Política Limpa

"Podemos acelerar o processo mas sem ferir direitos"

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15 de agosto de 2010, 9h50

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Claudio Lamachia - OAB/RS - Spacca - Spacca

Definindo-se como um homem de diálogo, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul, Claudio Pacheco Prates Lamachia, conta ter aberto a entidade para a sociedade. Segundo ele, foi em sua gestão que o contato com os advogados filiados e com órgãos representativos provocaram forte atuação no Legislativo, onde a abertura é maior e as mudanças são mais duradouras. É dessa aliança, ele conta, que saíram projetos de lei como o que cria o período fixo de férias para os advogados durante o recesso judicial, e o que acaba com a possibilidade de compensação de honorários advocatícios pelos clientes, ambos já aprovados na Câmara dos Deputados e ainda tramitando no Senado. Outra proposta prevê que as sustentações orais sejam feitas depois da leitura do voto integral do relator nos processos julgados por tribunais.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Lamachia confirma que a fama de rebelde da Justiça gaúcha aos poucos vai cedendo à pressão da montanha de processos. Os juízes gaúchos não resistem a toda a jurisprudência dos tribunais superiores, mas apenas a decisões que, para eles, parecem insustentáveis. “Não adianta a água continuar batendo no rochedo e voltando. Isso só aumenta o número de processos”, afirma o presidente.

Entre suas principais batalhas estão a defesa da Lei da Ficha Limpa, o fim do foro privilegiado exceto nos casos em que a mudança atrase a tramitação dos processos, e a defesa de uma regulamentação inteligível para a Emenda Constitucional 65, nascida da chamada PEC do Calote, que autoriza os governantes a postergarem o pagamento de precatórios. Ele também se opõe à aplicação de multas pelos juízes no caso de advogados que abandonam processos, e a necessidade de renovação periódica de procurações em processos judiciais, imposta recentemente pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Formado em Direito há 24 anos na PUC-RS, Lamachia sempre trabalhou na advocacia pública como advogado concursado do Banco do Brasil (está afastado do cargo há oito anos para exercer atividade associativa de classe). Paralelamente, toca o escritório do avô desde o início da carreira e se especializou em Direito Empresarial. Rebento de uma família de advogados, Lamachia restabeleceu a tradição interrompida pelo pai, que optou pela administração de empresas. O sangue jurídico falou mais alto, inclusive na hora de casar. “Meu tataravô era advogado, assim como meu bisavô, meu avô, meus tios, meu irmão, minha esposa, e até o pai e o avô dela”, conta. Segundo ele, as duas filhas, de quatro e sete anos, deixariam o pai orgulhoso caso seguissem os passos. “A de sete já dá uns pitacos, porque de vez em quando ouve discussões das mais apertadas.”

Mas nem o emprego, nem o escritório próprio conseguiram afastar o advogado da atividade associativa. “Tenho uma veia muito forte nessa questão”, assume. Além da presidência da OAB gaúcha, ele acumula os cargos de presidente da Associação Nacional dos Advogados do Banco do Brasil, vice-presidente da Federação Nacional dos Advogados, diretor do Sindicato dos Advogados do Rio Grande do Sul, e presidente do Fórum dos Conselhos de Classe de Profissões Regulamentadas no Rio Grande do Sul.

Participaram da entrevista Lilian Matsuura, chefe de redação da ConJur, e a repórter Mariana Ghirello.

Leia a entrevista.

ConJur — A Justiça do Rio Grande do Sul sempre levou a fama de ser rebelde em relação à jurisprudência dos tribunais superiores. Qual é sua visão?
Claudio Lamachia — Isso está mudando muito, em função do grande acúmulo de processos. A tão falada Justiça alternativa no Rio Grande do Sul acabou, de alguma forma, sendo modificada. Isso se deve também a novos mecanismos como as súmulas vinculantes e as decisões dos tribunais superiores em casos de relevância. Não adianta a água continuar batendo no rochedo e voltando. Isso só aumenta o número de processos.

