Garantias fundamentais

Defensoria Pública deve proteger dignidade da pessoa

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18 de agosto de 2010, 15h00

Nossa atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece logo em seu primeiro dispositivo que a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado brasileiro. Vejamos a origem deste precioso alicerce fundamental na história universal.

O antigo Código do rei sumério Hamurabi (1792-1750 ou 1730-1685 a.C.), fundador do primeiro Império Babilônico e unificador da região da crescente fértil conhecida como Mesopotâmia, a despeito de não enunciar um rol de princípios e de garantias fundamentais, em seu epílogo está escrito: “(…) Para que o forte não prejudique o mais fraco, afim de proteger as viúvas e os órfãos, ergui a Babilônia (…) para falar de justiça a toda a terra, para resolver todas as disputas e sanar todos os ferimentos, elaborei estas palavras preciosas (…)”.

O Livro do Êxodo, de autoria atribuída ao profeta Moisés, conta a libertação da escravidão e a saída do Egito do povo judeu, por volta da segunda metade do segundo milênio a.C.. Em seu capítulo 22, versículos 20-26, exprime a vontade de Iavé:

“Não afligirás o estrangeiro nem o oprimirás, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito. Não afligireis a nenhuma viúva ou órfão. Se o afligires e ele clamar a mim escutarei o seu clamor; minha ira se ascenderá e vos farei perecer pela espada: vossas mulheres ficarão viúvas e vossos filhos, órfãos. Se emprestares dinheiro a um compatriota, ao indigente que está em teu meio, não agirás com ele como credor que impõe juros. Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que se deitaria? Se clamar a mim, eu o ouvirei, porque sou compassivo”.

O "Livro dos Provérbios", uma das obras sapienciais do Antigo Testamento, escrito pelo rei Salomão (950 a.C.), no capítulo 25, versículos 21-22, conta a instrução deste soberano: “Se teu inimigo tem fome dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber: assim amontoas brasas sobre sua cabeça, e lave-te recompensará”.

Marcus Tullius Cicero, orador romano, em 52 a.C., em seu Tratado das Leis, assim se expressava em passagem desta obra:

“A semelhança entre os homens manifesta-se não só pelas qualidades, mas também pelos defeitos. Na verdade, todos se deixam atrair pelo prazer que, consistindo em atração viciosa, apresenta certa semelhança com um bem da Natureza; e sua delicadeza e suavidade seduzem e levam ao erro de tê-lo como um bem saudável e, por semelhante equívoco, fugimos da morte por tê-la como se fosse a dissolução da natureza e nos apegamos à vida, porque esta nos mantém no estado em que nascemos e temos a dor, por sua aspereza, como o pior dos males e por dar a impressão de conduzir à destruição da Natureza. E havendo entre a honra e a glória semelhanças, têm-se por felizes os que vivem entre honrarias e por infelizes os que permanecem no anonimato. Os desgostos, as alegrias, os desejos e os temores assaltam por igual a todos os espíritos, e, se as crenças de uns diferem das dos outros, aqueles que divinizam o cão e o gato o fazem inspirando-se na mesma superstição que atormenta todos os povos. Na verdade, qual a nação que não aprecia a cortesia, a amabilidade, a gratidão? Qual não despreza e odeia os orgulhosos, os maus, os cruéis, os mal-agradecidos? Tudo isso nos dá a entender que o gênero humano constitui uma só e única sociedade  que seu progresso moral decorre do viver racionalmente”.

São Tiago, um dos doze apóstolos escolhidos por Jesus de Nazaré para segui-lo, encontrou o martírio sendo apedrejado até a morte, aproximadamente no ano 62, em sua Epístola defendeu: 

“Meus irmãos, a fé que tendes em Nosso Senhor Jesus Cristo, glorificado, não deve admitir acepção de pessoas. Se, pois, em vossa reunião entrar um homem com anel de ouro no dedo e ricos trajes, e também, um pobre, com roupa surrada, e se dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: ‘Senta-te aqui neste lugar confortável’, enquanto ao pobre dizeis: ‘Fica ali em pé’, ou então: ‘Senta-se aqui no chão aos meus pés’, acaso não estais fazendo distinção entre vós? E, não vos tornastes juízes de princípios injustos? Ouvi, meus queridos irmãos, escutai: Deus não escolheu os pobres deste mundo, para serem ricos na fé e herdeiros do reino, que prometeu aos que o ama?”

