Paridade de armas

CNMP anula punição contra promotor de São Paulo

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21 de agosto de 2010, 9h55

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) anulou decisão do corregedor-geral do MP de São Paulo que aplicou pena administrativa contra o promotor de justiça Marcelo Mendroni. O colegiado entendeu que a ação do corregedor-geral feriu princípios constitucionais como o do devido processo legal, do contraditório e do pleno direito de defesa.

Marcelo Mendroni é promotor de justiça com atuação na área criminal e é reconhecido como um dos principais especialistas no Ministério Público paulista no estudo de organizações criminosas e de crime de lavagem de dinheiro. Mendroni foi punido administrtivamente com um dia de suspensão pelo fato de ter obtido licença remunerada para fazer pós-doutorado de seis meses na Universidade de Bologna, na Itália, e, de acordo com a acusação, não ter conseguido provar que realmente fez o curso. A punição foi aplicada pela Corregedoria-Geral do Ministério Público de São Paulo.

Agora, o CNMP entendeu que o acusador não pode decidir sumariamente o processo administrativo disciplinar. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, no máximo o corregedor-geral pode aplicar a sanção disciplinar decidida pelo órgão julgador, mas não acusar, instruir, decidir e aplicar a sanção. “Os princípios constitucionais que afirmam o devido processo legal administrativo, o contraditório e o direito pleno de defesa não autorizam esta forma procedimental”, afirmou em seu voto o relator do recurso, conselheiro Cláudio Barros Silva.

Na decisão, inédita, o Conselho Nacional do Ministério Público afastou a aplicação do artigo 42, inciso V, da Lei Complementar 743/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo).

O Conselho ainda determinou que o voto aprovado fosse encaminhado ao procurador-geral da República para a tomada de providências com respeito à suposta inconstitucionalidade do artigo da lei que dá poderes sumários ao corregedor-geral do MP paulista para aplicar sanções contra promotores de justiça.

Segundo o conselheiro relator, Cláudio Barros Silva, o devido processo legal, assegurado na Constituição Federal, se caracteriza pela dupla proteção ao cidadão, tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, quando assegura a chamada “paridade de armas”, entre o cidadão e o Estado.

Ainda de acordo com o conselheiro, a Constituição Federal assegura a amplitude de defesa e do primado do contraditório, “onde estão inseridos princípios que tratam do direito a ter acusação certa, defesa técnica, publicidade dos atos do processo, citação válida, produção ampla de provas, de ser processado e julgado por juiz competente, aos recursos, à decisão imutável e a revisão criminal”.

Arquivamento
Em novembro do ano passado, o Órgão Especial do Ministério Público de São Paulo mandou arquivar definitivamente o inquérito civil respondido pelo promotor Marcelo Mendroni. Houve apenas um voto contra o arquivamento.

Em agosto do mesmo ano, o Conselho Nacional do Ministério Público, por unanimidade, julgou improcedente pedido para que o promotor de Justiça fosse obrigado a devolver os vencimentos pagos pelo erário durante o período em que esteve na Itália. O colegiado, por maioria, recomendou ainda que o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo regulamentasse a licença para membros da instituição participar de cursos de pós-doutorado.

Antes da decisão do CNMP, o Ministério Público paulista preparava uma ação de improbidade administrativa contra o promotor. A ação tinha o mesmo objeto de pedir do procedimento julgado pelo Conselho. Ou seja, a devolução dos vencimentos recebidos pelo promotor quando estava de licença remunerada para fazer o curso na Universidade de Bologna.

Na época, o promotor de Justiça se disse surpreso com uma eventual propositura da ação uma vez que a própria Procuradoria-Geral de Justiça havia anteriormente arquivado o inquérito civil que apurava se houve ato de improbidade. Para Mendroni, uma nova investida por parte da chefia do Ministério Público paulista iria acontecer sem provas e fundamentos.

Na esfera administrativa, a Corregedoria do Ministério Público paulista aplicou ao promotor de Justiça a pena disciplinar de suspensão de um dia. O motivo alegado foi a não observação de deveres funcionais, por conseguir licença para frequentar o curso de pós-doutorado e não efetivar matrícula ou obter o título.

Em fevereiro, o Órgão Especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público de São Paulo confirmou a punição. Em maio, a Corregedoria do CNMP manteve a decisão do colegiado paulista ao negar reclamação (RCL 0.00.000.000006/2008-42) apresentada contra a decisão.

Em São Paulo, no campo judicial, o inquérito civil que investigava suposto ato de improbidade administrativa foi, num primeiro momento, arquivado por decisão do procurador-geral de Justiça, Fernando Grella. A decisão foi contestada junto ao CNMP e três conselheiros se manifestaram contra o arquivamento em outro procedimento.

O curso
Marcelo Mendroni ficou na Itália por cerca de seis meses, entre novembro de 2006 e junho de 2007. Neste período, recebeu normalmente seus vencimentos — cerca de R$ 21 mil por mês. Ele conseguiu o aval para frequentar o curso e continuar recebendo salário em abril de 2006, quando participou da reunião do Conselho Superior do MP e apresentou sua proposta de fazer pós-doutorado no exterior. Na ocasião, o promotor falou sobre a pretensão de pedir afastamento temporário, depois de ter recebido um convite da Universidade de Bologna para estudar o tema Valoração da Prova no Processo Penal, com ênfase nos crimes econômicos

Aos conselheiros, pediu autorização para se afastar por 14 meses e disse que, para isso, pretendia usar seus períodos de férias. Para justificar a ida, lembrou de quando voltou do curso de pós-graduação em Madrid, na Espanha, e atendeu a convites para disseminar o aprendizado. No final de sua defesa, se comprometeu a compartilhar com o Ministério Público os ensinamentos do novo curso. Na reunião seguinte, os membros do Conselho Superior aprovaram a licença de seis meses.

Em agosto de 2007, depois de retornar da Itália, Mendroni apresentou o relatório sobre o período. Os conselheiros, seguindo voto do relator Daniel Fink, converteram o julgamento em diligência. Solicitaram à administração do órgão informações para saber se Mendroni pediu férias ou licenças antes ou depois do período em que ficou afastado para o curso na Itália e também a data em que reassumiu as suas funções no Ministério Público. 

Em reunião extraordinária no dia 16 de outubro de 2007, o Conselho não aprovou o relatório e determinou que a Corregedoria do Ministério Público e a Procuradoria-Geral de Justiça investigassem o caso.

Defesa
Em sua defesa, o promotor sustentou que sua licença foi aprovada pelo Conselho Superior do  MP-SP e que não cometeu nenhuma irregularidade durante sua estada na Itália. Apresentou carta assinada pelo professor Giulio Illuminati, reitor da Universidade de Bologna, e enviada ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella.

O documento explica em detalhes as normas do curso de pós-doutorado a que ele se submeteu. “Em nenhum caso é prevista matrícula, controle de frequência, conferimento de um título e valoração formal do aluno”, afirma o professor na carta. “É possível, portanto, desenvolver a pesquisa pós-doutorado em seis ou oito meses, como no caso do doutor Mendroni”, completa o professor italiano.

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