A coluna de Joaquim

Ministros esperam definição sobre saúde de JB

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10 de agosto de 2010, 17h12

Carlos Humberto/SCO/STF
Ministro Joaquim Barbosa na sessão da 2ª Turma. (10/08/2010) - Carlos Humberto/SCO/STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal esperam uma definição sobre a situação do colega Joaquim Barbosa, que está em licença médica desde abril. A recente reportagem publicada pelo jornal do Estado de S.Paulo, com fotos em que o ministro aparece em uma festa e em um bar em Brasília, causou mal estar na Corte. Mas a renovação da licença médica não é o principal problema do ministro no tribunal. Seu afastamento apenas fez aflorar um latente desconforto interno.

Até há pouco tempo, nos círculos de ministros do Supremo e de outros tribunais superiores, comentava-se com discrição o estranhamento entre o ministro Joaquim Barbosa e parte de seus pares. A situação mudou: “Hoje, o pessoal se sente mais solto para criticar o Joaquim”, afirma um ministro. O motivo, segundo ele, são as contradições em que o ministro se meteu ao, de um lado, cobrar coerência de seus colegas em público e, de outro, se afastar das atividades profissionais por motivo de saúde sem sacrificar a agenda pessoal.

Seria ingenuidade tentar esconder que os ministros competem entre si. Uma competição saudável: quem traz a melhor doutrina, os precedentes mais adequados, a crítica mais eficiente, o paradigma mais contemporâneo para reformular um entendimento antigo. Cada qual à sua maneira, dentro do seu campo de competência, luta para introduzir na doutrina e na jurisprudência da Casa a sua contribuição.

O limite da competição sempre foi o respeito público que os ministros cultivam uns pelos outros. O ministro Joaquim Barbosa acabou isolado no tribunal por ultrapassar esse limite. Barbosa questiona a honestidade de seus colegas porque acha indecoroso receber advogados. Afirma que ele, diferentemente dos demais, preocupa-se com o efeito de seus votos. Ofendeu colegas interna e externamente por discordar de suas decisões (veja abaixo a lista de desentendimentos entre Joaquim Barbosa e outros ministros).

Apesar da solidariedade que muitos de seus colegas demonstraram em relação às últimas notícias sobre o ministro, a avaliação é a de que a imagem do Supremo saiu, mais uma vez, arranhada. “Há um desgaste para a instituição. Sou solidário ao problema do ministro Joaquim, mas é preciso haver uma definição. O caso pode ser submetido à análise de uma junta médica, que dirá se o ministro tem a possibilidade de se recuperar”, opina um de seus colegas.

Até os mais comedidos que, em público, o defendem, em caráter privado criticam as seguidas licenças que deixam prostrados em seu gabinete mais de 13 mil processos. O presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso, cogitou a possibilidade de avaliação por uma junta médica. Diante da repercussão de sua decisão na imprensa, telefonou para Joaquim Barbosa e pediu que o ministro aparecesse para julgar os casos urgentes. O pedido foi ouvido e Barbosa estará no STF ao menos na próxima semana.

Apesar disso, a opinião comum é a de que é preciso que se defina a situação para que os colegas não fiquem sobrecarregados e os processos no gabinete do ministro voltem a tramitar. Os ministros esperam mais do que soluções momentâneas.

Mas há os que saem em defesa do ministro Joaquim Barbosa. “Não se trata de corpo mole. Ele dá sinais de que está sofrendo com o tratamento. Já o vi subir e descer escadas com dificuldade. Ele não renunciaria à presidência do Tribunal Superior Eleitoral e, consequentemente, à direção das eleições de 2010 se não tivesse um problema de saúde. Não abriria mão disso”, afirma outro colega de tribunal.

Na volta temporária à Corte, Barbosa e Peluso conversarão sobre a situação e a repercussão da licença não apenas para a imagem do tribunal, mas sobretudo para o andamento dos processos que estão parados neste período. Nesta terça-feira (10/8), Joaquim Barbosa já participou dos julgamentos da 2ª Turma do Supremo.

