Prerrogativa do Congresso

Receita recorrerá contra quebra de sigilo por CPI

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18 de agosto de 2010, 15h59

A Receita Federal vai recorrer da ordem dada pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, para que forneça à Assembleia Legislativa de São Paulo dados fiscais sigilosos de pessoas investigadas em CPI estadual sobre fraudes contra mutuários da Cooperativa Habitacional dos Bancários do Estado de São Paulo (Bancoop). Segundo o secretário da Receita, Otacílo Cartaxo, “a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já foi notificada da decisão”, e deve fazer a defesa do órgão.

A CPI pediu a quebra do sigilo fiscal de pessoas e empresas supostamente envolvidas em irregularidades e fraudes praticadas contra cerca de três mil mutuários. O Ministério Público de São Paulo investiga um suposto esquema de desvio de recursos da Bancoop para financiar a campanha eleitoral do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. João Vaccari Neto, ex-presidente da Bancoop e atual tesoureiro do PT, é apontado como o pivô do esquema. Segundo o desembargador Francisco Loureiro, que julgou, no Tribunal de Justiça de São Paulo, uma ação obrigando a cooperativa a registrar imóveis já comprados, a Bancoop "lançou dezenas de empreendimentos imobiliários, com promessa de entregar milhares de apartamentos, expressiva parte dela não cumprida, lesando uma multidão de compradores".

Segundo o secretário, a lei prevê apenas que CPIs do Congresso Nacional possam pedir a quebra do sigilo fiscal de investigados. “A jurisprudência diz, hoje, que CPIs estaduais e municipais não podem ter acesso. Preferimos atuar dentro da jurisprudência já assentada”, disse à Consultor Jurídico. Ele afirmou, no entanto, que essa avaliação “depende mais do Judiciário do que da Receita”. 

Ao ordenar a liberação, o ministro Joaquim Barbosa afirmou ser “plenamente cabível o controle jurisdicional da atuação do Legislativo no desempenho de seu histórico papel de órgão de fiscalização, o que inclui o exame da adequada motivação do pedido de transferência de sigilo fiscal e a tomada de eventuais medidas para proteger a privacidade dos cidadãos”. O ministro disse que não se pode presumir que os dados protegidos por sigilo serão divulgados “de forma temerária ou com finalidade diversa dos objetivos institucionais da parte impetrante”, e completou que qualquer violação às normas “poderá ser rápida e densamente reparada mediante devida provocação”.

A CPI paulista foi criada em março e, em junho, foi aprovado requerimento pedindo os dados à Receita Federal. No entanto, por meio de ofício, o órgão “tecendo algumas considerações sobre as competências do Poder Legislativo estadual”, segundo o Mandado de Segurança ajuizado pela Alesp, negou o fornecimento das informações. Para a Secretaria, a Constituição Federal atribui expressamente poderes investigatórios de autoridade judicial apenas às CPIs originárias no âmbito do Congresso Nacional.



Sem definição
O Supremo está dividido sobre o assunto. Em março, a corte começou a julgar uma Ação Cível Originária movida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, mas o debate fez com que o ministro Dias Toffoli pedisse vista dos autos. “Não se pode cogitar hierarquia entre União e estados”, disse, na ocasião, Joaquim Barbosa, relator também desse processo. Ele lembrou como a corte já tinha votado em caso anterior, em 2005, depois de horas de discussão. “Não vejo razão para regredirmos.” Sua posição foi apoioada pelos ministros Celso de Mello e Ayres Britto que, no entanto, ainda não votaram.

Após o voto de Joaquim Barbosa, o então ministro Eros Grau foi contrário. “Direitos e garantias são regras, e não exceção. O Judiciário só tem que intervir excepcionalmente”, disse, adiantando seu voto.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que também não votaram, tiveram o mesmo entendimento. “É perigoso darmos esse poder a câmaras municipais do Brasil inteiro, por exemplo. Há muitas disputas políticas”, disse Lewandowski. Peluso foi ainda mais enfático. “Imaginem municípios requerendo informações federais! Nós vamos abrir portas para a quebra do sigilo de todo o país.”

Cartaxo também comentou sobre as crescentes pressões internas para a liberação de acesso a dados fiscais de contribuintes à PGFN e ao TCU, por exemplo, mesmo não havendo ação fiscal em andamento contra os consultados. “A Consituição Federal traça fronteiras bem definidas sobre o uso dessas informações, principalmente no que se refere à intimidade e privacidade de pessoas físicas”, alerta. “Elas só podem ser usadas por terceiros nas hipóteses estritamente previstas na lei, o que é bom para a democracia, a cidadania e o Estado Democrático de Direito.

Discórdia anunciada
O secretário Otacílio Cartaxo esteve nesta terça-feira (17/8) em Belo Horizonte para participar de um congresso promovido pela Associação Brasileira de Direito Tributário. Falando sobre a importância das declarações acessórias no controle de informações dos contribuintes pelo fisco, ele destacou o papel de combate à sonegação que esses instrumentos têm.

Ele também atribuiu à falta de clareza das regras legais as dificuldades enfrentadas pelos fiscais na execução de procedimentos. “Quando há ambiguidade ou omissão da regra, abre-se espaço para interpretação, o que provoca divergências”, afirmou.

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