Diagnóstico e soluções

Uso instrumental da Justiça causa morosidade

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13 de dezembro de 2010, 18h05

O sistema Judiciário brasileiro oferece estímulos que favorecem o aumento das causas. A constatação é de uma equipe multidisciplinar da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que pesquisou, a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as causas da morosidade na Justiça em âmbito estadual. O estudo, que será apresentado nesta segunda-feira (13/12), também apontou que parte considerável do volume de ações é consequência do uso instrumental da Justiça e que nem sempre a falta de produtividade dos tribunais é sinônimo de falta de recursos.

A pesquisa foi coordenada pelo sociólogo Hermílio Santos, ao lado do advogado Luciano Timm, ambos professores da PUC-RS, e de uma equipe multidisciplinar composta por economistas, advogados e administradores. A universidade foi uma das selecionadas pelo CNJ, que em 2009 lançou um edital para contratar institutos interessados em fazer um diagnóstico e propor soluções para o problema da morosidade na Justiça estadual.

Segundo Santos, a equipe propôs em sua temática a análise de dois pontos principais: a oferta dos serviços Judiciários e a demanda dos tribunais. "De forma geral, os estudos sobre o Judiciário se baseiam apenas na oferta. A novidade da nossa pesquisa foi a proposta de também analisar o aumento crescente na demanda", destacou o sociólogo.

Foram entrevistados desembargadores, presidentes dos tribunais, juízes, advogados, pessoas físicas e pessoas jurídicas, além de servidores — para análise da gestão — nos estados do Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul. "Entrevistamos pessoas dos dois lados do balcão: os intermediários, os julgadores e o usuário dos serviços."

Demanda
Ao analisar a demanda, a equipe da PUC-RS quis identificar por que as pessoas recorrem à Justiça. Os resultados, segundo o professor Santos, contradizem o senso comum dos próprios operadores internos do sistema Judiciário. "A lógica é pensarmos que, se alguém busca a Justiça, é porque teve um direito ferido. Mas há outras motivações." O professor citou como exemplo os baixos custos de acesso e de risco nos estados avaliados. "Se não me custa tanto e os riscos são mínimos, então é um bom negócio apostar na Justiça."

Há também um grupo que busca ganhos na Justiça, principalmente quando se trata de causas repetitivas. O advogado cível Reynaldo Andrade da Silveira, do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff, que foi um dos entrevistados para a pesquisa, destacou a indústria do dano moral. "A Justiça enfrenta hoje milhões de processos com pedido de indenização. Mas nem sempre as pessoas tiveram esse prejuízo, elas querem apenas lucrar, na medida em que percebem que outros já lucraram em situações parecidas."

Nesses casos, uma das propostas da equipe da PUC-RS é que também haja súmulas vinculantes no STJ. "Como existe uma parcela de pessoas que recorre a Justiça na certeza de que vai ter um benefício, uma vez que tem uma causa semelhante a muitas outras, as súmulas vão acelerar o julgamento desse processo. Ainda há julgamentos individualizados de temas que são coletivos, o que contribui para a morosidade. Mas essa é uma proposta que deve ser avaliada sob muitos aspectos", destacou o sociólogo.

A pesquisa identificou ainda outro grupo que faz uso do Judiciário de forma instrumental, ou seja, não espera uma sentença, focando sua contraparte à negociação. "Vários entrevistados disseram que usam o Judiciário como forma de coagir a outra parte a fazer um acordo ou ainda para tentar obter um amparo protelatório. Ou seja, a parte sabe que não tem razão, mas usa os mecanismos amparados legalmente para que possa se blindar ou protelar ao máximo a execução de uma penalidade."

Silveira ressalta que os maiores responsáveis pelo entulhamento de processos nos tribunais são a União, os estados e os municípios. Isso porque, segundo o advogado, o próprio Estado, que deveria dar o exemplo, não cumpre o que está lei. "Em São Paulo, por exemplo, há uma série de intervenções federais pela falta de pagamento de precatórios. Ao negar um direito que está previsto no ordenamento jurídico, os órgãos federais, estaduais e municipais causam a morosidade. Essas ações sim sobrecarregam a Justiça, pois tem esse caráter protelatório ou simplesmente de imposição da vontade do Estado."