ConJur — A liberdade dos juízes está diminuindo?
Claudio Lamachia — A independência do juiz é uma das formas da construção da jurisprudência. Mas eu não diria que os juízes vão contra o que o STJ e o STF têm decidido. Eles têm sua linha de pensamento, apontam efetivamente o que entendem que seja correto. O que a gente está vendo hoje, e não é só no Rio Grande do Sul, é uma tendência de que os magistrados de primeiro e de segundo graus passem a avaliar de uma forma mais objetiva e pragmática as decisões do STJ e do STF, para aplicá-las diretamente nos seus julgados, por força justamente dessa corrente de busca de finalização de processos. Porque de nada adianta o processo chegar no STJ ou no STF e voltar aos graus inferiores para que tenham julgamento de acordo com a jurisprudência já pacificada nesses tribunais.

ConJur — Como o senhor vê esses filtros do Judiciário?
Claudio Lamachia — Interessantes e válidos, mas não colocam todas as decisões no mesmo foco. Nós vivemos um momento extremamente complicado, em que o Judiciário não dá mais conta da demanda. Temos que buscar, primeiro, novos mecanismos para agilizar os processos. Mas também precisamos começar a enfrentar a questão do grande volume de processos envolvendo uma pequena quantidade de clientes, grandes clientes, que demandam de forma exagerada no Judiciário.

ConJur — Quem são esses?
Claudio Lamachia — Estado, União, municípios, grandes corporações, empresas de telecomunicações, de cartões de crédito, grandes financeiras, grandes bancos. Por que esses pequenos grandes clientes não cumprem nem fazem cumprir a lei em determinados momentos? Quando o Estado passa, de uma forma reiterada, a levar recursos até o STJ ou o STF, muitas vezes sabendo que os casos já estão perdidos, está contribuindo com a Justiça? Quem paga essa conta somos todos nós. Tenho saudado as últimas determinações da AGU de que os procuradores examinem efetivamente processos que mereçam recurso, uma vez que ninguém está defendendo que o Estado não deva buscar seus direitos. O que eu critico é essa cultura de empurrar processos até o STJ ou até o STF sem que se tenha a convicção de que se vai ganhar.

ConJur — A culpa pelo acúmulo de processos, então, é das partes?
Claudio Lamachia — Não da parte que entra para buscar seu direito. Mas quando as partes demandam, temos que saber a linha de até onde se pode ir. Quando temos decisões pacificadas e processos de massa, eles devem ser tratados de forma responsável, para não sobrecarregar o Judiciário.

ConJur — O fornecimento forçado de medicamentos pelos governos obtido na Justiça é uma das razões de muitas ações. Com que o Estado deve se preocupar: com o doente, ou com o orçamento do qual depende um sem número de pessoas?
Claudio Lamachia — O Judiciário não tem como papel implementar políticas publicas, mas tem o compromisso de fazer aplicar a lei. Por outro lado, o que acontece é que o Estado gasta mal em outras áreas. Até que ponto, por exemplo, o Estado, ao não abastecer o Judiciário de recursos necessários, está cumprindo seu papel? Até que ponto a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal para os três Poderes, de forma igual, está correta?

ConJur — O senhor defende a autonomia financeira do Judiciário?
Claudio Lamachia — Total, não. A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe mecanismos efetivos de controle. O que tenho defendido é até onde a Lei deve ser aplicada em relação ao Judiciário.

ConJur — Por que?
Claudio Lamachia — A autonomia tem de levar em consideração a capacidade de gerenciamento do Judiciário, e de qualquer um dos Poderes. No Rio Grande do Sul, nós chegamos a ter um fundo de reaparelhamento no Poder Judiciário, com depósitos judiciais. Isso funcionou muito bem até determinado momento, porque é um modelo que traz outros mecanismos de gestão para o Judiciário, e outras formas de remuneração para a Justiça. Mas é preciso ter cuidado para que esse fundo não seja tirado do poupador. É o spread bancário que, em vez de ir para o banco, vai para o fundo de reaparelhamento. Esses recursos vão para a construção de novos foros, investimento em tecnologia da informação, pagamento de honorários de advogados dativos etc.

