Debate no Congresso

Miro Teixeira apresenta alternativa a novo CPP

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8 de dezembro de 2010, 17h23

No mesmo dia em que o Senado aprovou o PLS 156, da relatoria do senador Renato Casagrande (PSB-ES), o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) apresentou na Câmara dos Deputados, na terça-feira (7/12), uma nova proposta para a alteração do Código de Processo Penal. Formulado pela Comissão de Direito Penal, do Instituto dos Advogados Brasileiros, o novo projeto se baseou no PLS, que tem sido criticado por especialistas da área.

O CPP data de 1941 e já sofreu inúmeras alterações. Para a comissão que elaborou esse novo projeto, não há dúvidas de que é necessário reformá-lo. A ideia é eliminar formalismos “inúteis”, abandonar o sistema inquisitivo e adaptar o Código à Constituição de 1988.

Criticado por juízes, a comissão de Direito Penal também repudiou a intenção de criar um juiz de garantias, que controlaria a legalidade da investigação. A ideia do PLS foi separar o juiz que analisa os pedidos para a obtenção de provas, como interceptação telefônica ou quebra do sigilo bancário, do juiz que vai julgar e analisar as provas colhidas.

“Embora fundado no justo e louvável propósito de separar o ‘juiz que investiga’ do juiz que efetivamente julga a causa, o legislador acaba por afirmar a existência do ‘juiz que investiga’, conferindo-lhe um reconhecimento estranho à magistratura”, diz a justificativa do novo projeto, apresentado por Teixeira. “A própria denominação ‘juiz das garantias’ constitui um pleonasmo assustador, de vez que nenhum juiz pode ser juiz sem compromisso com tais garantias”, completa.

A comissão também entende ser necessário que o CPP vede expressamente a possibilidade de a investigação criminal ser conduzida pelo Ministério Público. “Este órgão, na relação processual penal, é parte e não ‘fiscal da lei’, e certamente estará tão empenhado em fazer valer a sua pretensão punitiva quanto o advogado do réu contra ela resistir”, diz o grupo.

Por outro lado, a nova proposta também quer que fique claro no CPP sobre a garantia de acesso às provas pelo investigado e seu defensor. A única exceção, diz o texto, refere-se às medidas cautelares em andamento e que, caso seja disponibilizada, pode perder a eficácia.

A possibilidade de o acusado ser interrogado sem a presença do advogado também é repudiada pelo novo projeto, mesmo no caso de o acusado ser preso em flagrante. “É que a manifestação de vontade do preso em flagrante jamais será livre. Sempre restará comprometida, em seu prejuízo, pelo próprio caráter hostil que naturalmente cerca o ambiente de uma prisão em flagrante, quando não pelo efetivo emprego de práticas de intimidação que, lamentável e notoriamente, ainda fazem parte da cultura policial no Brasil”, justifica o texto. A comissão do IAB também sugeriu que o acusado possa se consultar com seu advogado durante o interrogatório.

Também relacionado ao interrogatório, o texto quer vedar o registro em ata de todas as perguntas feitas pela Polícia a acusado em que este decida permanecer em silêncio. A comissão classifica a prática de ilegal. “Vem se tornando praxe que as autoridades policiais consignem em ata todas as perguntas que elaborou, bem como que a cada uma delas teria o interrogando respondido que desejava permanecer em silêncio.”

Outro ponto de crítica é o dever da Polícia de comunicar a vítima sobre a prisão ou a soltura do investigado ou a conclusão do inquérito. “A despeito da importância social da medida, demandaria um controle espartano dos expedientes investigatórios, associado a um trabalho de comunicação eficiente, circunstâncias não muito presentes nas delegacias de nosso país, cujos aparatos administrativos não suportam tamanha proeza cívica”, diz o texto. Ainda em relação à vítima, o novo projeto propõe que ela possa recorrer de decisão que vede a sua participação no processo, no pólo passivo.

O texto também trata do contraditório quando há uma nova classificação do crime pelo juiz. “Dizer que o réu se defende apenas de fatos é equivocado, pois a defesa técnica abarca também questões de direito que podem não ter sido aventadas pela defesa pelo fato de o tipo penal em discussão no processo ser outro. Especialmente, se a desclassificação operada pelo juiz importar em piora da situação penal do réu, é importante que o mesmo abra contraditório para permitir que as partes e especialmente a defesa alegue o que entender relevante considerando a nova classificação típica indicada pelo juiz”, justifica.