Apesar de não ter divulgado dados por estados, o professor da PUC-RS destacou que as motivações para o acesso ao sistema Judiciário é diversificada em todos os locais pesquisados. "Isso, de certa forma, traz tranquilidade, porque, com esses pressupostos gerais, poderá ser traçada uma reforma válida em todo o país."

Santos também afirmou que se a Justiça de fato pretende corrigir essas distorções com relação à lentidão do julgamento das causas, deve considerar que o uso dos seus serviços é bastante complexo e mal utilizado, tanto por parte da demanda, quanto de quem oferta esses serviços.

A pesquisa parte do pressuposto de que parte das pessoas que acionam a Justiça é composta por agentes calculadores, ou seja, pessoas que calculam as chances que terão de se beneficiar antes de recorrerem ao Judiciário. Nesse sentido, quem recorre à Justiça porque teve um direito lesado quer que sua causa seja julgada o mais rápido possível, no entanto, para quem faz uso instrumental da Justiça, ou seja, usa o Judiciário como um instrumento para um fim que não é o ganho da causa, a celeridade pode não ser interessante. "Os juízes, por exemplo, podem usar a questão da lentidão para reivindicar um incremento orçamentário ou a contratação de servidores."

Oferta
Para identificar eventuais problemas na oferta de serviços, a equipe da PUC-RS analisou a gestão das varas e gabinetes. Também foram analisados dados do CNJ, que permitiram avaliar a produtividade da Justiça estadual. Foram considerados os insumos necessários para a realização das atividades, número de juízes e desembargadores, equipamentos e quantidade de sentenças.

"Nós identificamos que os estados com mais capacidade instalada produzem menos. Isso desmistifica a ideia, propagada por algumas lideranças do Judiciário, de que é necessário mais varas e mais julgadores para dar conta da demanda. Na verdade, a capacidade está boa, o problema é a produtividade, que é reduzida", destacou o sociólogo. Em vez de contratar mais gente, por exemplo, os tribunais precisam encontrar mecanismos para tornar sua atividade mais produtiva. Uma das alternativas, segundo os pesquisadores da PUC-RS, é aplicar um sistema de trabalho uniforme nos tribunais: usar a mesma numeração em todos os estados, por exemplo.

O advogado Reynaldo Andrade da Silveira segue a mesma linha de raciocínio. Ele, que participou da pesquisa da PUC-RS, acredita que uma das principais causas da morosidade do Judiciário é a falta de preparo técnico de servidores e juízes. "O Brasil ainda não se estruturou com um Estado de Direito por uma série de dificuldades, inclusive as diferentes realidades que temos. Por isso, fundamentalmente, nosso Judiciário não tem um corpo de funcionários preparado tecnicamente para atender tanta demanda. Isso contribui para o sufoco no julgamento das causas e o resultado é o retardamento da prestação jurisdicional."

Apesar de considerar que falta muito investimento na Justiça em todos os estados, Silveira avalia que a Justiça, com a estrutura e o número de agentes que possui hoje, poderia ser muito melhor se juízes e servidores estivessem preparados. "Falta qualificação. O sistema como está atualmente exige do juiz entendimento de uma gama muito variada de assuntos, mas nem sempre ele tem especialização em todas as áreas. Também há poucos funcionários e os que estão aí não dão o devido background para o juiz, por também estarem despreparados."

Não existe uma solução mágica. Para Silveira, é preciso que haja uma mudança cultural no comportamento dos servidores que atuam na Justiça. "É preciso mais investimentos na estrutura dos tribunais, melhor remuneração, mas, antes disso, preparo e uma mudança de comportamento. O Judiciário tem de trabalhar com metas e prestar um serviço eficiente. Quem atua na Justiça tem de ter em mente que ele não é dono da Justiça, mas sim que ele presta um serviço para a sociedade. Ela tem de estar em primeiro lugar."

Apresentação
Após dez meses de trabalho, a equipe da PUC-RS entrega o relatório final da pesquisa nesta segunda-feira (13/12), em Porto Alegre. Com o estudo finalizado, o CNJ deve se encarregar de traçar as medidas necessárias para combater a morosidade na Justiça estadual.

No dia 25 de novembro, foram feitos um seminário e um workshop com a presença de advogados e desembargadores dos três estados pesquisados e do ministro do STJ Teori Zavaski. No workshop, os participantes da pesquisa tiveram a oportunidade de discutir e corrigir os dados colhidos.

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