Palácio da Paz simboliza uso do Direito em prol da paz
17 de agosto de 2010, 10h00
É lá na fria Haia, sede do governo holandês, onde está o símbolo maior do Direito Internacional e da tentativa dos países de se entenderem pelo diálogo, e não pela guerra. O seu nome não poderia ser diferente: Palácio da Paz, tradução literal do original em holandês, Vredespaleis. A construção tem mais de um século e sobreviveu intacta às duas guerras mundiais. É lá a sede da Corte Internacional de Justiça e da Corte Permanente de Arbitragem, esta última mais antiga que o palácio. O Vredespaleis é tema da segunda reportagem da série Capital Jurídica, sobre a Justiça Internacional, que a Consultor Jurídico publica esta semana.

O Vredespaleis é o maior exemplo do que é capaz de construír as nações unidas, assim mesmo, em caixa baixa. A verba principal para que ele existisse saiu do bolso de Andrew Carnegie, escocês que fez fortuna nos Estados Unidos e doou boa parte do seu direito para instituições sem fins lucrativos. Para a construção do Palácio da Paz, foi US$ 1.5 milhão, hoje equivalente a mais de US$ 34 milhões (quase R$ 60 milhões).
Para escolher quem faria o projeto, foi feito um concurso. O vencedor foi o arquiteto francês Louis Cordonnier, que teve de adaptar o seu desenho inicial para se encaixar no orçamento dedicado à construção. Para isso, teve a ajuda do arquiteto holandês Van der Steur. Seis anos depois, em agosto, verão na Holanda, o Palácio foi inaugurado com pompa, circunstância e Andrew Carnegie aclamado como herói. Um ano depois, estourava a Primeira Guerra Mundial.
A finalização da obra, no entanto, foi apenas a conclusão da base sólida do palácio. O que faz o Palácio da Paz ser o que é hoje está, principalmente, no seu interior. A contribuição de cada país permitiu a sua decoração deslumbrante, muitas vezes exagerada. Permitiu também, segundo contam no tribunal, que ele passasse incólume pela fúria de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial. Considerado espaço internacional, o palácio foi poupado dos bombardeios nazistas. Até porque os portões que impediam a entrada das tropas no palácio foram doados pela própria Alemanha.
Soma de esforços
O chamado para que cada nação contribuísse com a construção do Palácio da Paz partiu da França. A simbologia implícita na doação também tinha um quesito prático bastante importante. Sem as doações, o local não seria o que é hoje. E assim foi feito. A Holanda doou o terreno; a Alemanha, os portões. Grande parte do granito chegou da Noruega e da Suécia. A Suíça doou a torre do relógio. A Hungria, vasos.
Dos Estados Unidos, chegou ao Palácio a estátua Paz pela Justiça, uma espécie moderna de Thêmis, a deusa da Justiça. Na versão norteamericana, ela tem os olhos destapados e as mãos robustas livres, sem balança e espada. Do Brasil, partiu a madeira que decora o Japanese Room,

Os presentes de gregos, contados com bom-humor por quem trabalha no tribunal, não partiram da Grécia. Um deles, uma linda fonte no jardim interno do palácio (foto ao lado), com urso polar, focas e peixes feitos de porcelana, foi doado pela Dinamarca. O belo trabalho dinamarquês, no entanto, só pode ser visto no verão. Ironia. A delicadeza da porcelana não resiste às temperaturas abaixo de zero do inverno holandês. Nem a água da fonte, que congela. Nos meses frios, a fonte precisa ficar bem coberta.

O maior símbolo da paz e da união entre as nações, no entanto, está timidamente fora do palácio. É a chamada chama da paz, acendida por todos os países (foto ao lado). Em volta, pedras doadas por cada um deles.
Síndico do Palácio
Desde a doação de Andrew Carnegie até os dias de hoje, o Palácio da Paz é administrado pela Fundação Carnegie. Criada em 1904 para gerir a construção do Vredespaleis, a instituição hoje recebe verba também do Ministério das Relações Exteriores da Holanda.
Além da Corte Internacional de Justiça, da Corte Permanente de Arbitragem e da própria Fundação Carnegie, ficam no Palácio da Paz a Academia de Direito Internacional de Haia e a Biblioteca do Palácio da Paz, um dos maiores acervos de Direito Internacional. Esta última foi a condição imposta por Andrew Carnegie para bancar a construção do palácio.
Na academia, acontecem cursos de verão para jovens estudantes de Direito que são famosos por sua qualidade. Salas do tribunal podem ser alugadas para eventos e até para tribunais de arbitragem temporários. Dão uma pequena contribuição aos bolsos da instituição as visitas de turistas. Diariamente, o palácio recebe aproximadamente 10 grupos de turistas que querem conhecer as suas instalações e a sua história. Essa visita guiada só acontece com hora marcada com antecedência e o interessado pode escolher se quer um guia em inglês ou em francês, as línguas de trabalho do Palácio da Paz. Para entrar, paga-se 5 euros (pouco mais de R$ 10) e é permitido apenas olhar. Fotos são proibidas. A maioria dos turistas, no entanto, se contenta com olhar de fora, tirar fotografias da fachada e acompanhar o entra-e-sai de carros e bicicletas dos funcionários chegando ou saindo do palácio.
[Fotos: Aline Pinheiro e Carnegie Foundation]
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