pessoas, por exemplo, usam a mídia on-line para transformar seus hobbies em trabalho, para ajudar um ao outro, e tentamos levar o foco para isso no The Huffington Post. Até começamos uma seção, há poucas semanas, que chamamos de A melhor pessoa do dia, para podermos falar das pessoas que fazem o bem…

Jorge Pontual — São voluntários, não é?
Arianna Huffington — Isso. São pessoas desempregadas que têm tempo, então podem usar seu tempo para fazer o bem aos outros. E muitos estão fazendo isso. Eu escolhi Seth Reams, um porteiro desempregado de Portland, Oregon, que fundou um site chamado WeveGotTimetoHelp.org. Ele reúne outros desempregados, alguns com qualificações, outros não, para ajudar quem necessita. Isso não ajuda só os necessitados, ajuda também quem está fazendo algo pela comunidade. Eles sentem que contribuem em vez de se sentirem vítimas.

Jorge Pontual — Fale do modelo de notícias do The Huffington Post, e como ele se compara ao antigo modelo de notícias que tenta se adaptar à internet com muita dificuldade, estão perdendo dinheiro, não sabem fazer isso. O que você aprendeu com sua experiência?
Arianna Huffington — Bem, o The Huffington Post tem agora cinco anos e meio. Desde o começo ele era uma combinação de três coisas:notícias 24 horas por dia, todo dia, com a nossa postura própria, mas priorizando fatos, imparcialidade e precisão. A segunda coisa é o blog coletivo. Agora temos cerca de nove mil pessoas escrevendo. Começamos com 500. São políticos, atores, jornalistas…

Jorge Pontual — Qualquer um pode contribuir? 
Arianna Huffington — Lógico que não é qualquer um, nós escolhemos. 

Jorge Pontual — Certo. Mas as pessoas se oferecem…
Arianna Huffington — Isso. Exatamente. Também recrutamos pessoas, acontece das duas formas. Alguns são nomes consagrados, alguns são novos. E a terceira coisa é uma comunidade forte. 

Jorge Pontual — A quantidade de comentários é espantosa.
Arianna Huffington — Recebemos cerca de 4 milhões de comentários por mês. E são moderados previamente para a discussão ser civilizada. Não deixamos brigas tomarem conta da discussão. 

Jorge Pontual — Antes, os blogs… Tenho um blog há cinco anos. É como uma caverna em que você grita, e ninguém ouve. E você reuniu tudo isso. É uma forma de as pessoas realmente dialogarem online.

Arianna Huffington — É, e fazem a diferença. Temos 25 milhões de visitantes por mês, é realmente…

Jorge Pontual — É quase igual ao The New York Times?
Arianna Huffington — É um pouco menos, mas estamos à frente do Washington Post, do Washington Journal e do USA Today

Jorge Pontual — É incrível. É interessante você ter escrito um livro sobre acabar com o medo, que tem como alvo o público feminino, mas se aplica a qualquer um.
Arianna Huffington — Sim. 

Jorge Pontual — Fiquei muito interessado por um tema – que também é tema de outro livro – o quarto instinto, o instinto da espiritualidade. 
Arianna Huffington — Isso.

Jorge Pontual — Segundo você descreve, ele é um instinto físico. Fale sobre isso. Quando eu li, senti o corpo formigar, então deve ter algo ali…
Arianna Huffington — Obrigada. Bem, também estamos explorando isso em uma seção do site chamada Vivendo, que é sobre como criar vidas menos estressantes, mais produtivas e com mais significado, pois as pessoas estão buscando significado na vida. Isso é o que chamo de “quarto instinto”. Os três primeiros são sobrevivência, sexo e poder. O livro sobre destemor, que escrevi originalmente para as minhas duas filhas que agora estão na faculdade, é sobre como não deixar nossos medos nos atrapalharem a realizar nossos sonhos, ir em busca deles e não deixar nossas ansiedades, principalmente o medo do fracasso, atrapalhar isso.

Jorge Pontual — Como podemos transformar, como você disse, o seu medo no seu amigo. Como fazer isso?
Arianna Huffington — O que eu digo é que o destemor não é a ausência do temor. É a habilidade de continuar apesar dos nossos medos. 

Jorge Pontual — E você faz isso… Tenho dificuldade de entender como transformar meus medos em amigos. 
Arianna Huffington — O mais…

Jorge Pontual — Me ajudar através do medo. 
Arianna Huffington — O mais importante… Eu realmente preciso ir, desculpe.

Jorge Pontual — Só para…
Arianna Huffington — Certo. Essa pode ser a última pergunta? 

Jorge Pontual — Tudo bem. 
Arianna Huffington — Eu sinto muito. Estão entrando, estou vendo daqui.

Jorge Pontual — Tudo bem.
Arianna Huffington — Já são 14:20h. 

Jorge Pontual — Certo. 
Arianna Huffington — Então. Quando você fala de transformar o medo em amigo, precisamos reconhecer que o medo faz parte da vida.

Jorge Pontual — Sim, é humano. 
Arianna Huffington — Isso. E a questão é: nós vamos deixá-los nos deter ou vamos continuar apesar do medo. 

Jorge Pontual — Podemos aprender com os medos.
Arianna Huffington — Exatamente.

 Jorge Pontual — Certo. Muito obrigado.
Arianna Huffington — Muito obrigada. Eu sinto muito.

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