Preços públicos

PL sobre a não incidência do ISS é inconstitucional

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7 de dezembro de 2010, 10h47

Em 6 de outubro do corrente ano, um interessante Projeto de Lei 249/2010 foi apresentado pelo Senador Neuto de Conto, trazendo a proposta de não incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) nos serviços públicos, cartorários e notariais.

Antes de falarmos sobre o projeto citado, é muito importante revermos alguns conceitos básicos desse imposto.

O ISS é de competência municipal e o fato gerador é a prestação de serviço de qualquer natureza, desde que tal serviço esteja discriminado em legislação complementar, como é o caso do serviço de registro público, cartorário e notarial, contido no item 21.01 da Lei Complementar 116/03, que citamos abaixo:

“21. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

21.01. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.”

Nesse projeto, o Senador propõe a exclusão desse item e a modificação do artigo 2º da Lei supracitada, por meio do acréscimo do inciso IV, com a não- incidência do imposto. Segue a redação do Projeto de Lei:

“Art. 2º – O imposto não incide sobre:

(…)

IV – os serviços notariais e de registros, exercidos em caráter privado, por delegação do poder público.”

Esse projeto foi justificado de acordo com o entendimento do senador, segundo o qual “os serviços notariais e de registro, destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, são eminentemente públicos, prestados mediante pagamento de tributo. A atividade não se confunde com a privada, que tem finalidade meramente econômica, não sendo exercida em nome próprio, mas em nome do Estado delegante.” (grifo nosso)

Entendemos que tal justificação é um paliativo para solucionar um assunto de imunidade tributária que fora discutido através da ADIN nº 3089, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores (ANOREG) em 2007, já julgada e rejeitada pelo STF.

Nessa ADIN, dos onze votos, apenas o ministro Carlos Britto foi a favor da inconstitucionalidade. Os demais ministros, dentre eles Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, entenderam que “o serviço notarial e de registro é uma atividade estatal delegada, porém, enquanto atividade privada é um serviço sobre o qual nada impede a incidência do ISS”, e, ainda, que se trata de “cobrança do ISS sobre uma atividade explorada economicamente por particular”.

Ora, a Constituição Federal, em seu artigo 236, dispõe que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.”.

Delegação, do latim, delegátio, significa: substituição.

Se não fosse delegado tal serviço, o próprio ente público teria que prestá-lo mediante taxa.

Se há substituição em seus deveres, também há em seus direitos.

Na alínea “a” do inciso IV do artigo 150 da Constituição Federal, temos que há vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em instituir imposto sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, dispositivo este que, ao nosso ver, ratifica a imunidade quanto à cobrança do ISS na prestação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, posto que estes são feitos em nome do Poder Público e delegados por ele.

Como cita a doutrinadora Ana Cristia Othon de Oliveira Villaça, no artigo Serviços Notariais e de Registro Público e a Incidência do ISS, publicado na RDDT nº 119/9, de agosto de 2005, a cobrança desse serviço traz flagrante violação aos artigos 150, VI, “a” e 145, II, § 2º da Carta Magna, posto sua natureza de serviço público frente aos critérios orgânicos, formais e materiais.

Por mais que possamos entender que tais “preços públicos” – definição nossa – tidos como emolumentos e custas, retidos no caixa pelos notários e registradores, ingressam (ou deveriam ingressar), orçamentária e financeiramente, na contabilidade pública do Estado-membro (arts. 56 e 57 da Lei 4.320/64), ainda que o repasse para os notários seja, no caso da retenção, meramente contábil, representa, ao nosso ver, simples atividade-meio, a qual não deveria, reiteramos, ser tributada.

Por não caber mais contestação à decisão do STF quanto a essa ADIN, a ideia do senador nos parece válida e, infelizmente, paliativa, pois entendemos que, de fato, há inconstitucionalidade por ferir a imunidade tributária, garantia constitucional, portanto, nesse item, permanecemos com o voto do ilustre ministro Carlos Britto.

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