A carta ao pagão culto Diogeneto, escrita em meados de 120 ou 150 d.C., por cristão anônimo, em pequeno trecho dizia: 

“Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. Nem uma doutrina desta natureza deve a sua descoberta à invenção ou conjectura de homens de espírito irrequieto, nem defendem, como alguns, uma doutrina humana. Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. Amam todos e por todos são perseguidos. Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados à morte e ganham a vida. São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam. São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados. Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. São hostilizados pelos Judeus como estrangeiros; são perseguidos pelos Gregos, e os que os odeiam não sabem dizer a causa do ódio. Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo. A alma invisível vela no corpo visível; Também os cristãos sabe-se que estão neste mundo, mas a sua religião permanece invisível. A carne odeia a alma, e, apesar de não a ter ofendido em nada, faz-lhe guerra, só porque se lhe opõe a que se entregue aos prazeres; da mesma forma, o mundo odeia os cristãos que não lhe fazem nenhum mal, porque se opõem aos seus prazeres. A alma ama a carne, que a odeia, e os seus membros; Também os cristãos amam os que os odeiam. A alma está encerrada no corpo, é, todavia, ela que sustém o corpo; Também os cristãos se encontram retidos no mundo como em cárcere, mas são eles que sustêm o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; Também os cristãos habitam em tendas mortais, esperando a incorrupção nos céus. Provada pela fome e pela sede, a alma vai-se melhorando; também os cristãos, fustigados dia-a-dia, mais se vão multiplicando. Deus pô-los numa tal situação, que lhes não é permitido evadir-se”.

Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354 — Hipona, 28 de agosto de 430), doutor da Igreja Católica, nos oferecendo uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político em sua obra A Cidade de Deus, no Livro XIX, capítulo 12, “Paz, Suprema Aspiração dos Seres”, redigiu: 

“Quem quer que repare nas coisas humanas e na natureza delas reconhecerá comigo que, assim como não há ninguém que não queira sentir alegria, assim também ‘não há ninguém que não queira ter paz’. Com efeito, os próprios amigos da guerra apenas desejam vencer e, por conseguinte, anseiam, guerreando, chegar à gloriosa paz. E em que consiste a vitória senão em sujeitar os rebeldes? Logrado esse efeito, chega a paz. A paz é, pois, também o fim perseguido por aqueles mesmos que se afanam em demonstrar valor guerreiro, comandando e combatendo. Donde se segue ser a paz o verdadeiro fim da guerra. O homem, com a guerra, busca a paz, mas ninguém busca a guerra com a paz. Mesmo os que de propósito perturbam a paz não odeiam a paz, apenas anseiam mudá-la a seu talante. Sua vontade não é que não haja paz, e sim que a paz seja segundo sua vontade. Se por causa de alguma sedição chegam a separar-se de outros, não executam o que intentam, se não têm com os cúmplices uma espécie de paz. Por isso, os bandoleiros procuram estar em paz entre si para alterar com mais violência a paz dos outros”.


Em 15 de junho de 1215, o rei João da Inglaterra, dito João Sem-Terra, perante o alto clero e os barões do reino, assinou a histórica Magna Charta Libertatum, que proclamava:

“Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país. Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer pessoa a obter justiça”.

Por ocasião da missa do quarto domingo do advento, em 21 de dezembro de 1511, na pequena comunidade dos dominicanos na América espanhola colonial, o frei Antônio de Montesinos, na presença de capitães espanhóis e, também, do almirante Diego Colombo, filho do próprio descobridor Cristóvão Colombo, assim se pronunciou a respeito da crueldade contra os nativos do Novo Mundo:

“Todos vós estais em pecado mortal.

