Injúria e difamação

STJ recebe queixa-crime contra Janice Ascari

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2 de dezembro de 2010, 16h43

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça recebeu queixa-crime contra a procuradora regional da República em São Paulo, Janice Agostinho Ascari, por seis votos e cinco, nesta quarta-feira (1º/12). Ela é acusada pelo juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, pelos crimes de calúnia, difamação e injúria. O relator da Ação Penal é o ministro Francisco Falcão.

O juiz Ali Mazloum preside ação na qual é apurado vazamento de informações em processo que tramita na 6ª Vara Federal Criminal, envolvendo fatos da Operação Satiagraha. Em uma decisão desfavorável ao delegado Protógenes Queiróz, responsável pela operação e réu no processo, o juiz determinou a extração de cópia dos autos para instauração de inquérito policial com a finalidade de apurar a ligação entre o delegado e empresas interessadas no seu andamento.

Tal decisão suscitou debates nos meios de comunicação, sendo que no dia 30 de maio de 2009, o jornalista Luiz Nassif, em seu blog, publico texto intitulado "Satiagraha e a falsificação dos fatos", onde discorreu sobre a decisão, em especial sobre a possibilidade de o juiz Ali Mazloum ter sido induzido ao erro. Após o jornalista ter abordado a questão, diversos leitores do blog expressaram, por escrito, suas opiniões, dentre eles, a procuradora.

Na queixa-crime, o juiz federal defende que a procuradora Janice Ascari ofendeu sua dignidade de magistrado e honra de cidadão. Segundo Mazloum, o crime de calúnia estaria configurado quando Janice atribui a ele exorbitância das suas funções, acusando o de abuso de poder e, ainda, do crime de prevaricação, que emanou da afirmação de que promovia linhas de investigação "pró-Dantas" e, por fim, o crime de violação de sigilo funcional.

Ainda, segundo Mazloum, o crime de difamação teria ocorrido quando a procuradora cogita a existência de um esquema para blindar e apartar os verdadeiros criminosos e denegrir a imagem dos investigadores, o que, de acordo com a acusação, teria levado os leitores do texto a concluir que o juiz faria parte de tal esquema.

Finalmente, o juiz Mazloum afirma que o crime de injúria decorreria das mesmas afirmações, que seriam também injuriosas, ao atacar a sua honra subjetiva. Em caso de condenação, Janice Ascari poderá perder o cargo.

Comentários
Durante o julgamento, nesta quarta-feira, os ministros do STJ destacaram alguns comentários feitos pela procuradora em entrevistas e sites na internet. Sobre a indicação do ministro Dias Toffli para o Supremo Tribunal Federal, a procuradora falou durante entrevista para o Terra Magazine, no dia 17 de setembro de 2009: "Foi uma indicação política e nessa qualidade, é uma indicação política vergonhosa".

Em crítica ao Supremo Tribunal Federal, durante um seminário promovido pela Controladoria-Geral da União na USP em dezembro de 2009, a procuradora declarou que "temos a Suprema Corte mais leniente e complacente do mundo com a bandidagem". 

Em relação ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, Janice disse: "O ministro Gilmar Mendes fala muita bobagem sobre polícia e Ministério Público (…) A leniência da Justiça dá uma sensação decepcionante para nós”. O comentário foi feito no dia 20 de junho de 2009 em entrevista publicada na Tribuna de Minas e reproduzida no blog de Protógenes Queiroz.

E em outra crítica feito no blos de Luis Nassif, dessa vez ao Superior Tribunal de Justiça, Janice afirmou, em entrevista que "as decisões dos tribunais superiores (incluindo este E. Tribunal – STJ) em matéria criminal estão inviabilizando cada vez mais a punição dos criminosos. Repito aqui o que venho dizendo há tempos: a principal causa da impunidade é a leniência dos tribunais, o que favorece, especialmente, criminosos do colarinho branco".

Por fim, os ministros da Corte Especial citaram o comentário feito pela procuradora regional da República contra o juiz federal Ali Mazloum: "Vamos colocar as coisas no lugar. O inquérito que resultou na denúncia contra o delegado Protógenes e outro policial foi instaurado para apurar o vazamento de informações da Operação Satiagraha. Nesse inquérito, como prova da desmoralização da Justiça brasileira, houve o vazamento do vazamento. Demarco não é parte no processo. Não é suspeito ou sequer apontado de ter envolvimento no delito que deveria ser o objeto da apuração: o vazamento de informações da Satiagraha. Mas o juiz, exorbitando de suas funções, abre uma linha paralela de investigação pró-Dantas, sob o argumento de "interesses comerciais" —  esse, nem o experiente Delegado Amaro vislumbrou… Curioso observar que mesmo Demarco não sendo suspeito ou investigado, o juiz franqueou, a ele e a seis advogados, acesso a todos os dados do processo, incluindo os dados das ligações telefônicas dos policiais investigados. No Código Penal isso está lá no artigo 325: é mais uma violação de sigilo perpetrada pelo juiz no mesmo processo. Mais curioso é constatar, a cada dia que passa o esquema de blindar e apartar os verdadeiros criminosos e denegrir a imagem dos investigadores. Por onde anda Daniel Dantas? Do que mesmo ele é acusado, sr. juiz? Ainda exorbitando, o juiz oficiou às Corregedorias do MP e da Justiça para abrir investigações disciplinares contra juiz e procurador, só porque havia telefonemas do Delegado Protógenes para o Procurador De Grandis e o Juiz De Sanctis, como se isso fosse irregular ou criminoso. Como bem disse De Grandis, suspeito seria se houvesse ligações deles para os investigados."

O juiz Ali Mazloum, na decisão questionada pela procuradora, citava mais de uma centena de telefonemas do empresário Luís Roberto Demarco Almeida para o então delegado Protógenes Queiroz e para procuradores da República. Atualmente, tramita na 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo um inquérito policial para apurar os telefonemas feitos pelo empresário.

Votos
O relator, ministro Francisco Falcão, votou pela rejeição da queixa-crime. Segundo o ministro, não é crível que um juiz federal possa se sentir de fato injuriado, ofendido na sua honra pessoal, quando alguém, ainda que de maneira pouco cortês, tece comentários sobre a sua atuação jurisdicional.

"A ofensa à honra subjetiva não se confunde com o inconformismo ou a insatisfação acerca de uma opinião exteriorizada por outrem, mas sim o âmago da alma, a quebra na crença do respeito que o indivíduo nutre por si próprio. Definitivamente, entendo não ter sido essa a hipótese dos autos", afirmou. Os ministros Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Laurita Vaz e Castro Meira acompanharam o relator.

O ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir, destacando que a descrição dos fatos, na peça acusatória, permite receber a queixa-crime. Ainda para o ministro, o exercício da crítica exorbitou a normalidade. Os ministros Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Napoleão Maia Filho, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo Filho também divergiram. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Apn 613

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