Outra preocupação dos ministros é com a possível redistribuição dos 13 mil processos sob relatoria do ministro Joaquim Barbosa, defendida pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante Júnior. “Cada um de nós receberia quase dois mil novos processos. Já é difícil dar conta dos nossos, imagine partilhar os processos de colegas”, protesta um ministro.

Em nota à imprensa divulgada nesta segunda-feira (9/8), o ministro Joaquim Barbosa afirma que os dados médicos que amparam sua licença estão fartamente documentados no serviço médico do Supremo. Também diz que seus “poucos momentos de lazer” são permitidos e até aconselhados pelos médicos que o assistem.

Voz das ruas

A preocupação dos ministros com a situação tem a exata medida da repercussão que a licença médica e as saídas de Joaquim Barbosa por Brasília tiveram na sociedade. O assunto tomou conta da comunidade jurídica. Não há roda de tribunal em que não se fale sobre o tema.

O presidente da OAB enviou ofício ao presidente da República nesta terça-feira (10/8) pedindo que Lula acelere a nomeação do substituto de Eros Grau, que se aposentou na semana passada, por conta da licença médica de Joaquim Barbosa.

Em e-mail enviado à ConJur, uma advogada reclamava da ausência do ministro no tribunal: “As prolongadas ausências prejudicam os jurisdicionados e advogados, com processos distribuídos para a 2ª Turma e ao ministro reiteradamente ausente, que aguardam seus despachos, julgamentos e publicações”, escreveu.

No microblog Twitter, a expressão Joaquim Barbosa figurou entre as dez mais digitadas durante boa parte da segunda-feira. O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, Bruno Dantas, apontou uma das reações dos internautas: “Notícias sobre as licenças médicas do ministro Joaquim Barbosa do STF já fizeram surgir no Twitter o movimento #AposentaJoaquim”.

Apesar de a maior parte das manifestações atacar o ministro e revelar inconformismo com o fato de ele ir a um bar durante o período de licença médica, há muitos que o defendem. “De licença médica, um paciente qualquer está necessariamente impedido de ir a uma festa ou a um bar? A mim não me parece”, escreveu o procurador da República Wellington Saraiva.

Choque supremo

O fato é que o episódio engrossa a nada modesta lista de estranhamentos do ministro Joaquim Barbosa com seus colegas de tribunal. Por conta dos embates, o ministro já não mais frequentava com assiduidade o café no intervalo entre as sessões do STF. Em regra, subia para o gabinete e voltava no reinício da sessão.

Até chegar ao Supremo Tribunal Federal, a atuação de Joaquim Barbosa era pouco conhecida. Seu destaque sempre foi na área acadêmica. Dos 20 anos em que foi membro da procuradoria da República no Rio de Janeiro — dez como procurador e outros dez como procurador regional — passou quatro na França, de onde trouxe três diplomas de pós-graduação.

De acordo com seu currículo disponível do site do Supremo, o ministro passou outros períodos no exterior. Foi visiting scholar (1999-2000) no Human Rights Institute da Columbia University School of Law, em Nova York, e na University of California Los Angeles School of Law (2002-2003). Seus estudos no exterior foram proporcionados por bolsas do CNPq, da Ford Foundation e da Fundação Fullbright.

Juízes de tribunais superiores oriundos do Rio de Janeiro e da segunda região da Justiça Federal não se lembram do trabalho de Barbosa como procurador. A maior parte deles se lembra do ministro em debates e palestras, especialmente sobre ações afirmativas — Barbosa é autor da obra Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA.

Muitos creditam a esse fato a dificuldade do ministro de discutir em colegiado sem perder a linha e sua pouca tolerância com advogados e com o princípio do contraditório. O ministro é conhecido, por exemplo, por não receber advogados em seu gabinete, apesar da determinação expressa no Estatuto da Advocacia.

Ministros comentam que Joaquim Barbosa tem uma agenda própria, que não coincide com a do tribunal. Um projeto pessoal que não se subordina aos objetivos do STF. A imagem é a de que ele não se preocupa com os embaraços que cria para a instituição, como com as notícias publicadas na esteira de sua licença. Isso somado às brigas que já teve na Corte o deixou isolado.