Nele viveis e nele morrereis, devido à crueldade e tiranias que usais com estas gentes inocentes.

Dizei-me, com que direito e baseados em que justiça, mantendes em tão cruel e horrível servidão os índios?

Com que autoridade fizestes estas detestáveis guerras a estes povos que estavam em suas terras mansas e pacíficas e tão numerosas e os consumistes com mortes e destruições inauditas?

Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhes de comer e curá-los em suas enfermidades?

Os excessivos trabalhos que lhes impondes, os faz morrer, ou melhor dizendo, vós os matais para poder arrancar e adquirir ouro cada dia…

Não são eles acaso homens?

Não tem almas racionais?

Vós não sois obrigados a amá-los como a vós mesmos?

Será que não entendeis isso? Não o podeis sentir?

Tende como certo que, no estado em que vos encontrais, não tendes mais chance de vos salvardes de que os muçulmanos e turcos, que não têm fé em Jesus Cristo?”

Bartolomé de Las Casas (Sevilha, 1474 — Madrid, 17 de julho de 1566), primeiro sacerdote ordenado na América, em carta ao rei da Espanha, Carlos I, escreveu:

“O filósofo Aristóteles acrescenta que é legítimo capturar ou caçar bárbaros deste tipo como animais selvagens para que possam ser conduzidos ao modo correto de vida. Dois pontos devem ser observados aqui. Primeiro, forçar os bárbaros a viverem de modo humano e civilizado não é legítimo para qualquer um e todos, mas apenas para monarcas e governantes de Estado. Segundo, deve-se ter em mente que os bárbaros não devem ser compelidos com rudeza, da maneira descrita pelo Filósofo, mas sim persuadidos gentilmente e levados docilmente a aceitar o melhor modo de vida. Pois somos ordenados pela lei divina a amar o próximo como a nós mesmos, e visto que queremos corrigir e extirpar docilmente nossos próprios vícios, devemos fazer o mesmo com nossos irmãos, mesmo que sejam bárbaros.

(…)

Agora que mostramos que entre nossos índios das costas ocidentais e meridionais (admitindo-se que os chamemos de bárbaros e que sejam bárbaros) há importantes reinos, grande número de pessoas que vivem vidas estáveis em sociedade, grandes cidades, reis, juízes e leis, pessoas que se dedicam ao comércio, a compra, venda, empréstimos e a outros contratos das leis das nações, não estaria provado que o Reverendo Doutor Sepúlveda falou errônea e viciosamente contra pessoas como essas, ou por maldade ou por ignorância do ensinamento de Aristóteles, e, portanto, difamou-as falsamente e talvez de maneira irreparável perante o mundo inteiro? Do fato de que os índios são bárbaros não deriva necessariamente que sejam incapazes de governo e que tenham de ser governados por outros, salvo de serem ensinados sobre a fé católica e admitidos aos santos sacramentos. Eles não são ignorantes, desumanos ou bestiais. Ao contrário, muito antes de ouvirem a palavra ‘espanhol’ tinham Estados adequadamente organizados, sabiamente governados por excelentes leis, religião e costumes. Cultivavam a amizade e, unidos em comunidade, viviam em cidades populosas nas quais administravam sabiamente os negócios tanto da paz quanto da guerra de forma justa e eqüitativa, governados verdadeiramente por leis que, em muitíssimos pontos, superavam as nossas”.

Em réplica a Juan Ginés de Sepúlveda, continua o sacerdote Las Casas seu pensamento humanista: 

“Para terminar (…)

Os índios são nossos irmãos, pelos quais Cristo deu sua vida. Por que os perseguimos sem que tenham merecido tal coisa, com desumana crueldade?

O passado, e o que deixou de ser feito, não tem remédio; seja atribuído à nossa fraqueza sempre que for feita a restituição dos bens impiamente arrebatados (…)

Sejam enviados aos índios pregoeiro íntegros, cujos costumes sejam espelho de Jesus Cristo e cujas almas sejam reflexo das de Pedro e Paulo.

