Burocracia tributária

Regras fiscais simplificadas dão melhores resultados

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20 de agosto de 2010, 11h20

Apesar de a burocracia proteger o Estado contra a corrupção e a sonegação de impostos, não há como um Estado de Direito funcionar sem confiança. Como essa confiança sempre é uma ilusão de antecipação do futuro, de algo que se espera dar certo, jamais haverá como garantir que o Estado não será lesado. É com esse raciocínio que a tributarista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Misabel Derzi, explica como a simplificação de procedimentos fiscais podem dar melhores resultados ao próprio erário do que a crescente complicação burocrática.

Ela palestrou sobre o tema durante o XIV Congresso Internacional de Direito Tributário organizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário, da qual é presidente. O evento começou na terça-feira (17/8) e termina nesta sexta-feira (20/8) nas Faculdades Milton Campos, na Grande Belo Horizonte. Também participaram do encontro o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, e os ministros Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e Eliana Calmon, Castro Meira e João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça.

“Quando a desconfiança prevalece sobre a confiança, ela deforma princípios constitucionais”, disse a professora. Segundo ela, o recrudecimento burocrático usa o medo para manter os contribuintes na linha. “O medo é técnica usada por religiões e regimes absolutistas, mas sociedades contemporâneas são consideradas de risco”, contrapõe.

Ao se dirigir ao secretário da Receita Federal que estava presente à mesa dos debates, Misabel pediu: “confie nos contribuintes, porque esse é o maior redutor de complexidades”.

De outro lado, a diretora da Escola da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Minas Gerais, Anna Carla Chrispim, ponderou: "o sujeito passivo recolheria o tributo se não tivesse uma norma que o induzisse?" Ela recorreu a Kant para explicar sua posição em relação a regras impostas. "Se já tivéssemos conseguido ultrapassar a barreira do medo, se é que se pode confundir coerção legal com medo, já teríamos passado da heteronomia para a autonomia."

Segundo Misabel, o contribuinte também confia nas leis e no Judiciário, mas pode ser pego de surpresa. “Há ocasiões em que o cidadão confia nas leis e age segundo elas, mas quando mudam, vê que confiou em vão”, explica. Ela também citou a jurisprudência dos tribunais, que também mudam e pegam o contribuinte desprevenido.

Uma das formas de desconfiança do fisco criticadas pela professora foi a substituição tributária, pela qual o fisco cobra da empresa que está no início da cadeia de circulação de um produto todo o imposto que incidirá no seu percurso até chegar ao consumidor. O valor do imposto é presumido pelo fisco e, quase sempre, fica acima do real. O método se aplica somente a tributos não cumulativos, como o ICMS e o IPI.

Ela lembrou que essa forma de cobrança começou no período colonial, em que os mineradores eram obrigados a recolher um quinto do ouro extraído à coroa portuguesa. “Ninguém confiava nas balanças das casas de fundição, e todos preferiam pagar 30 arrobas ao ano, independentemente do que extraíssem.”

Para a professora, os industriais, que são quem costumam recolher o imposto integral como substituto tributário, não se insurgem contra o método porque embutem no preço o valor recolhido, arcado pelos consumidores. “Isso gera até capital de giro”, disse. “Um tributo plurifásico e não cumulativo acaba se tornando monofásico e cumulativo.”

*O repórter viajou para cobrir o congresso a convite da organização do evento.

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