Segurança jurídica

Leia o voto de Celso de Mello sobre precatórios

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12 de dezembro de 2010, 5h56

O parcelamento do pagamento de precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional 30/2000 configura um atentado contra a independência do Poder Judiciário e viola a coisa julgada material. Com esse entendimento, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, decidiu o julgamento conjunto das medidas cautelares em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pediam a suspensão do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), introduzido no texto original pela EC 30/2000. O dispositivo permitia o pagamento de precatórios pendentes na data da promulgação da emenda, de forma parcelada, em até dez anos.

Celso de Mello seguiu os fundamentos do voto do relator do caso, ministro Neri da Silveira, já aposentado. “Em situação como essa, a alteração do sistema da Constituição, em ordem a que a Fazenda Pública devedora possa pagar esses ‘precatórios pendentes’, em ‘prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos’, fere não só o direito adquirido, resultante da norma constitucional do artigo 100 e § 1º, na redação original, do beneficiário do precatório, como desrespeita, imediatamente, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, destacou o decano, citando o voto do relator.

De acordo com o artigo 100, parágrafo 1º da Constituição Federal, os precatórios devem ser pagos até o exercício seguinte ao de sua apresentação até 1º de julho. Para o ministro, essa situação jurídica está definida, por força da Carta Magna, com inequívoco benefício ao titular do direito ao pagamento pela Fazenda Pública, por força de decisão judicial transitada em julgado.

No entanto, o artigo 78 do ADCT estabeleceu que “os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda (…) serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos”.

Dessa forma, segundo Celso de Mello, o dispositivo viola a coisa julgada material, ferindo a separação de poderes e a exigência de segurança jurídica. “Se é verdade que a regra em questão, relativa aos precatórios pendentes, não invalida a res judicata, não é menos exato, porém, que a cláusula ora questionada compromete a própria decisão que, subjacente à expedição do precatório pendente, acha-se amparada, quanto à qualidade de seus efeitos, pela autoridade da coisa julgada, o que vulneraria o postulado da separação de poderes, além de afetar um valor essencial ao Estado democrático de direito, que é a exigência de segurança jurídica”.

Limites do Congresso Nacional
O decano destacou ainda que o Congresso Nacional, ao impor o parcelamento dos precatórios pendentes na data da promulgação da EC, cometeu “múltiplas transgressões à Constituição”, desrespeitando a integridade de situações jurídicas definitivamente consolidadas, prejudicando, assim, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, além de haver violado o princípio da separação de poderes e ofendido o postulado da segurança jurídica.

“Se é certo que o Congresso Nacional pode muito, não é menos exato que, em tema de reforma constitucional, ele não pode tudo, notadamente porque o poder de reforma constitucional, considerado o caráter juridicamente limitado que o qualifica, sofre as restrições impostas pela Assembleia Nacional Constituinte, como aquelas que tipificam as limitações materiais explícitas ao exercício da extraordinária prerrogativa institucional de emendar o texto de nossa Lei Fundamental”.

Dessa forma, segundo o ministro, o Congresso exerce atividade constituinte secundária, limitada e juridicamente subordinada a padrões normativos, que tem por objetivo tornar intangíveis decisões políticas fundamentais consagradas pelo legislador constituinte primário. “O poder de reformar a Constituição, portanto, não confere, ao Congresso Nacional, atribuições ilimitadas e, muito menos, não lhe outorga o poder de destruir a ordem normativa positivada no texto da Lei Fundamental do Estado.”

Reforma constitucional
Em seu voto, o ministro Celso de Mello elencou as limitações às quais está subordinada a reforma constitucional, com base no artigo 60, parágrafos 1º, 2º e 4º, da Constituição. São elas: “(a) limitações de ordem formal (restrições que incidem na esfera procedimental: (1) exigência de discussão e votação, em cada Casa Legislativa, em dois turnos e (2) aprovação, em cada turno, por 3/5 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; (b) limitações de ordem circunstancial (impossibilidade de emenda na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio) e (c) limitações de ordem material (intangibilidade das matérias que se acham pré-excluídas do poder geral de reforma, porque protegidas, em função de sua natureza mesma, pelas denominadas cláusulas pétreas)”.

O caso
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), contra o artigo 2º da EC 30/2000, que introduziu o artigo 78 e seus parágrafos do ADCT. No início do julgamento, em fevereiro de 2002, o relator das duas ações, ministro Neri da Silveira, votou pela concessão das liminares. Na ocasião, a ministra Ellen Gracie pediu vista dos autos.

Até a continuidade do julgamento, finalizado no dia 25 de novembro, acompanharam o relator os ministros Ayres Britto, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Cezar Peluso. Divergiram do relator os ministros Eros Grau (aposentado), Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie. Gilmar Mendes, que sucedeu Nery da Silveira, não votou.

Com o empate na votação, em fevereiro deste ano, os ministros decidiram aguardar o voto do decano, que na ocasião estava de licença médica. Cesar de Mello votou no sentido de suspender a expressão constante no artigo 78 – “os precatórios pendentes na data da promulgação desta emenda” –, formando a maioria pelo deferimento das cautelares.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello

ADI 2.356
ADI 2.362

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