Se for feito assim, estou convencido de que eles abraçarão a doutrina evangélica, pois não são néscios nem bárbaros, mas de inata sinceridade, simples, modestos, mansos e, finalmente, tais que estou certo que não existe outra gente mais dispostas do que eles a abraçar o Evangelho, o qual, uma vez por eles recebido, é admirável com que piedade, ardor, fé e caridade cumprem os preceitos de Cristo e veneram os sacramentos”.

Hugo Grotius, célebre jurista holandês, considerado o fundador do direito internacional, na obra O Direito da Guerra e da Paz (1625) pregava:

“De fato, o homem é um animal, mas um animal de uma natureza superior e que se distancia muito mais de todas as demais espécies de seres animados que possam entre elas se distanciar. É o que testemunham muitas ações próprias do gênero humano. Entre essas, que são próprias ao homem, encontra-se a necessidade de sociedade, isto é, de comunidade, não uma qualquer, mas pacífica e organizada de acordo com os dados de sua inteligência e que os estóicos chamavam de estado doméstico. Entendida assim de uma maneira geral, a afirmação de que a natureza impele todo animal somente para suas próprias utilidades não procede.

Entre os outros animais, de fato, alguns moderam em certa medida seus instintos egoístas, parte em favor de sua prole, parte em proveito dos outros da própria espécie. Esta disposição neles procede, assim o cremos, de algum princípio inteligente exterior, porquanto, com relação a outros atos que não estejam muito acima de seu alcance, igual soma de inteligência não aparece neles. Pode-se dizer a mesma coisa das crianças, nas quais, mesmo antes de qualquer instrução, se pode verificar o aparecimento de certa inclinação para a benevolência, como Plutarco o observou com sagacidade. Assim também, nessa idade, a compaixão brota espontaneamente. Quanto ao homem feito, capaz de reproduzir os mesmos atos a respeito de coisas que tenham relações entre si, convém reconhecer que possui em si mesmo um pendor dominante que o leva ao social, para cuja satisfação, somente ele, entre todos os animais, é dotado de um instrumento peculiar, a linguagem. É dotado também da faculdade de conhecer e de agir, segundo princípios gerais, faculdade cujos atributos não são comuns a todos os seres animados, mas são a essência da natureza humana.

Este cuidado pela vida social, de que falamos de modo muito superficial, e que é de todo conforme ao entendimento humano, o fundamento do direito propriamente dito, ao qual se referem o dever de se abster do bem de outrem, o de restituir aquilo que, sem ser nosso, está em nossas mãos ou o lucro que disso tiramos a obrigação de cumprir as promessas, a de reparar o dano causado por própria culpa e a aplicação dos castigos merecidos entre os homens.

Dessa noção do direito decorreu outra mais ampla. De fato, o homem tem a mais que os demais seres animados não somente as disposições para a sociabilidade de que falamos, mas também um juízo que lhe permite apreciar as coisas, presentes e futuras, capazes de agradar ou de ser prejudiciais e também aquelas coisas que podem levar a isso. Concebe-se que é conveniente à natureza do homem observar, dentro dos limites da inteligência humana, na busca dessas coisas, a conformação de um juízo sadio, o fato de não se deixar vencer pelo temor nem pelas seduções dos prazeres presentes, de não se deixar levar por um ímpeto temerário. O que está em oposição a um tal juízo deve ser considerado como contrário também ao direito da natureza, isto é, da natureza humana”.


A Petição de Direito, de 07 de junho de 1628, aprovada pelo Parlamento inglês, exigiu do rei Carlos I o seguinte, de acordo com as leis vigentes no reino:

“Por todas estas razões, os lordes espirituais e temporais e os comuns humildemente imploram a Vossa Majestade que, a partir de agora, ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas; e que Vossa Majestade haja por bem retirar os soldados e marinheiros e que, para futuro, o vosso povo não volte a ser sobrecarregado; e que as comissões para aplicação da lei marcial sejam revogadas e anuladas e que, doravante, ninguém mais possa ser incumbido de outras comissões semelhantes, a fim de nenhum súdito de Vossa Majestade sofrer ou ser morto, contrariamente às leis e franquias do país.