ConJur — A produção crescente de processos não é culpa também da litigiosidade do advogado?
Claudio Lamachia — O advogado é talhado, forjado para a negociação, a conciliação. A ciência do Direito também trabalha com isso. Seria um grande passo a elaboração de uma legislação segundo a qual, necessariamente, antes de demandar em juízo, houvesse uma conciliação prévia entre advogados.

ConJur — A redução da possibilidade de recursos é uma saída plausível?
Claudio Lamachia — Diz-se muito que a redução do número de recursos vai diminuir o tempo de vida dos processos, mas isso é um equivoco. Não podemos reduzir direitos do cidadão, mas implementar formas para que o processo seja ágil.

ConJur — Quais?
Claudio Lamachia — Podemos começar por aumentar o número de juízes e de servidores, e do espaço físico do foro. Mas há outras soluções alternativas. Podemos investir com maior ênfase em tecnologia da informação. Será que não começamos a fazer isso tarde demais?

ConJur — Como a advocacia está se preparando para a implantação do processo eletrônico?
Claudio Lamachia — Todos nós acabamos trabalhando com a ideia da informatização com um pouquinho de falta de agilidade. Deveríamos ter começado isso há mais tempo. Mas desde o primeiro momento em que isso começou a acontecer, a OAB do Rio Grande do Sul abriu suas portas com cursos para os advogados, cursos gratuitos, bancados pela Ordem. No Rio Grande do Sul, o processo no Tribunal Regional Federal da 4ª Região é todo eletrônico. O Tribunal de Justiça ainda não conseguiu implementar o seu processo eletrônico, isso devido à falta de recursos e ao fato de termos começamos tarde nesse processo. De outro lado, os advogados de mais idade desenvolveram a carreira em outro momento, e têm dificuldades de adaptar a essas novas tecnologias. Compete à OAB e aos tribunais assessorar esses profissionais para que rapidamente sejam integrados.

ConJur — Eles procuram a Ordem para se atualizar?
Claudio Lamachia — Os cursos de processo eletrônico superlotam. Tenho problema de espaço. Chego a usar dois ou três auditórios, e distribuo a tarefa para o estado inteiro. Tenho hoje no estado do Rio Grande do Sul 105 subseções da OAB, e 80 mil advogados cadastrados. Iniciamos em 2007 um processo de incremento na gestão da Escola Superior de Advocacia, com cursos telepresenciais. Instalamos antenas no estado todo, nessas subseções, e começamos a utilizar satélites para que nós pudéssemos ter uma escola instalada em cada uma das subseções. Agora, com essa demanda tão forte para os cursos de processo eletrônico, estou utilizando essa tecnologia de ponta. Já desenvolvemos quatro ou cinco desses cursos. Agora, eles também estão na internet.

ConJur — O Rio Grande do Sul, depois de São Paulo, é quem mais manda recursos para o STJ. Por que?
Claudio Lamachia — Proporcionalmente, o Rio Grande do Sul é responsável pela maior demanda no STJ. Um dos motivos é a qualidade da advocacia do estado. Temos uma advocacia bem formada, consciente dos seus direitos e deveres. Outra razão é a característica do próprio gaúcho, aguerrido, que vai atrás dos seus direitos. Além disso, os próprios tribunais no estado não se conformavam com algumas decisões do STJ ou do STF e, portanto, nossas decisões acabavam chegando lá. No Rio Grande do Sul, há uma certa reiteração sobre as teses que os magistrados gaúchos entendem que sejam as corretas.

ConJur — A Justiça gaúcha surpreendeu quando decidiu mandar presos para casa devido à superlotação. O que mudou desde então?
Claudio Lamachia — Aquilo movimentou operadores do Direito, não só de juízes, mas também membros do Ministério Público e a própria OAB. Alguns juízes resolveram determinar a liberação de presos com menor periculosidade, que não tinham antecedentes ruins dentro do presídio, e que já estavam em fase de semi-aberto. A intenção foi de buscar, com essa decisão, a liberação de outras vagas para presos mais perigosos. O que vemos agora é que o estado vem investindo forte na área prisional. Temos a expectativa de abertura de um número considerável de vagas. Portanto, esse debate foi extremamente saudável.

