Trabalho de preso

Justiça trabalhista julga irregularidade em contrato

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21 de agosto de 2010, 13h23

A Justiça do Trabalho é competente para apreciar Ação Civil Pública que busca tutela jurisdicional relacionada à utilização empresarial de mão de obra carcerária. A decisão é da 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, sediado em Campinas, ao dar provimento a recurso do Ministério Público do Trabalho. A ação, que tem no polo passivo uma empresa ligada ao ramo de impressão e que faz uso do trabalho de reeducandos, teve início na 1ª Vara do Trabalho de Jaú (SP).

Para o relator da ação no Tribunal, o desembargador Fábio Grasselli, a questão tem origem nas relações de trabalho e envolve interesses de uma coletividade indeterminada de trabalhadores a serem potencialmente contratados, além de tratar de eventual burla à legislação trabalhista.

Segundo ele, não há dúvida da competência material da Justiça do Trabalho para dirimir acerca da licitude da contratação e limitação da prestação de serviços de mão de obra carcerária nos moldes do ordenamento jurídico aplicável. "É certo que o trabalho do preso não se insere na competência da Justiça do Trabalho. Trata-se, como destacou o douto magistrado sentenciante, de uma relação institucional com o Estado, com finalidade específica de ressocialização, conforme dispõe o artigo 28 da Lei das Execuções Penais (LEP)".

De acordo com o Grasselli, o que se discute nesse caso é a possibilidade de o trabalho dos detentos estar sendo desvirtuado, em prejuízo da finalidade da lei penal com a ocorrência de possível fraude aos artigos 2º e 3º da CLT, com repercussão, inclusive, na mão de obra assalariada, disponibilizada pela comunidade local. Grasselli afirma que o parágrafo 1º do artigo 36 da LEP disciplina o trabalho externo do detento a 10% do total empregado "na obra".

Dessa forma, o relator decidiu declarar "a competência da Justiça do Trabalho para conhecer, instruir e julgar o presente feito, com retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento"

Segundo a Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) da 15ª Região, o empregador não poderia manter atividade produtiva dentro de estabelecimento prisional, ou, no máximo, a força de trabalho dali oriunda não poderia superar o equivalente a 10% dos empregados vinculados à empresa. A PRT pediu ainda que fosse fixada uma multa em caso descumprimento dessas obrigações, além do pagamento de indenização a título de danos causados aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores. O recorrente defendeu que compete ao Judiciário Trabalhista a análise da matéria.

A ré, por sua vez, afirmou que o trabalho dos presos nos serviços de colagem manual de embalagens está substituindo o de trabalhadores "cooperados", os quais o empregador deixou de utilizar, após firmar termo de ajuste de conduta. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-15.

Processo 41600-72.2009.5.15.0024 RO

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO N.º 0041600-72.2009.5.15.0024
RECURSO ORDINÁRIO – 4ª CÂMARA
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
RECORRIDO: IMPRESSORA BRASIL LTDA.
ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ

JUIZ: JOSÉ ROBERTO THOMAZI
SENTENCIANTE

Competência da Justiça do Trabalho. Ação civil pública. À luz do artigo 114 da Constituição Federal, esta Especializada é competente para apreciar ação civil pública que busca tutela jurisdicional visando restringir a atuação empresarial
na utilização de mão-de-obra carcerária, de modo a evitar a exploração em detrimento dos próprios detentos e da sociedade economicamente ativa da localidade.

Trata-se de recurso ordinário interposto pelo requerente, às fls. 261/267, em face da r. sentença de fls. 252/253, que reconheceu a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para apreciar a ação civil pública proposta, em que a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região busca seja determinado à empresa requerida que se abstenha de manter atividade produtiva dentro do estabelecimento prisional e executada por mão-de-obra carcerária ou, alternativamente, que se abstenha da utilização de mão-de-obra carcerária em percentual superior a 10% do número de empregados da empresa, com a fixação de multa diária para a hipótese de descumprimento da obrigação de fazer, além do pagamento de indenização a título de danos causados aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores. Sustenta a recorrente a competência desta Especializada para conhecer da matéria posta na inicial, diante dos evidentes aspectos trabalhistas que envolvem a questão, na medida em que os procedimentos adotados pela requerida atenta contra o ordenamento jurídico laboral e o direito difuso dos trabalhadores livres.

Contrarrazões às fls. 286/293.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário, eis que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

A questão objeto de controvérsia tem origem nas relações de trabalho e envolve interesses de uma coletividade indeterminada de trabalhadores a serem potencialmente contratados, sem contar que visa evitar a burla à legislação trabalhista.

Diante do que dispõe o art. 114 da Constituição Federal e considerando a causa de pedir e o pedido contidos na presente ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho, não há dúvida da competência material desta Justiça do Trabalho para dirimir acerca da licitude da contratação e limitação, por intermédio de tutela inibitória ou cominatória, da prestação de serviços de mão-de-obra carcerária nos moldes do ordenamento jurídico aplicável, notadamente a Lei de Execução Penal.

É certo que o trabalho do preso não se insere na competência da Justiça do Trabalho. Trata-se, como destacou o doutor magistrado sentenciante, de uma relação institucional com o Estado, com finalidade específica de ressocialização, conforme dispõe o artigo 28 da Lei n.º 7.210/84 (LEP):

Ao contrário de uma prestação de serviços de natureza contratual, aqui a destinação da remuneração pelo trabalho é diversa, conforme dispõem os artigos 29 e 126 da mencionada lei:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

§ 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.

§ 2º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição.

§ 3º A remição será declarada pelo Juiz da execução, ouvido o Ministério Público.

Todavia, o que se discute nos presentes autos é a possibilidade de o trabalho dos detentos estar sendo desvirtuado, em prejuízo da finalidade da lei penal com a ocorrência de possível fraude aos artigos 2º e 3º da CLT, com repercussão, inclusive, na mão-de-obra assalariada disponibilizada pela comunidade local.

O diretor de recursos humanos da ré, nos autos do inquérito civil público, afirmou que o trabalho dos presos nos serviços de colagem manual de embalagens está sendo utilizado em substituição aos trabalhadores “cooperados”, após firmar termo de ajuste de conduta se comprometendo a não mais utilizar os serviços de cooperativa nesse seguimento.

A diretora do Centro de Ressocialização de Jaú declarou ao MPT que “por se tratar de serviço fora do presídio somente podem ser liberados detentos em regime semi-aberto” (fls. 203).

O parágrafo 1º do artigo 36 da LEP, ao disciplinar o trabalho externo do detento, limita a 10% do “total de empregados na obra”.

O argumento utilizado pelo autor (fls. 6), consiste em que referido percentual não está sendo observado, deduzindo pedido de não fazer (abster-se de utilizar mão-de-obra carcerária em percentual superior a 10% (dez por cento) do número de empregados da empresa – fls. 28), bem como multas e indenizações.

Nessas condições, declaro a competência da Justiça do Trabalho para conhecer, instruir e julgar o presente feito, com retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento.

Isto posto, decido conhecer do recurso ordinário e dar-lhe provimento para, anulando a r. sentença de fls. 252/253, declarar a competência da Justiça do Trabalho para conhecer, instruir e julgar o presente feito, com retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento.

Fabio Grasselli
Desembargador Relator

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