Tudo isto rogam os lordes espirituais e temporais e os comuns a Vossa majestade como seus direitos e liberdades, em conformidade com as leis e provisões deste reino; assim como rogam a Vossa Majestade que se digne declarar que as sentenças, ações e processos, em detrimento do vosso povo, não terão conseqüências para futuro nem servirão de exemplo, e que ainda Vossa Majestade graciosamente haja por bem declarar, para alívio e segurança adicionais do vosso povo, que é vossa régia intenção e vontade que, a respeito das coisas aqui tratadas, todos os vossos oficiais e ministros servirão Vossa Majestade de acordo com as leis e a prosperidade deste reino”.

A Lei de Habeas Corpus de 1679, da Inglaterra, para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das pressões no ultramar, no seu artigo primeiro rezava:

“A reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime (exceto tratando-se de traição ou felonia, assim declarada no mandato respectivo, ou de cumplicidade ou de suspeita de cumplicidade, no passado, em qualquer traição ou felonia, também declarada no mandato, e salvo o caso de formação de culpa ou incriminação em processo legal), o lorde-chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores, depois de terem visto cópia do mandato ou o certificado de que a cópia foi recusada, concederão providência de habeas corpus (exceto se o próprio indivíduo tiver negligenciado, por dois períodos, em pedir a sua libertação) em benefício do preso, a qual será imediatamente executória perante o mesmo lorde-chanceler ou o juiz; e, se, afiançável, o indivíduo será solto, durante a execução da providência (upon the return), comprometendo-se a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente”.

A Declaração de Direito de 1689 (Bill of Rights of 1689), documento feito na Inglaterra pelo Parlamento, que assegurava a liberdade, a vida e a propriedade privada, dispunha:

“A esta petição de seus direitos fomos estimulados, particularmente, pela declaração de S. A. o Príncipe de Orange (depois Guilherme III), que levará a termo a liberdade do país, que se acha tão adiantada, e esperamos que não permitirá sejam desconhecidos os direitos que acabamos de recordar, nem que se reproduzam os atentados contra a sua religião, direitos e liberdades”.

Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de junho de 1712 — Ermenonville, 02 de julho de 1778), filósofo suíço, figura marcante do Iluminismo francês, no seu Ensaio Sobre a Forma da República consignou:

“Portanto, para que o contrato social não seja uma fórmula vã, é preciso que, independentemente da concordância dos particulares, o soberano conte com certas garantias do seu compromisso com a causa comum. De modo geral o juramento é a primeira dessas garantias; mas como ele decorre de uma situação bem diferente, e como cada um modifica à sua vontade as obrigações que jurou assumir, conta pouco no âmbito das instituições políticas, sendo preferível, com boas razões, garantia mais efetiva. Assim, o pacto fundamental contém tacitamente esse compromisso, que só ele pode dar força a todos os demais: que aquele que recusar sua obediência à vontade geral será a isso obrigado pelo conjunto do corpo. Mas sobre este ponto é importante lembrar que a característica própria e clara desse pacto é a de que o povo só contrata consigo mesmo – isto é, o povo em seu conjunto, como soberano, tendo os indivíduos que o compõem na qualidade de súditos. Condição que compõe todo o artifício e o jogo do mecanismo político, e só ele torna legítimos, razoáveis e sem qualquer perigo compromissos que de outra forma seriam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos.

Essa passagem do estado da natureza para o estado social produz no homem uma mudança notável, ao substituir no seu comportamento o instinto pela Justiça, ao dar às suas ações um significado moral que antes não tinham. Só então, quando a voz do dever toma o lugar do impulso físico, e o direito substitui o apetite, o homem, que até então só levava em conta a si mesmo, descobre que está obrigado a agir segundo outros princípios, e a consultar a razão antes de obedecer às suas inclinações pessoais. Mas, embora nesse estado não tenha algumas das vantagens proporcionadas pela natureza, ele se beneficia de outras mais importantes, exercita e desenvolve suas faculdades, amplia suas idéias, enobrece seus sentimentos e eleva toda a sua alma a um ponto tal que, se o abuso da sua nova condição não o degrada a uma situação inferior à de antes, deveria abençoar o momento feliz que dela o afastou para sempre, transformando-o de um animal estúpido e limitado em um ser inteligente – em um homem.

