SEGUNDA LEITURA

Suprema Corte das Filipinas supervisiona advogados

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de agosto de 2010, 10h41

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A República das Filipinas, país situado na Ásia, um arquipélago composto de 7.107 ilhas e uma população de 88.574.614 milhões de habitantes, descoberto no séc. XV pelo navegador português Fernão de Magalhães, a serviço do rei de Espanha. O nome Filipinas vem do Rei Filipe I de Espanha e de Portugal (e Brasil) por um período de tempo.

A Espanha dominou o país por 3 séculos e por isso é comum encontrar-se pessoas com o nome de Antonio ou Maria do Carmo e a religião católica é praticada por 80% da população. Em 1898 as Filipinas libertaram-se do domínio espanhol, mas passaram a ser propriedade dos Estados Unidos, que as adquiriram pelo Tratado de Paris e as dominaram por 48 anos. A língua oficial é o inglês e a mais popular o tagalog. O povo é educado e cordial.

No fim do mês de julho passado, a convite do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, fui a Manila, capital das Filipinas, palestrar no “Asian Judicial Symposium”, cuja finalidade principal era promover, entre juízes da Ásia, a troca de experiências na solução de casos ambientais. De outros continentes apenas eu, o juiz de Direito Adalberto Carim Antonio (Vara Ambiental de Manaus), uma juíza administrativa da agência ambiental federal americana e um promotor de Justiça da França.

Um desafio, sem dúvida, falar da prática do Direito Ambiental brasileiro para magistrados asiáticos. E isso depois de 33 horas de vôo e aeroportos, com escala no Qatar. Mas desafios têm sido a rotina de minha vida, a partir de 1969, quando, aprovado em concurso para Delegado de Polícia Federal, mudei-me para Brasília, rompendo com todas as fortes raízes familiares, sociais e profissionais.

O primeiro obstáculo foi a comunicação. É verdade que quase todos falavam inglês. Mas com distintos sotaques. A adaptação do falar aberto australiano (p. ex., day (dia) pronuncia-se “daí” ao invés de “dei”) ao forte acento do pessoal do Sri Lanka. E isto sem falar nos costumes. Ao dar a mão, cumprimentando uma juíza ambiental do Paquistão, senhora educada e elegante no trajar de seu país, recusou-me ela o cumprimento. Surpreso, recolhi a mão direita. Depois disse-me alguém que na religião predominante daquele país se cumprimenta com a mão esquerda, sendo a direita para a higiene pessoal.

No desenrolar do evento pude perceber que os magistrados presentes e seus órgãos judiciários, ainda que da mesma região, guardavam diferenças significativas. Notava-se uma liderança da Austrália, com Tribunais Ambientais antigos e respeitados. Da China, com uma delegação expressiva, chamava a atenção a simplicidade de uma juíza da Suprema Corte. Discreta e com boa formação cultural, portava-se como uma juíza a mais e não com a postura superior que costumam ter os juízes supremos em Tribunais ao redor do mundo. A Tailândia revelou ter Turma Ambiental dentro da Suprema Corte. A Malásia, noticiou a falta de precedentes judiciais e de qualquer tipo de especialização na área. Juízes da Índia demonstravam ter elevado nível cultural e informavam ter seu país criado mais de 300 Cortes Ambientais. A Indonésia revelou uma grande preocupação com a formação dos juízes e seus cursos não se limitam a palestras, mas também a relato de soluções em casos práticos.

Das Filipinas colhi alguns dados interessantes. O primeiro deles é que o sistema judicial é uma mescla da Civil Law (influência da Espanha) e da Common Law (influência norte-americana).

O Judiciário divide-se em 3 instâncias, sendo a Suprema Corte de Justiça o ápice. A “Judicial and Bar Council” é um órgão formado por 1 advogado, 1 professor, 1 juiz do Supremo aposentado e 1 representante do setor privado. No provimento de vaga na Corte, ele é que indica pelo menos 3 nomes ao presidente da República que escolhe 1, no prazo máximo de 90 dias. O jornal The Phillipine Star, de 29.7.2010, p. 2, noticiava a remessa de 6 nomes ao presidente, sendo Japar Dimaampao, de um Tribunal de Apelações, o mais votado.

O Supremo administra a Justiça, inexistindo Conselho semelhante ao CNJ. Nestas funções ele pode promulgar regras processuais (p. ex., a lei de ações coletivas), designar juízes temporários (até 6 meses) em caso de necessidade, supervisionar as atividades dos advogados e demitir juízes de Tribunais inferiores por mau procedimento, através do voto da maioria de seus membros.

Para ser juiz da Corte é necessário ter, no mínimo, 40 anos de idade e 15 de magistratura (na 1ª. ou 2ª. instância) ou de advocacia. O Supremo decide em Turmas ou, nos casos mais importantes, no Pleno (p. ex., constitucionalidade de lei). Há ações penais originárias, como no Brasil, e pode ser imposta prisão perpétua em crimes graves.

Para ser nomeado juiz de primeira instância ou de Tribunal de Apelação é preciso ser inscrito na Phillipine Bar (equivalente da OAB) e ser cidadão filipino. A Constituição fixa o prazo de 3 meses para que uma ação seja julgada na primeira instância, 12 meses em um Tribunal de Apelação e 24 meses na Suprema Corte.

Para encerrar, responderei a uma pergunta que já me fizeram algumas vezes: qual o caminho para ser convidado a participar de um congresso internacional?

Não há uma resposta única. Mas há algumas regras que devem ser observadas. A primeira delas é formar relacionamentos. E para tanto é preciso um passo inicial audacioso. Meu primeiro convite veio da Itália e só me pagavam a hospedagem. Não hesitei. Apanhei um avião da VASP em S. Paulo, desci em Roma e fui à maravilhosa Paestum. Lá fiz amizade com o chileno Raul Brañes e dele veio o convite para ir ao México, despesas pagas. Em Cancun fiz bons amigos latino-americanos e daí para a frente foi um crescer de amizades boas, algumas hoje antigas e de famílias, e de convites.

Para entrar neste mundo internacional é preciso (pelo menos) dominar o inglês e o espanhol (ainda que não perfeitamente), não reclamar de nada (p. ex., certa feita fui esquecido no aeroporto da Cidade do México), improvisar nos casos de necessidades, dispor-se a participar de um coquetel mesmo tendo viajado 27 hs de avião, ser sempre gentil e nunca arrogante, respeitar as diferentes culturas, encarar com espírito esportivo situações imprevistas (p. ex., uma ocasião fiquei 6 hs em uma sala de excluídos no aeroporto de Miami, a caminho de Honduras, porque esqueci o passaporte com o visto americano) e convidar os amigos para vir ao Brasil.

Aceitar desafios é o caminho para o crescimento humano e social. Experiências no exterior trazem cultura, amadurecimento e compreensão maior da natureza humana. Vale a pena pagar o preço, mesmo saindo da zona de conforto.

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