Interpretação constitucional

Peter Haberle e a hermenêutica constitucional

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21 de dezembro de 2010, 7h00

Peter Haberle, nascido na Alemanha em 1934, sugere que a interpretação constitucional deve ser teleológica (voltada ao bem geral), procedimental (favorecendo a prática de discussão como veículo do contraditório e da ampla participação dos interessados), de forma mediadora (entre o Estado e a sociedade) e democraticamente transformadora (ampliando os espaços institucionais e o número de intérpretes).

A sua premissa é de que a atividade hermenêutica não pode ser exclusivamente estatal, sem o cidadão ativo enquanto partícipe do procedimento. Haberle (2002) sustenta que a interpretação constitucional não pode ser privilégio de uma única agência estatal ou, sequer, monopólio do Poder Público, propondo uma multiplicação de atores políticos “interpretadores”. Em seus próprios termos:

Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição (2002, p. 13).

Seu modelo teórico-constitucional postula um refino participativo-ritualístico, propiciando uma melhor mediação entre Estado e sociedade, ao retirar o monopólio dos jurisperitos e assegurar a conseguinte participação democrática de todos os cidadãos na dinâmica processual. Assim, o processo interpretativo de uma norma constitucional torna-se mecanismo de efetivação da democracia e não mero diálogo entre juristas e seus respectivos entes estatais.

Na defesa desse esquema, Haberle indica um rol de partícipes, indo além do requerente, passando pela mídia, por outros legitimados com direito de atuação na lide, demais pareceristas e os representantes de interesses em audiências públicas, evitando o tratamento do cidadão como mero objeto da interpretação e convertendo-o em sujeito ativo da práxis hermenêutica. Esse inventário não é exclusivista, devendo caminhar para um progressivo alargamento do círculo de intérpretes, com a incorporação dos demais agentes, tanto estatais como da sociedade civil, que compõem a realidade pluralista.

O Poder Público deve, para isso, propiciar processualisticamente (como aceitando amicus curiae e a ampliação legitimados) e institucionalmente (com audiências públicas, por exemplo) ambientes para a efetiva demonstração e sustentação de teses divergentes, abstendo-se e coibindo o silêncio opinativo-interpretativo ou o discurso monovalente de grupos que sejam capazes de dominar a imprensa ou de apresentar interpretações hegemônicas.

Finalmente, com essa reconfiguração jurídico-democrática, há de se considerar o encerramento também da “ideologia do monopólio estatal das fontes jurídicas”, monopólio tanto legislativo como interpretativo. Esse deverá ser permeável pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e pelo Direito Comparado (Haberle, 2007), em potencial sinérgico para uma interpretação conjunta, levando ao entrelaçamento de diversificados hermeneutas para a tutela dos direitos fundamentais.

Com esse processo democrático (inclusivo e participativo), Haberle (2002) acredita que haverá (i) o aperfeiçoamento, com diminuição de negruras e de contradições (até mesmo porque a ampla participação permitirá conhecer as perspectivas contraditórias e respondê-las de forma apropriada), incremento da consistência (no sentido de adequação e capacidade de mostrar-se apta); (ii) o enriquecimento de legitimidade da decisão da hermenêutica constitucional (soldando a “função integrativa da Constituição”, construindo o consenso e tentando dar resposta às cisões na opinião pública). Disso, dimana a conclusão de que “[d]emocracia desenvolve-se mediante a controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade, (…) não existe e nem deve existir dirigente” (2002, pp. 36-37).

Desse modo, as contribuições de Peter Haberle são provocações, podendo levar à subversão da atividade de interpretação constitucional tal como é, substituindo-a por uma forma participativa e inclusiva. Ao fim, é uma propositura de uma forma de aperfeiçoamento democrático e jurídico, colocando o cidadão como partícipe e co-autor da produção constitucional e portanto, cúmplice no trato da coisa pública.


Referências

HABERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

______. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição.Trad. Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

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