Reposição de perdas

Revisão de subsídios da magistratura não é gatilho

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31 de agosto de 2010, 6h05

Recentemente, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Filho, declarou que o Projeto de Lei 7.749/2010, que prevê a reposição inflacionária dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), seria um precedente perigoso e que os juízes federais não teriam direito à isonomia constitucional com o Ministério Público Federal, como decidido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para completar, disse que o Poder Judiciário brasileiro apresenta características de Judiciário de terceiro mundo.

Estranha-me ver que o representante da advocacia privada desconhece o texto constitucional, pois o PL 7.749/2010 simplesmente dá cumprimento ao previsto no artigo 48, inciso XV, da Constituição Federal, que determina a reposição anual da inflação sobre os subsídios dos ministros do STF.

O pedido de reajuste não é “gatilho salarial”, nem tampouco pretende burlar o processo legislativo. É medida legal e constitucional, que repõe as perdas inflacionárias, acumuladas, no caso do Judiciário Federal, há mais de cinco anos, e que delimita o teto remuneratório do funcionalismo público, que tem como parâmetro moralizador a remuneração do ministro do STF (art. 37, inciso XI, CF). Aliás, o PL 7.749/2010 traz em seu bojo (art. 2) um caráter de responsabilidade fiscal, vinculando a reposição inflacionária sobre os subsídios da magistratura às possibilidades financeiras do Estado, ao determinar que sejam observados os limites estabelecidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e pela Lei Orçamentária Anual (LOA), que tramitam todos os anos no Congresso Nacional. Ou seja, só se pode gastar se houver previsão orçamentária. Desde logo, isso não é um “gatilho salarial”, mas sim, um agente limitador de gastos. Importante frisar que a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entidade da qual sou presidente com muito orgulho, possui uma luta histórica no combate aos supersalários do serviço público, e é responsável direta por inserir o teto remuneratório em nossa Constituição.

Atualmente, os magistrados federais recebem uma remuneração líquida mensal de R$ 12 mil, chegando ao cúmulo de receberem na Vara em que atuam e administram valor inferior ao percebido por seus subordinados hierárquicos. Essas distorções têm provocado grande insatisfação na categoria, que tem cogitado realizar greve e/ou paralisação, nos moldes do ocorrido na Espanha e em Portugal. Também é agente causador de outro fenômeno ainda mais grave: a evasão de profissionais que abandonam a toga para exercer a advocacia ou outras carreiras jurídicas mais vantajosas financeiramente.

Embora o quadro delineado não traga uma imagem alentadora em seu centro, em nenhum momento o Poder Judiciário Federal deixou de cumprir seu papel no cenário jurisdicional brasileiro, sendo infeliz e ofensiva a afirmação do representante da OAB ao comparar nossa Justiça ao Judiciário de países de terceiro mundo. Os juízes federais do Brasil cumpriram as metas de produtividade impostas pelo CNJ. E mais: o Poder Judiciário Federal pagou ao povo brasileiro, desde 2002, por meio dos seus juizados especiais federais, mais de R$ 18 bilhões em benefícios previdenciários, auxiliando oito milhões de cidadãos — um repasse de recursos de mesma monta de um festejado programa social de distribuição de renda realizado no País.

Sem falar que os juízes federais têm atuado de forma firme contra políticos corruptos e influentes, criminosos do colarinho branco, grandes sonegadores do Fisco e líderes de organizações criminosas, sem esmorecer, evitando, assim, que a sociedade seja vítima desses crimes nefastos. Desafortunadamente, essa atuação não tem sido respeitada pelas autoridades, que vulneram constantemente direitos e prerrogativas dos magistrados. Garantias constitucionais como irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade há muito são golpeadas por interesses escusos de quem quer fragilizar o trabalho exercido de forma exemplar pelos 1,7 mil juízes federais de todo o Brasil. As intimidações vêm de todas as formas, inclusive em forma de atentado, como os três ocorridos nas últimas semanas.

Quanto à equiparação com o Ministério Público Federal, comete o representante da OAB uma incongruência ainda maior, ao criticar um preceito que está previsto em lei e, sobretudo, está estampado na Constituição Federal. A simetria não causará nenhum impacto orçamentário, pois o Poder Judiciário Federal é superavitário há muitos anos, sendo autossustentável. Somente no ano de 2009, o seu custo total — englobando a sua estrutura, os subsídios dos juízes e os vencimentos de servidores — foi de R$ 5,5 bilhões, e a sua arrecadação, por meio de suas Varas de Execução Fiscal, foi de exatos R$ 11, 5 bilhões.

Não temos, portanto, um Judiciário terceiro-mundista como quer incutir o presidente da OAB. O Brasil vive há 25 anos um regime plenamente democrático, guiado pelos princípios e garantias fundamentais, e fruto das conquistas do povo brasileiro, que alçou o País ao patamar das 20 principais economias do mundo, onde as instituições nacionais amadureceram ao ponto de oferecer porto seguro aos olhos da comunidade internacional.

Tamanha solidez institucional só foi possível dando-se cumprimento às leis e à Constituição Federal, que norteiam a convivência pacífica, soberana e republicana entre os Poderes.

A verdade precisa ser dita, o Poder Judiciário merece respeito pelo que vem fazendo nos últimos anos sempre na busca de um Brasil mais ético, transparente, democrático e republicano.

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