ConJur — O tema Justiça Criminal inspira uma série de debates. Na sua opinião, o que precisa mudar?
Claudio Lamachia — Defendo que as audiências sejam gravadas em vídeo e áudio. Isso resolveria muito dos conflitos que ainda vemos entre a advocacia e o Judiciário, e garantiria as prerrogativas de todos os lados, magistrados e advogados. Traria a prova cabal do descumprimento de uma ou outra regra determinada na audiência. Faria com que as pessoas que estivessem conduzindo essas audiências tivessem a segurança de que tudo que estão fazendo está sendo efetivamente registrado.

ConJur — Mas o registro já não fica nas atas?
Claudio Lamachia — Fica, mas nem tudo que está na ata aconteceu no processo. E uma pessoa, quando sabe que está sendo gravada e filmada, tem a certeza de que o comportamento dela naquele momento está sendo efetivamente reproduzido. Isso facilitaria que nós tivéssemos o respeito das prerrogativas da advocacia, da magistratura e dos demais autores dos processos. Quando alguém fosse desrespeitado, a gravação permitiria uma solução imediata.

ConJur — Que tipo de problemas isso poderia evitar?
Claudio Lamachia — Quantas e quantas vezes tivemos denúncias de advogados alegando que o magistrado se negou a colocar falas na ata, de uma pergunta que deixa de ser consignada, uma condução da audiência que poderia levar para esse ou aquele lado, ou de uma eventual indelicadeza de um juiz para com um advogado, ou de um advogado para com um juiz… A imparcialidade muitas vezes é ferida. A OAB defende com intransigência uma lei que criminalize o desrespeito às prerrogativas da advocacia. O desrespeito a uma prerrogativa do advogado é um desrespeito ao próprio cidadão que está sendo representado pelo advogado.

ConJur — Existem relatos e até decisões judiciais que denunciam a prática de alguns advogados de se associar ao crime. Como a OAB tem agido na fiscalização e punição?
Claudio Lamachia — Só nesses últimos meses, nós excluímos seis advogados dos quadros da ordem. Encontrei processos de advogados que, por exemplo, se apropriaram de recursos de clientes. O Tribunal de Ética e Disciplina tem trabalhado como nunca, com suspensões e exclusões. Advogado é advogado, e criminoso e bandido tem que estar fora. A Ordem não pode de maneira nenhuma passar a mão por cima de desvios éticos no dia-a-dia. À OAB é dada a competência de fiscalização. Garantindo o direito de defesa de todos advogados, ela tem que julgar com celeridade.

ConJur — O Tribunal de Justiça editou um provimento que obriga a renovação periódica das procurações dos advogados para que os depósitos sejam sacados. Como a OAB encarou a determinação?
Claudio Lamachia — A Ordem não concorda com essa interpretação. Ela está contrariando os ditames da Lei 8.906. A lei diz que, quando o advogado junta a procuração ao processo, com poderes especiais para transigir, receber e dar quitação, acabou. Essa ideia de renovação de procuração não existe na lei.

ConJur — Mas isso não seria uma forma garantir segurança tanto para o cliente quanto para o advogado?
Claudio Lamachia — O fato de revalidarmos uma procuração traz mais insegurança ainda. Imagine em um processo que tramitou por dez anos o advogado tendo de pegar seu contrato de honorários e sua procuração, chamar novamente o cliente e perguntar: “o senhor revalida este ato aqui?” O ato é valido, a procuração não foi revogada e o contrato não foi rescindido, não foi denunciado. Uma situação como essa pode trazer conflito. Vamos questionar isso no Conselho Nacional de Justiça.