Lista de desavenças

A última discussão foi também a mais polêmica, que travou com o ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo. Na ocasião, Barbosa acusou Mendes de destruir a credibilidade do Judiciário e o mandou sair às ruas. Dois dias após, numa sexta-feira, depois de almoçar no tradicional Bar Luiz, no Rio de Janeiro, e receber aplausos e cumprimentos efusivos das mesas ao seu redor, o ministro Joaquim Barbosa saiu a pé pelas ruas do centro da capital fluminense.

Seus colegas enxergaram no ato uma clara provocação e uma tentativa de demonstrar que os oito ministros que, na ocasião, assinaram uma nota de apoio à atuação de Gilmar Mendes à frente do STF, estavam errados e não encontravam guarida na sociedade. O comportamento foi apontado como um exemplo dos motivos que levam os colegas a se distanciar dele.

Desde que chegou ao Supremo, Barbosa colidiu com colegas em diversas ocasiões. Sua primeira contenda foi com o ministro Marco Aurélio, a quem acusou de fraudar distribuição de processos. Marco entrou com representação contra o colega na presidência da Corte. Depois de o presidente à época, Nelson Jobim, atestar que não houve fraude, mas apenas a redistribuição de um processo cujo relator, Joaquim Barbosa, não estava em Brasília na sexta-feira à noite, Barbosa retratou-se e Marco Aurélio abriu mão da representação.

Pouco tempo depois, o ministro Joaquim Barbosa acusou o ex-ministro Maurício Corrêa, em plena sessão plenária, de fazer tráfico de influência. Corrêa telefonara ao ministro pedindo preferência no julgamento de uma causa, mas não compareceu ao plenário para fazer sustentação oral no dia do julgamento. Para se defender, o ex-ministro foi até o Supremo e exibiu, da tribuna, a procuração que tinha nos autos daquela ação. Corrêa representou contra o ex-colega, que foi obrigado a se retratar judicialmente.

O alvo seguinte foi o ministro Eros Grau, acusado de conceder Habeas Corpus a “um cidadão que apareceu no Jornal Nacional oferecendo suborno”. Barbosa fez uso do clamor que a imagem televisiva provoca para atacar Eros. O cidadão em questão era Humberto Braz, investigado na Operação Satiagraha. Neste caso, o bate-boca por pouco não se transformou em pugilato quando Eros Grau lembrou que ele próprio havia concedido um HC ao banqueiro Daniel Dantas para garantir seus direitos na CPI das Escutas Clandestinas. Barbosa passou uns dias sem aparecer no tribunal.

Outra rusga do ministro ocorreu no TSE, onde ele classificou de “absurdo” um voto do ministro Arnaldo Versiani. Indignado, Versiani pediu que o ministro retirasse o qualificativo que considerou injurioso. Barbosa fez pouco do pedido. “Vossa Excelência pode dizer que meus votos são absurdos que eu não me importo.”

Noutra ocasião, o ministro voltou a trombar com Marco Aurélio, que cobrou explicações sobre uma entrevista que Barbosa tinha concedido dias antes ao jornal Folha de S.Paulo. Na entrevista, o ministro disse que seus desentendimentos com colegas acontecem porque ele combate a corrupção.

“A imprensa se esquece de dizer quais foram as razões pelas quais eu tive certos desentendimentos. Quase sempre foram desentendimentos nos quais eu estava defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no próprio Poder Judiciário. Sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio, o caso Anaconda não teria condenação e cumprimento de penas pelos réus”, declarou ao jornal. Marco pediu que o ministro retificasse sua declaração. A discussão ficou acalorada e o tom só não subiu mais porque o decano do tribunal, ministro Celso de Mello, a interrompeu.

Ao contestar a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo sobre sua presença em uma festa e em um bar durante o período de licença médica, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que se trata de um complô de grupos que querem tirá-lo do Supremo, mas que ele resistirá. Segundo um de seus colegas, não existe qualquer intenção de afastá-lo do tribunal. A briga, hoje, é para que ele se recupere e volte o mais rápido possível.

[Foto: Carlos Humberto/SCO/STF]

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