Burocracia digital

Quando a virtualização atropela as prerrogativas

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20 de agosto de 2010, 12h20

Há uma onda na Administração Pública brasileira de poupar gastos e conseguir agilidade por meio da virtualização de seus atos. Tal onda já chegou ao Poder Judiciário que, com amparo na Lei 11.419 de 2006, está aos poucos inutilizando os meios físicos dos atos processuais.

A informatização é um fato. Não deve ser ignorada, e se trata de utilizar de um dos grandes avanços da humanidade a seu favor, de forma a poupar tempo e recursos. Aqui, falamos com enfoque do advogado, que é quem representa o cidadão nas instâncias do Poder Judiciário.

Frise-se que, a despeito da lei de informatização ser posterior ao Estatuto da Advocacia, ela jamais revoga as prerrogativas inerentes da profissão, pois decorrem da Constituição Federal, que aponta a advocacia como função indispensável e essencial à administração da Justiça.

Trata-se do que o direito chama de “poderes implícitos”. Aqui no Brasil, outra instituição essencial à administração da justiça, o Ministério Público, foi tido como leading case, das definições desse conceito, que consiste no brocardo de que se a Constituição Federal concede os fins, por óbvio ela dá os meios para que se atinja a finalidade.

Assim, em nenhuma hipótese se admite a lei da informatização dos processos se sobrepondo aos princípios e garantias explícitos na Lei 8.906 de 1994.

Deve-se ser redundante em um ponto: a prerrogativa não é um privilégio do advogado, e, sim, um direito do cidadão que, assistido por um advogado, terá certeza que seus direitos serão observados ante a defesa de seu patrono que, no múnus público de sua profissão, deve agir com destemor.

É claro que, na prática, diante das situações corriqueiras pelas quais passamos, não notamos a força e o alcance de tais prerrogativas. No entanto, rotineiramente fazemos gozo dessas prerrogativas quando, por exemplo, extraímos cópias de processos, ainda que sem procuração nos autos.

Nesse particular, simples e específico, mas que traduz parte das funções dos escritórios de advocacia, a Ordem dos Advogados do Brasil está em descompasso com a advocacia, pois inúmeros tribunais estão regulando o acesso aos autos virtuais sem nenhum acompanhamento dos advogados que são justamente os destinatários finais do procedimento de informatização.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por exemplo, editou as Resoluções 600-25 e 600-26, todas de 2009, que demonstram como a falta de diálogo do órgão público com a entidade representante dos advogados é capaz de produzir verdadeiros esdrúxulos jurídicos que impedem o exercício de uma advocacia livre e independente.

Com efeito, o TRF da 1ª Região, por meio de suas resoluções, e as Varas Federais, baseadas nelas, impede que os advogados que necessitem de cópia de processos, mas que não estejam cadastrados no sistema informatizado daqueles processos específicos, obtenham a sua documentação. Para ser cadastrado no processo o advogado deve apresentar a procuração da parte, autor ou réu, envolvida no processo.

Existem milhares de hipóteses que justifiquem que o advogado tenha acesso aos autos, ainda que sem procuração: ingresso de ação similar, defesa de terceiro interessado, necessidade de cumprimento de providências urgentes, dentre muitas outras.

São tantas as hipóteses que a Lei 8.906 de 1994, o Estatuto da Advocacia, garante em seu artigo 7º, inciso XIII, que deve ser assegurado ao advogado a obtenção de cópias de processos findos ou em andamento, ainda que sem procuração.

Agora, imagine a seguinte situação: um cidadão que resolveu se mudar de Brasília, mora em Maceió, está sendo cobrado indevidamente por duas ações que correm em Brasília, movidas por algum banco público. A primeira ação foi ajuizada em novembro de 2009. A segunda foi ajuizada em fevereiro de 2010.

O cidadão procura seu advogado que, ainda sem procuração, tenta obter cópia dos processos, para explicar a seu cliente o que estaria ocorrendo.

Pasmem. Nessa situação, o advogado obteria cópia do primeiro processo, mas jamais teria cópia de inicial do segundo processo sob a singular explicação de que para ter cópia dos autos o advogado deve ser cadastrado no processo. Repita-se: o advogado, para se cadastrar no processo, precisa de procuração.

Ora, a obtenção de cópia por meio digital, hoje em dia, é tão fácil que pequenos equipamentos, de alguns centímetros, têm capacidades de armazenar milhares de dezenas de informações. O argumento não convence, e trata somente de prejudicar não o advogado, e sim, o cidadão, contribuinte, que paga em dia seus impostos para ver seu direito bloqueado pela burocracia atrapalhada do Estado.

A OAB, como defensora das prerrogativas dos advogados, é parte essencial no procedimento que a Justiça está passando. Se deixar a carga do Poder Público, os direitos dos advogados e dos cidadãos serão levados em segundo plano, priorizando-se as perfumarias estéticas dos Tribunais.

O jovem advogado, desamparado, não tem a quem recorrer se a OAB e os Tribunais continuarem a se afastar de uma aproximação da Justiça com o cidadão, ao invés de priorizarem a construção de palácios ou perfumarias virtuais sem nenhuma utilidade prática.

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