Lei casuística

Leia o voto de Gilmar Mendes sobre Ficha Limpa

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11 de dezembro de 2010, 7h05

Lei que adota critérios existentes no passado para aplicar sanções futuras é inconstitucional. Ao apresentar seu voto no julgamento do recurso apresentado pelo ex-deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), que teve seu registro de candidatura ao Senado cassado pela Lei da Ficha Limpa, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes considerou que o dispositivo não pode retroagir para prejudicar um candidato. Ele também classificou a lei como “casuística, reprovável e hedionda”.

Gilmar Mendes se referiu a alínea k da Ficha Limpa, que torna inelegível o político que renuncia evitando sua cassação. Em seu voto, o ministro afirma que o dispositivo foi incluído pelo PT para “resolver a eleição no Distrito Federal”. No Distrito Federal, o principal adversário do candidato petista ao governo distrital foi Joaquim Roriz (PSC), que em 2007 renunciou ao mandato de senador para evitar uma possível cassação.

Durante o julgamento, no dia 27 de outubro, o ministro defendeu a aplicação do artigo 16 da Constituição Federal, que fixa o princípio da anterioridade nas eleições ao afirmar que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O mesmo entendimento já havia sido pronunciado por Gilmar Mendes no julgamento do recurso de Roriz, em 23 de setembro.

Nos dois julgamentos, o ministro questionou a retroatividade da lei. “São tantos os magistérios a propósito dessa questão que ela é, de fato, pacífica entre nós. O artigo 16, nesse sentido, é uma norma especial de reforço, tendo em vista a nossa experiência constitucional, a experiência do nosso constitucionalismo em relação aos abusos tradicionais. Há tentação majoritária de interferir no processo eleitoral. Por isso, o artigo 16 como norma especial neste quadro magno de segurança jurídica”.

No caso de Jader Barbalho, o ministro destacou outra peculiaridade: o político renunciou ao cargo de senador em 2001. Porém, nas duas eleições seguintes, foi eleito deputado federal. “Agora se decide que o então candidato não é elegível, porque uma lei aprovada em junho busca um fato ocorrido em 2001 – nove anos passados – para lhe atribuir efeitos jurídicos. Essa é a descrição crassa, pura, grotesca, grosseira dos fatos. E, aí, se diz: ‘Não, mas não se trata de eficácia retroativa; é apenas uma ‘disciplina’ para as próximas eleições’”, destacou Gilmar Mendes, que considerou o caso de “inequívoca retroatividade”.

Nesse ponto, o ministro afirmou que a Ficha Limpa é um convite a irresponsabilidade do legislador para a manipulação das eleições. “No caso do Distrito Federal, é evidente. Falou-se muito em emenda ou projeto de iniciativa popular, mas o que se tinha em mente era atingir um dado candidato”. Para o ministro, aproveitou-se a carona de um projeto de lei de iniciativa popular para se fazer uma emenda parlamentar vinculada ao PT, com o interesse determinado em obter a exclusão de um candidato. “Lei, portanto, de caráter inequivocamente casuístico”.

A ordem constitucional de que se deve considerar a vida pregressa do candidato para fixar critérios de inelegibilidade, segundo Gilmar Mendes, “não é um cheque em branco para pegar coisas do passado, porque isso leva a coisas absurdas, horripilantes, constrangedoras. O legislador poderia pegar uma renúncia ocorrida há 50 anos. Esse tipo de mensagem começa a namorar regimes totalitários, nazifascistas”.

O ministro afirmou, ainda, que as cortes constitucionais e as cortes de Justiça existem para controlar o que a maioria, num desatino, faz; e não para aplicar cegamente a lei casuística para "ganhar eleição no tapetão". "Não se trata, portanto, de ser a favor ou não da lei da ficha limpa; trata-se apenas de buscar uma aplicação adequada e de fazer as correções devidas".

O caso
Assim como no julgamento do recurso de Roriz, o de Jader Barbalho também terminou empatado. Metade dos ministros – Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie – entendeu que cabe retroatividade da lei porque o critério de inelegibilidade não é sanção. Já a outra metade – Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso – considerou que, se a inelegibilidade decorre da prática de um ilícito eleitoral, ela revela caráter de pena porque é imposta em razão da prática do ilícito. Logo, não poderia haver a retroatividade para prejudicar o candidato.

Ao final, prevaleceu a tese do desempate em favor da decisão do Tribunal Superior Eleitoral – de que a Lei da Ficha Limpa vale para as eleições de 2010, rejeitando assim a candidatura de Jader Barbalho.

Após o julgamento, Jader Barbalho renunciou ao mandato de deputado federal no dia 30 de novembro, que terminaria em 2 de fevereiro. O parlamentar afirmou que está em “dupla condição” eleitoral, por ter sido considerado elegível para exercer o mandato de deputado federal e inelegível para o cargo de senador.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes.

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