Segunda leitura

Reflexos jurídicos do uso do Viagra no Brasil

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

19 de dezembro de 2010, 10h01

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Segundo a Wikipédia, “Citrato de sildenafila é um fármaco vendido sob os nomes de Viagra (usado no tratamento da disfunção eréctil no homem – impotência sexual) e Revatio (usado no tratamento da hipertensão arterial pulmonar). Medicamento pioneiro na moderna terapêutica da disfunção eréctil masculina, foi sintetizado originalmente pelo Laboratório Farmacêutico Pfizer.”[1]

É possível afirmar que esta foi uma das maiores, senão a maior, revolução dos últimos tempos. Transpôs a barreira que separava os homens em potentes e impotentes, recuperando a autoestima e a felicidade de milhões de pessoas, os homens e suas parceiras. Os efeitos psicológicos e econômicos são incalculáveis. Como mensurar o grau de felicidade de um setentão que vê abrir-se diante de si a possibilidade de voltar às relações sexuais?

Artigos, estudos, discussões, não faltam nos sites e na mídia impressa. Apenas para que se tenha uma ideia, colocada a palavra Viagra no Google surgem nada menos do que 73,7 milhões resultados. No entanto, os reflexos jurídicos dessa silenciosa revolução são quase ignorados. Vejamos.

O primeiro reflexo, ainda pré-jurídico, mas visível na nossa rotina diária, é o do homem que tem entre 60 e 75 anos, e surge acompanhado de uma jovem que, de regra, acha-se entre os 25 e os 35. Restaurado no seu orgulho de macho, o personagem exibe a presa como um troféu. Ela, regra geral muda, porque lhe falta vocabulário, limita-se a risos e beijinhos. Em volta, todos pensam: “o que será que eles conversam?” Cá comigo, medito: a conversa, ele deixa para ter com sua irmã ou com uma velha amiga. E faz jus ao ditado: “de ilusão também se vive”.

Desta relação, o jurídico vem logo depois, no âmbito patrimonial ou de sucessões. A união estável é garantia constitucional (conforme artigo 226, parágrafo 3º da Constituição) e prevista na lei civil (artigo 1.723 do Código Civil). Como se sabe, ela existe ainda que os companheiros não vivam juntos, e pode ser invocada a partilha de bens adquiridos na sua constância (artigo 1.725 do Código Civil). Em caso de separação ou morte, a companheira pode reivindicar o seu quinhão. Evidentemente, os herdeiros naturais não ficarão muitos satisfeitos diante desta divisão, que não estava nos seus planos. Além das consequências patrimoniais, induvidosamente, tal fato, na hipótese de separação, pode ocasionar dissolução de sólidas relações de família, com reflexos psicológicos negativos.

Ainda na seara do Direito Civil, mais especificamente nas relações de família, o mal-estar pode extrapolar a mera divisão de bens. Com efeito, a união estável gera direito à pensão alimentícia (artigo 1.694 do Código Civil e Súmula 382 do STF) – para a companheira ou para um descendente, o que não é raro. Ora, um terço do que ganha um empresário bem sucedido ou um servidor público de alta hierarquia pode significar mais do que o salário de um profissional liberal.

O terceiro ─ e não menos importante ─ reflexo jurídico incide na Previdência Social. O prolongamento da potência coeundi, como diziam os velhos clássicos do Direito Civil, por vezes, significa companheira nova e filhos, e isso resulta em pensão por morte. Como observa Sandra Kiefer, “até o início da década passada (1991), o tempo médio de recebimento da pensão pela viúva era de 17 anos. Agora, saltou para 35 anos, zerando as contribuições do marido, que precisou recolher ao INSS os mesmos 35 anos para ter direito ao benefício”. Além da mãe, a criança, no caso de falecimento do pai, poderá ter uma pensão até os 24 anos de idade. E aí a Previdência Social, cujo planejamento sempre é feito pela média etária da pessoa e do cônjuge, será surpreendida por uma despesa não prevista.

Ainda na Previdência Social, surge a questão do segurado pobre ter direito ao Viagra, seja para manter a potência sexual, seja para problema de hipertensão pulmonar. Evidentemente, o fornecimento pelo SUS sobrecarrega o sistema. O impasse fica entre a garantia constitucional de proteção à saúde, à vida e à dignidade humana e a realidade do sistema, que não tem como atender a tudo e a todos, ou seja, o princípio da reserva do possível. Há precedente do TRF da 4ª Região, por 2 votos contra 1, a favor de segurado que reclamava o fornecimento do Viagra para o tratamento de hipertensão pulmonar.[2]

No Direito Penal, o Viagra vem deixando também a sua marca. É que alguns falsificam os comprimidos, vendendo-os a incautos. Ainda que se possa argumentar que o resultado será obtido pela confiança criada na mente do executor do ato sexual, indiscutivelmente estará consumado o crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal.[3] No entanto, se houver importação em grande escala, o delito será o previsto no artigo 273, cuja pena mínima é de dez anos, e a competência será da Justiça Federal.[4] Segundo Walter Maierovitch, “Falsificar Viagra rende 2 mil vezes mais que tráfico de cocaína e heroína”.[5]

Na área do Direito do Trabalho também podem surgir ações de natureza indenizatória. Com efeito, estimulado pelo desempenho sexual decorrente do Viagra, é possível que o chefe mais idoso se anime a fazer investidas contra funcionárias. Tal fato, evidentemente, pode gerar assédio moral com dever de indenizar não só do agente como do empregador.

Finalmente, o Direito Empresarial também tem um papel importante na matéria. A disputa entre os laboratórios para a elaboração do comprimido suscita disputa por interesses econômicos de vulto. A patente do Viagra foi depositada na Inglaterra, em 1990, e por isso o STJ, contrariando pretensão do Laboratório Pfizer,[6] entendeu que a patente se extinguia em junho de 2010, sendo possível a elaboração de genéricos.[7]

Aí estão os efeitos jurídicos desta revolucionária novidade na história da humanidade. O Viagra é uma grande conquista da Ciência. No entanto, seu uso deve ser feito com maturidade e atenção, com olhos abertos para os efeitos colaterais decorrentes.


[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Sildenafila

[2] TRF4a. R., AC 2005.72.05.002091, 3ª. T., j. 6.5.2008.

[3] Vide “Homem é preso por estelionato em Parnaíba”, http://maierovitch.blog.terra.com.br/2009/03/23/falsificar-viagra-rende-2-000-vezes-mais-que-trafico-de-cocaina-e-heroina/

[4] TRF 4ª. R., HC 2007.04.040900-0, http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php

[5] http://maierovitch.blog.terra.com.br/2009/03/23/falsificar-viagra-rende-2-000-vezes-mais-que-trafico-de-cocaina-e-heroina/

[6] Consta que este laboratório faturou em 2009 R$ 3,3 bilhões de reais, vide http://noticias.r7.com/saude/noticias/viagra-perde-a-patente-e-vai-ganhar-um-concorrente-generico-em-dez-dias-20100620.html

[7] STJ, http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/04/stj-derruba-patente-do-viagra.html

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