Direito puro

Só cabe interpelação em caso de dúvida fundada

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22 de dezembro de 2010, 8h51

Só cabe interpelação judicial com pedido de explicações quando houver dúvida fundada a respeito do acusador e da acusação. Com esse entendimento, respaldado em vasta jurisprudência, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido do médico Jacob Kligerman que queria explicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O oncologista, especializado em cabeça e pescoço, foi quem atendeu o então candidato à Presidência, José Serra, quando ele teria sido atingido por um artefato atirado por petistas, no fragor da campanha. Lula o acusou de patrocinar uma farsa. Ele, então, se disse ofendido. Pediu explicações em juízo.

O ministro Celso de Mello não afastou a hipótese da ofensa, matéria que pode ser examinada em eventual Ação Penal a ser ajuizada contra o suposto ofensor. Foram analisados, unicamente, os requisitos pertinentes à utilização do pedido de explicações em juízo, cujo fundamento legal reside no artigo 144 do Código Penal. O ministro considerou o Supremo competente para processar a interpelação criminal. Isso porque o foro para o presidente da República é o STF. Mas esclareceu que, independentemente das razões do médico e da falta de razão do presidente, não se pergunta o que já se sabe. Ou seja: se houve ofensa não admitida, o médico deveria ingressar logo com a ação principal condenatória.

Na realidade, como constou da decisão, Celso de Mello deixou claro que "onde não houver dúvida em torno do conteúdo alegadamente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses (como sucede na espécie), os pressupostos necessários à sua adequada utilização". Não cabe pedido de explicações quando não há, em relação às declarações impugnadas, "situação de necessária dubiedade, ambigüidade ou indeterminação subjetiva".

Esse é o tipo da decisão que se divulga, de forma simplista, como derrota do reclamante perante o reclamado. O entendimento mais simplista é que o presidente estava certo e o médico errado no mérito da questão. Entretanto, no plano jurídico, uma obviedade para quem frequenta o clube da comunidade jurídica, sabe-se que o objeto da decisão não é quem tem razão na briga, mas o veículo usado por quem quer chegar a um destino determinado.

Celso de Mello explica que o pedido de explicações “constitui típica providência de ordem cautelar, destinada a aparelhar ação penal principal tendente a sentença condenatória”. Logo, caberia ao advogado constituído, o célebre Marcello Cerqueira, ingressar de vez com a Ação Penal devida em vez de questionar o ato praticado.

O ministro Celso de Mello fez referência, ainda, ao fato de Lula, que ainda exerce o mandato de presidente da República, poder invocar a regra prevista no art. 86, § 4º, da Constituição, que protege o chefe de estado, com uma imunidade penal temporária, nos casos em que a suposta prática criminosa for estranha ao exercício das funções presidenciais. Quanto a esse aspecto, o ministro invocou dois importantes precedentes do Supremo, dos quais ele próprio e o ministro Sepúlveda Pertence foram relatores no início da década de 1990 (RTJ 144/136 e RTJ 146/467).

Pet 4.854-DF

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