Advocacia em Portugal

Exame para estagiários é contestado na Justiça

Autor

12 de agosto de 2010, 8h23

Uma medida introduzida pelo presidente da Ordem dos Advogados de Portugal, António Marinho e Pinto, está sacudindo a advocacia portuguesa desde o começo do ano. No final de dezembro, a Ordem, sob a batuta de Marinho e Pinto, criou um exame para que formados em Direito possam ingressar no estágio, que é obrigatório para se tornarem advogados profissionais. A medida não agradou nem os estudantes, nem os escritórios de advocacia. Agora, sua constitucionalidade está sendo discutida no Tribunal Constitucional de Portugal.

O responsável por contestar oficialmente e em caráter nacional a validade da prova é o provedor de Justiça português, Alfredo José de Sousa. A função do provedor de Justiça, figura presente em vários países europeus, é ser o ombudsman da sociedade. Na ação ao Tribunal Constitucional, ele pede que a exigência do exame para os estagiários seja considerada inconstitucional. O principal argumento de Sousa é que a prova foi instituída por regulamento da própria Ordem, e não por lei aprovada pelo Parlamento, como deveria ser.

A prova foi criada em dezembro do ano passado, por meio de uma alteração no Regulamento Nacional de Estágio da Ordem portuguesa. Uma das justificativas da Ordem é a massificação do ensino jurídico no país e a consequente queda de qualidade. Um exame de admissão aos quadros da Ordem, no entanto, não é novidade no país. Até o ano passado, o recém-formado em Direito precisava passar por um estágio obrigatório de dois anos em um escritório de advocacia e, concluído, fazer uma prova da Ordem para obter o registro. A diferença é que, agora, para começar o estágio, o bacharel precisa primeiro ser aprovado no exame para estagiários.

A primeira prova foi aplicada em março e já mostrou o potencial de estrago que a criação da avaliação tem — seja porque os recém-formados não estão preparados para ela ou porque o exame exige demais. O índice de reprovação foi de quase 90%. Dos 288 que fizeram a prova, só 32 foram aprovados.

Alguns estudantes já recorreram à Justiça para garantir o estágio mesmo sem a aprovação da Ordem. Em entrevistas para a mídia portuguesa, escritórios de advocacia afirmaram que não consideram a prova válida e contratam estagiários mesmo sem terem sido aprovados. Eles justificam que confiam no próprio critério de seleção dos estagiários.

O rebuliço de Bolonha

Para o provedor de Justiça, José de Sousa, está implícita na alegada motivação da Ordem para criar o exame – a queda da qualidade do ensino jurídico – os efeitos do chamado Processo de Bolonha, desencadeado pela Declaração de Bolonha. Assinada em 1999, a declaração hoje conta com a adesão de mais de 40 países europeus e tem como objetivo criar uma área comum de ensino superior na Europa. Com a adesão ao pacto, os países tiverem de submeter o ensino superior a uma reforma.

Em Portugal, os cursos de Direito, que antes duravam cinco anos, hoje podem ser concluídos em três anos. O presidente da Ordem já admitiu, em outras ocasiões, que essa redução é uma vergonha. De acordo com a regra criada por ele, o exame para o estágio só é necessário para quem se formou após o Processo de Bolonha.

Para José de Sousa, no entanto, a justificativa não basta. Ele afirma que o Estatuto da Ordem é claro ao colocar os pré-requisitos para alguém ser advogado. O estágio obrigatório é um deles, mas não há qualquer alusão a um exame para começar o estágio, diz. Sousa afirma que a criação dessa prova, ao restringir o acesso à advocacia, restringe também a liberdade de escolha da profissão, direito garantido pela Constituição portuguesa. O provedor afirma que esse direito só pode ser limitado por meio de lei aprovada pelo Parlamento, e não por regulamento da Ordem, como foi feito. Ele cita jurisprudência do Tribunal Constitucional em casos semelhantes.

Junto com o pedido de inconstitucionalidade feito ao Tribunal Constitucional, José de Sousa também enviou uma Recomendação à Assembleia da República, o Parlamento português, para que faça uma revisão no Estatuto da Ordem dos Advogados. O que o provedor quer é que o Parlamento esclareça o artigo 187, que afirma que “podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direitos por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados”. No período pós-Bolonha, as licenciaturas têm duração distintas do que tinham antes, alega o provedor. Por isso, os parlamentares precisam esclarecer qual o requisito para fazer o estágio.

Imbróglio semelhante sofreu a Magistratura portuguesa. Em janeiro de 2008, o Parlamento resolveu a questão aprovando lei que diz que aqueles que fazem a prova para Magistratura precisam ter Mestrado ou Doutorado, se tiverem concluído a graduação no período pós-Bolonha. Para quem concluiu antes, basta a licenciatura obtida na faculdade,

A revista Consultor Jurídico procurou a Ordem dos Advogados de Portugal, por e-mail, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Clique aqui para ler o pedido de inconstitucionalidade enviado ao Tribunal Constitucional e aqui para ler a Recomendação enviada à Assembleia da República.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!