ConJur — E quanto aquela outra questão que o advogado poderia ser penalizado se abandonasse o processo? Também existe uma briga da OAB com relação a isso?
Claudio Lamachia — A questão do artigo 265 do Código de Processo Penal é um tema muito caro para nós do Rio Grande do Sul. Vivemos isso com muita intensidade. Essa alteração do Código deu ao magistrado a faculdade de punir o advogado. Entendeu-se que, por exemplo, que o magistrado poderia multar um advogado que não comparecesse, por exemplo, a uma audiência que não interessasse a ele, em município fora da comarca original do processo, para acompanhar o testemunho de pessoas arroladas por outra parte. Ora, quem fixa multa aos advogados é a OAB. No Rio Grande do Sul, atuamos fortemente por meio de pedidos de correição, dando suporte aos profissionais, colocando inclusive a comissão de defesa das prerrogativas da advocacia nessas questões. Como começamos a verificar que o volume de ocorrências desse tipo estava crescendo muito no estado, em vez de apenas questionar a lei em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que foi requerida ao Conselho Federal, achamos por bem apresentar um projeto de lei alterando o artigo 265 do CPP, por meio da bancada de deputados federais gaúchos. Esse projeto está na Câmara dos Deputados. Buscamos essa alteração de uma forma simples, pela qual o texto da lei continua o mesmo, mas se outorga à OAB a capacidade de avaliar se é caso de punir ou não o profissional, após o juiz nos comunicar.

ConJur — Como se está lidando com a questão dos precatórios no Rio Grande do Sul?
Claudio Lamachia — Está um caos, ainda mais depois do último regramento do CNJ, que traz inúmeras outras formas de interpretação da Emenda Constitucional 65. Nós temos uma PEC do Calote, que agora permite o calote do calote. A PEC do Calote está recebendo um novo calote. Ela não é respeitada, não é regrada com a agilidade necessária, e as pessoas continuam sem receber aquilo que lhes é de direito. Estamos tentando compor uma forma de regramento que seja o mais correto possível. Esperamos também ansiosamente pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que a OAB interpôs.

ConJur — O que não está funcionando?
Claudio Lamachia — Temos a questão dos idosos, dos doentes, da preferência. A principal dificuldade é a ordem. Quem dá o laudo da doença? Qual é o laudo que deve ser aceito em caso de doença? A situação está tão absurda que não conseguimos terminar sequer um regramento que sirva de consenso entre advogado, Judiciário e Estado. A verdade é que a emenda, além de ser inconstitucional, ficou muito confusa. Temos que buscar seu cumprimento enquanto ela não for declarada inconstitucional.

ConJur — O problema também não está na falta de recursos para tanta gente?
Claudio Lamachia — Não. O estado do Rio Grande do Sul afirmou ter condições de pagar o que está determinado na emenda constitucional, já mobilizou os recursos. No ano anterior ao de aprovação da emenda, o governo do estado já tinha assumido um compromisso de pagamento de R$ 300 milhões em precatórios. Esse valor bate mais ou menos com o que determina a emenda.

ConJur — Como tem sido a relação com os tribunais quanto ao quinto constitucional?
Claudio Lamachia — No Rio Grande do Sul, surpreendentemente, os tribunais respeitam profundamente as listas da Ordem. Nos três anos e meio da minha gestão, não tive nenhum problema com o quinto, para que há uma compreensão. Foram cinco vagas preenchidas no Tribunal de Justiça até agora, e estamos com mais uma em andamento. Fiz outras duas indicações para o Tribunal Regional do Trabalho, também sem qualquer problema. Há uma vaga aberta para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, depois da aposentadoria do desembargador federal Valdemar Capeletti.

ConJur — Como o quinto precisa ser encarado por tribunais e pela OAB?
Claudio Lamachia — O quinto constitucional é importante para o arejamento dos Tribunais, devido à visão que o advogado leva de cidadania para dentro das cortes. Significa o cumprimento da própria Constituição Federal. A ordem também tem que assumir a responsabilidade de indicar bons nomes, que representem a excelência da advocacia.

