Cadeira da magistratura

AMB quer que juiz de carreira ocupe vaga no STF

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8 de dezembro de 2010, 16h21

"Em meio aos 15 mil magistrados que existem no Brasil, não é possível que um não possa ser o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal." A consideração foi feita por Nelson Calandra, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e recém-eleito presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Em artigo intitulado Por um juiz de carreira para o STF, publicado nesta quarta-feira (8/12) no jornal Folha de S.Paulo, ele pede ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicação do 11º ministro do Supremo para a vaga de Eros Grau. E que este seja um juiz de carreira.

Ao longo do texto, Calandra expõe motivos pelos quais juízes concursados poderiam chegar à Corte Superior do país. Falando em nome de toda classe, o desembargador declarou: "Nós — e, quando digo nós, tenho certeza de estar falando por todos os magistrados do Brasil — gostaríamos de ser valorizados e de poder mostrar à Vossa Excelência em particular e ao país de maneira geral que somos capazes de integrar o STF".

Basta uma rápida olhada para a composição atual da Corte Superior para se chegar a uma conclusão: a maior parte dos membros é oriunda da advocacia e do Ministério Público. É o caso de Celso de Mello e de Gilmar Mendes, que passaram tanto pela Advocacia-Geral da União quanto pelo MP. Daquela veio também Dias Toffoli, que sempre atuou como advogado. Da advocacia chegaram os nomes de Ayres Britto, de Ricardo Lewandowski e de Cármem Lúcia. Do MP, Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. A magistratura possui apenas um representante: o atual presidente da Corte, ministro Cezar Peluso.

Na tendência de indicação de nomes ligados à AGU, cogita-se que o próximo nome para ocupar a vaga deixada por Eros Grau seja o do advogado-geral da União Luís Inácio Adams. Nada é certo.

Dada essa diversidade, o ministro Marco Aurélio Mello acredita que o STF é um somatório de forças distintas. Segundo ele, "a magistratura é o celeiro da Corte". Porém, ele lembra que outros grandes nomes poderiam vir a ocupar a 11ª cadeira. "Nós temos a academia, com grandes professores do Direito, temos os tribunais superiores, temos o MP. Essa diversidade é salutar para o tribunal", expõe. Há um porém: ele acredita que muitos magistrados de carreira não possuem a mobilidade política para conseguir a indicação que representantes de outros setores têm.

Por outro lado, o juiz Ricardo Castro Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, ressalta uma série de qualidades que o juiz possui: capacidade de julgar processos com mais rapidez, conhecimento de causa do Judiciário e conhecimento técnico mais apurado estariam entre os predicados.

"Nem todo brilhante advogado da União, ou membro do Ministério Público pode ser um grande magistrado. Já o juiz foi testado ao longe de toda sua vida profissional e possui experiência na área. Precisamos valorizar a magistratura, principalmente a de primeira instância." É preciso, antes de tudo, que o novo ministro esteja em sintonia com a sociedade, diz o juiz. "O novo ministro deve votar temas importantes, como a união homoafetiva, o uso das células-tronco e a Lei da Ficha Limpa. Nem tudo isso a gente aprende nos livros. Por isso, é preciso levar em conta a sociedade", conta.

O desembargador Antonio Cesar Siqueira, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, acredita que o STF carece de representantes da classe. "A Corte precisa um ministro que seja juiz. Hoje, a magistratura na Corte é minoria, só temos o Peluso. Algo precisa ser mudado."  Para ele, o tempo que os juízes passam debruçados sobre os processos e a falta de contato com partidos políticos dificultam a chegada ao posto.

Calandra, em seu artigo, assegurou que "não há um cidadão brasileiro que conheça tanto as agruras do Brasil quanto o juiz de Direito. São magistrados que, a despeito das imensas dificuldades estruturais, conseguem atender aos reclamos de uma população que aprendeu a exercitar seus direitos e, por isso, não se intimida em recorrer ao Judiciário". Segundo ele, caso Lula indique um juiz de carreira para a posição, "teremos um Judiciário muito mais próximo do povo e, por isso, ainda mais justo".

Não é o que acredita o advogado e professor universitário Walter Ceneviva. Autor da coluna "Letras Jurídicas", também na Folha, ele escreveu, no último sábado (4/12), que a chegada de Calandra à presidência da AMB representa a volta dos olhos da classe para o exercício da profissão, "ante a verificação de que o povo brasileiro já não vê a magistratura com bons olhos".

Ceneviva, em entrevista à ConJur, disse não acreditar que a nomeação de um do 11º ministro vindo da magistratura possa significar maior proximidade com o povo. "Para aproximar o Judiciário das pessoas, é preciso que aconteça o contrário do que acontece agora. Cada vez mais, conforme o juiz sobe os degraus da carreira, ele se distancia da população. Sua convivência fica restrita", explica.

Para ele, o processo de escolha de novos ministros encontra problemas no momento da sabatina, quando o Senado encara o ato como "uma conversa entre amigos" — o que acaba por comprometer a seriedade da escolha. "O que marca a qualidade do STF não é a escolha de um membro de uma classe específica, mas sim que o membro tenha apreendido o sentido do que é a sociedade brasileira", opina. "O caminho para a realização plena da Justiça se faz também pela sensibilidade."

Para o promotor André Luís Alves Melo, do Ministério Público de Minas Gerais, transformar o Supremo em um tribunal de carreira seja nomeando membros do MP, Judiciário ou da advocacia é uma questão que apenas cobre interesses corporativos. Ele também acredita que a forma de escolha dos ministros deveria mudar. "Qualquer interessado em concorrer ao cargo deveria ter o direito de se inscrever. A Constituição Federal não diz que é atribuição do presidente da República indicar, mas apenas nomear após a aprovação pelo Senado", explica. A previsão é encontrada no artigo 101 da CF, segundo o qual os ministros do STF, escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 75 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Atualmente, é o presidente da República em gestão que indica o novo ministro do Supremo, à semelhança do que ocorre com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Feita a indicação, o nome segue para o Senado Federal, onde o candidato será sabatinado. A vaga, que está ociosa desde agosto, quando o ministro Eros Grau se aposentou oficialmente, levou a Corte ao embate sobre a aplicação ou não da Lei da Ficha Limpa ainda para as eleições deste ano. O impasse se refletiu no julgamento dos processos que envolviam as cassações das candidaturas de Joaquim Roriz (PSC) ao governo de Brasília e também de Jader Barbalho (PMDB) ao Senado pelo Pará.

O promotor André Melo defende outra mudança para o Supremo: o aumento do número de ministros para 35, com base no aumento da população brasileira. "Além disso, é importante criar mandatos e regulamentar a forma de se inscrever para concorrer ao cargo."

Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, Claudio Pacheco Prates Lamachia, chama a atenção para a existência de figuras da advocacia que "desempenhariam muito bem o papel de ministro do STF". No entanto, ele é enfático: "A indicação não deve ser exclusiva de apenas uma carreira jurídica, assim como não é estritamente necessário que ela seja baseada na escolha por um juiz de carreira".

[Texto modificado em 9/12/2010 para correção de informação]

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