Também relacionado à desclassificação, o texto sugere uma regra que permita ao juiz mudá-la ou sugerir sua mudança no início do processo. “Não há lógica em o juiz aguardar até o momento da prolação da sentença para alterar a classificação típica contida na denúncia, se o juiz já diverge, no primeiro exame, da classificação feita pelo Ministério Público.”

A nova proposta também proíbe o juiz de condenar o réu se o MP pediu a absolvição. A exceção é se houver pedido de condenação, nas alegações finais, pelo assistente de acusação.

Outro ponto é o mandado de prisão ser acompanhando de cópia integral da decisão que decretou a prisão. “Esta inclusão justifica-se na medida em que os mandados de prisão não ostentam informações suficientes sobre os motivos e fatos que ensejaram a grave medida. Muitas pessoas, em regra os mais humildes, ficam detidos sem o conhecimento certo das razões que os levaram ao cárcere. Por outro lado, os familiares enfrentam enormes obstáculos para identificar com exatidão os motivos da prisão e tomarem as medidas cabíveis.”

Interceptação telefônica
Em relação às interceptações telefônicas, o texto também propõe mudanças. A comissão que elaborou o novo projeto entende que, caso o pedido de interceptação seja verbal, ele seja reduzido a termo, de modo que as partes saibam as razões e o fundamento do pedido. “Não é admissível que o requerimento verbal não seja registrado para futura e oportuna avaliação das partes”, justifica.

Também prevê um prazo para as gravações, outro ponto controverso. Segundo o novo texto, a duração deve ser de 30 dias, prorrogáveis uma única vez por mais 30. “Faz-se aqui inevitável paralelo com a regra de quebra de sigilo prevista no estado de sítio”, diz a proposta. Segundo o PLS, o prazo é de 60 dias, prorrogáveis até 180. Atualmente, as interceptações têm durado, em alguns casos, anos.

Outra crítica é o modo como essas conversas gravadas têm sido interpretadas. “É objeto de preocupação da Comissão os constantes relatórios e comentários/interpretações de diálogos que vêm sendo produzidos pela autoridade policial que preside o inquérito. Abstendo-se reduzir sua atividade a transcrever todos os diálogos capturados, a autoridade policial tem se esmerado em pinçar frases e a respeito delas aduzir suas apreciações e interpretações pessoais, muitas vezes com enorme capacidade criativa”, diz a justificativa do projeto.

O texto também deixa claro que não é possível aproveitar a prova para fins distintos do fato delituoso para o qual a interceptação foi concedida. “Entende a Comissão que o material produzido e que não diga respeito exclusivamente ao fato para o qual a medida foi decretada constitui prova ilicitamente obtida.”

Videoconferência
O novo projeto também é contra a videoconferência para interrogar o réu, a não ser que seja para a conveniência dele. “Não é lícito nem razoável privar o réu, por mais grave que seja o fato objeto da imputação, da chance de se manifestar pessoalmente perante o magistrado, na única oportunidade que terá para fazê-lo, em seu interrogatório, nem tampouco de participar in loco das demais audiências do processo, nas quais serão produzidas as provas que selarão o seu destino”, diz o texto.

O projeto oferece como alternativa “satisfatória e bastante simples” que o juiz se desloque ao estabelecimento prisional realize o ato processual. “Não pode o Estado, em clara inversão de valores, se valer de um discurso calcado na sua própria incompetência como justificativa para um fim contrário ao espírito da Constituição Federal – o afastamento do réu do local onde ocorrerá a instrução do processo”, diz o texto.

Já em relação ao interrogatório por videoconferência para “impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima”, a comissão é favorável à proposta.

O Anteprojeto
O PLS 156 surgiu de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas, que o incluía juízes, promotores, policiais e advogados. Presidida pelo ministro Hamilton Carvalhido, do Superior Tribunal de Justiça, a comissão elaborou um texto que visava substituir o atual Código de Processo Penal. O objetivo era dar mais celeridade aos processos, além de modernizar a legislação. 

Apresentado em maio de 2009 à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o anteprojeto passou a ser alvo de críticas. Dentro da própria comissão havia divergências a respeito das mudanças. A figura do juiz de garantias, mantida no texto aprovado pelo Senado, tem sido criticada por juízes e promotores.

Clique aqui para ler a nova proposta.

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