ConJur — Como o doutor vê a representação gaúcha aumentando no Judiciário?
Claudio Lamachia — Fico feliz em ver o número de gaúchos que hoje estão em Brasília, em postos chaves, em entidades, em associações. Isso demonstra que o povo gaúcho tem honrado com seu compromisso nas mais diversas áreas, e por isso tem sido reconhecido também pelo restante do país. Há poucos dias tivemos a indicação de um gaúcho para o STJ, o desembargador Paulo de Tarso Sanseverino, que inclusive recompõe uma das vagas que tínhamos lá. Ele chegou de uma forma muito bonita, por meio de um esforço concentrado, articulado por todas as forças vivas da sociedade civil. É muito importante a Ordem saber interagir com a sociedade, com os poderes, sair do confronto. É importante termos pessoas vinculadas ao nosso estado em postos chave.

ConJur — Como o senhor analisa a atuação do CNJ, diante das críticas de que o órgão tem exercido mais o papel de corregedoria?
Claudio Lamachia — Só tenho elogios. O Conselho Nacional de Justiça veio em boa hora e está cumprindo seu papel de forma exemplar. Ele tem que atuar assim, buscando correções administrativas, mas também a correição como corregedoria quando houver desvios, seja da conduta dos magistrados, seja quanto ao esquecimento de processos que não são julgados.

ConJur — O Conselho Federal da OAB fala pela advocacia quando defende projetos como a Lei da Ficha Limpa ou a prisão preventiva do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda? Esse não é um discurso do Ministério Público?
Claudio Lamachia — Com relação a essa questão de ficha limpa, temos no mínimo duas correntes no seio da advocacia. Uma defende a inconstitucionalidade da lei, dizendo que ela atropela a presunção de inocência. E outra que entende que não há nenhum ferimento à presunção de inocência, porque a inelegibilidade não é pena, e sim condição prevista na própria Constituição Federal. Isso já deveria ter sido regulamentado há mais tempo. Entendo que a lei foi e é extremamente importante pelo momento que nós vivemos. Independentemente dessas discussões de natureza jurídica, respeito as duas correntes, mas minha posição é a mesma que o Conselho Federal defende. Basta que se faça uma pequena pesquisa para verificarmos que, do ano de 2007 para o ano de 2010, nós tivemos praticamente 100% de aumento de ações contra parlamentares no STF. São quase 400 ações contra deputados e senadores, isso em um país que tem 513 deputados e 81 senadores no Congresso Nacional. Nós vivemos uma crise ética sem precedentes. Vivemos uma crise ética sem precedentes, e algo tinha que ser feito.

ConJur — Isso justifica a retroação da lei para fatos anteriores à sua vigência?
Claudio Lamachia — A Lei da Ficha Limpa não é uma inovação brasileira, veio de países da Europa. Aqui, vamos ter muitas discussões com relação à sua validade, à sua constitucionalidade. Entendo que é constitucional. A discussão inicial no Tribunal Superior Eleitoral não resolve, ela ainda será questionada no Supremo Tribunal Federal. Paralelamente a isso, buscamos dar aplicabilidade imediata para os princípios insculpidos na lei no Rio Grande do Sul. A OAB, juntamente com inúmeras entidades como federações, força sindical, sindicatos, CNBB, associações de imprensa, maçonaria unida, instamos formalmente, via ofício, que partidos políticos em atividade no estado assumissem um compromisso conosco, sociedade civil, de fazer valer para esta eleição as determinações da lei. Tivemos a adesão de 12 grandes partidos no estado. Cada cidadão brasileiro, cada cidadão do Rio Grande do Sul, também deve dar sua contribuição, o que inclui, principalmente, os partidos políticos. É ele quem tem a chave do cofre. Se ele quiser, pode depurar a política. A sociedade, por meio de quase dois milhões de assinaturas, buscou exatamente isso.

ConJur — E quanto à retroação?
Claudio Lamachia — Temos que olhar se nesses casos o equivoco não é de interpretação da lei. Ou seja, estão querendo dar uma abrangência para a lei que ela não tem. Mas a lei é boa no seu contexto.