Convém reduzir essa avaliação a termos facilmente comparáveis. O que o homem perde com o contrato social é a sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que lhe é necessário; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que tem. Para que não nos equivoquemos nessa avaliação, é preciso distinguir perfeitamente a liberdade natural, que só encontra limite na força do indivíduo, da liberdade civil limitada pela vontade geral; e a posse, ou o direito do primeiro ocupante, que só depende da força, da propriedade que se baseia em um título jurídico”.

A Declaração dos Direitos da Virgínia, de nítida inspiração Iluminista, de 12 de junho de 1776, anunciava:

“Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.

(…)

Que nenhum povo pode ter uma forma de governo livre nem os benefícios da liberdade, sem a firma adesão à justiça, à moderação, à temperança, à frugalidade e virtude, sem retorno constante aos princípios fundamentais.

(…)

Que a religião ou os deveres que temos para com o nosso Criador, e a maneira de cumpri-los, somente podem reger-se pela razão e pela convicção, não pela força ou pela violência; conseqüentemente, todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, de acordo com o que dita sua consciência, e que é dever recíproco de todos praticar a paciência, o amor e a caridade cristã para com o próximo”.

A Constituição dos Estados Unidos da América, discutida e aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia, na Pensilvânia, entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787, dispõe:

“O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios de culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas (Emenda IV).


Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização (Emenda V).

(…)

A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo (Emenda IX).

(…)

Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis (Emenda XIV)”.

A Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que dispunha:

“Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Artigo 1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Artigo 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

Artigo 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Artigo 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Artigo 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Artigo 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

(…)

Artigo 16º. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, proclama:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,   

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,   

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.   

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

(…)

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

(…)

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.   

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem  os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica, da Organização dos Estados Americanos, de 22 de novembro de 1969, estabelece: 

“Artigo I. Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

(…)

Artigo V. Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.  Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

(…)

Artigo XI. Proteção da honra e da dignidade

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.

Após aproximadamente quatro milênios de história universal com avanços e retrocessos nas conquistas do ser humano, aqui em nosso país chegamos finalmente à nossa nova e vigente oitava Constituição Republicana, de 5 de Outubro de 1988, que assim expressa:

“Preâmbulo

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais

Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

III – a dignidade da pessoa humana”.

O postulado da dignidade da pessoa humana, nas memoráveis palavras do eminente Ministro Celso de Mello, da Suprema Corte do Brasil, “representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo”.

Sempre que ao valor da dignidade da pessoa humana se opuser outro bem jurídico, mesmo que de assento constitucional ou legal, indubitavelmente deverá prevalecer aquele primeiro, dado seu valor inestimável alcançado nas caras conquistas da história da civilização universal.

Por esta razão, dando efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana, velando pela sua real aplicação e proteção no país, erigiu a Lei Complementar Federal 132, de 7 de outubro de 2009, a Defensoria Pública, como instrumento de promoção dos direitos humanos, estabelecendo expressamente em seu artigo 3º, alínea “a”, o seguinte:

“Artigo 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:

I – a primazia da dignidade da pessoa humana”.

Indo além, este novel diploma, aos anseios da promoção e realização da dignidade da pessoa humana, como valor universal histórico-político-social, sem fronteiras entre as nações, estabelece:

“Artigo 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(…)

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos”.

De todo o exposto, é possível se concluir que qualquer retrocesso em relação às atribuições conferidas à Defensoria Pública, ou sua mitigação, sem nenhuma dúvida, deve ser concebido como ato atentatório ao modelo protetivo da dignidade da pessoa humana traçado pela Constituição Federal, importando grave turbação do Estado Democrático de Direito, rumo à tirania e à barbárie.

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