ConJur — O doutor já se manifestou contra o foro privilegiado para ex-agentes políticos. Por que essa postura?
Claudio Lamachia — O que estão pretendendo com a PEC 358 é um verdadeiro escárnio. O foro privilegiado, na sua forma atual, já precisa ser objeto de uma profunda reflexão. Um artigo pequenininho, que está dentro de uma PEC importante, que é a PEC 358, que trata da Reforma do Judiciário, das carreiras da advocacia pública e de tantos outros temas importantes. Já imaginaram em um país com mais de 5,5 mil municípios, termos todos os ex-agentes políticos na condição de se beneficiar do foro privilegiado? Será que os processos vão terminar? Ou será que teremos um verdadeiro terremoto da impunidade?

ConJur — Mas isso não evitaria as idas e vindas dos processos entre a primeira instância e as superiores devido ao fim do mandato dos eleitos? Há ações que prescrevem nesse intervalo.
Claudio Lamachia — Não sou contrário ao foro privilegiado para os atuais agentes políticos. Nesse caso especifico, o ping-pong é mais um fator para a morosidade do julgamento desses processos. Mas mesmo que o processo permaneça nas cortes superiores, quem nos garante que serão julgados? Tribunais Superiores não são afeitos à instrução. No Rio Grande do Sul, nós temos câmaras especializadas para julgar agentes públicos, o que está dando um resultado muito bom. Temos também que dar maior celeridade para determinados tipos de processos.

ConJur — Como o senhor avalia sua gestão à frente da OAB-RS?
Claudio Lamachia — Eu assumi a OAB do Rio Grande do Sul com um norte, que foi o de abrir a entidade aos advogados. A Ordem estava extremamente fechada, e com muitas dívidas. A OAB tem que ter transparência plena em sua gestão. Há três anos e meio não se falava de portal de transparência. Eu assumi a presidência e em um mês abri um portal de transparência. Criei uma controladoria interna para interagir com os advogados. Entendi também que, além da transparência, tinha que melhorar a comunicação com os advogados. Buscamos os advogados para que eles dissessem o que esperavam da Ordem. Fazemos audiências públicas sobre diversos temas.

ConJur — E qual tem sido o destino dessas conversas?
Claudio Lamachia — Quebramos alguns paradigmas e começamos a propor, junto à nossa bancada de deputados federais, projetos de lei como o que institui férias para os advogados. Isso começou no Rio Grande do Sul, com uma proposta de suspensão de prazos dentro do recesso da Justiça Federal. A proposta foi aprovada na Câmara, mas chegou no Senado e aí começou a sofrer algumas resistências por parte dos juízes e servidores federais. Isso porque, com a alteração que ela sofreu no Senado por conta de uma emenda parlamentar, esses dias seriam considerados não dias de feriado pela lei federal, mas sim dias de suspensão de prazo. Portanto, os servidores perderiam aquele período que se incorpora nas férias de 60 dias. Foi então que se trabalhou nessa PEC, que visa uma acomodação disso. Outro projeto de lei importantíssimo para a advocacia visa acabar definitivamente com a possibilidade da compensação da verba honorária. Com a compensação dos honorários determinada pelo juiz, muitas vezes o advogado acaba não recebendo nada. O projeto de lei já está aprovado na Câmara, e aguarda na comissão de Constituição e Justiça do Senado. Apresentamos também uma proposta que altera o artigo 554 do Código de Processo Civil, permitindo que o advogado possa exercer seu direito de sustentação oral depois de ouvir não só o relatório, mas também o voto do relator no tribunal. Ele deve ter, na amplitude, conhecimento daquilo que diz o relator no processo. Isso iguala em forças ou, no mínimo, reduz a desigualdade. O advogado vai à tribuna, faz uma sustentação oral inteira, e quando vê, o relator faz uma colocação completamente diferente daquilo que foi abordado. O advogado não tem sequer condições de poder dizer: “isso não é assim”.

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