Identidade continental

Tratado Constitucional Europeu supera constituições

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

8 de agosto de 2010, 5h49

Será que a Europa necessita de uma constituição? A pergunta dá início a intrigante ensaio de Jürgen Habermas, para quem existe um contraste interessante entre as exigências e expectativas dos “europeus de primeira hora”, que se empenharam ativamente pela união política da Europa logo após o final da Segunda Guerra Mundial, envolvendo um projeto específico, e os europeus atuais, que se vêem confrontados com a tarefa de dar continuidade a esse projeto (HABERMAS, 2003, p. 123). A percepção de comunidade europeia pode ser identificada ao longo do período medieval a partir de sentido universalista da Igreja, e também pela utilização do latim, enquanto modalidade glotológica de expressão culta (cf. PFETSCH, 2001, p. 16). O fracionamento da porção ocidental do continente em inúmeros feudos, a usarmos tipo ideal weberiano, e posterior convergência em torno de Estados nacionais (cf. POGGI, 2004, p. 16 e ss.), suscitaram movimento pendular que obstaculizou o ensaio de aproximação definitiva.

Reputada como a última utopia das relaçãoes internacionais (cf. LESSA, 2003), a construção da unidade europeia decorre em suas tentativas mais recentes da justificação de identidade própria (cf. MONNET, 1986). Leitura menos ingênua poderia apontar o marco como resposta continental ao imperialismo norte-americano. Tal assertiva poderia esboçar explicação para os senões e aporias representados pela adesão do Reino Unido, tradicional aliado dos Estados Unidos.

A ordem jurídica comunitária assenta-se em regime de tratados (cf. CAMPOS e CAMPOS, 2004, p. 296). Os passos mais significativos foram dados com o Ato Único Europeu de 1987, com o Tratado da União Europeia (o Tratado de Maastricht) de 1992, com o Tratado de Amsterdã de 1997 e com o Tratado de Nice. Essas tratativas radicam nos chamados tratados fundadores, a exemplo dos dois Tratados de Roma, de 1957. As tentativas e arranjos que redundaram nos dois Tratados de Roma ligam-se particularmente à obra de Jean Monnet, de Robert Schumann, de Konrad Adenauer e de Alcide de Gaspieri (cf. MANIN, 2004, p. 4).

O modelo normativo presente não plasma constituição em seu sentido convencional, dado que os Estados membros detêm personalidade internacional própria. É tradicional a percepção de constituição enquanto pacto de Direito interno, em torno da definição de princípios e de estruturas de funcionamento político (cf. PHILIP, 2004, p. 8). Entende-se, no entanto, e nominativamente, como uma constituição, como, aliás, se autodenomina o tratado ao longo de todo o texto (GORJÃO-HENRIQUES, 2005, p. 94). É desse tratado com sabor constitucional que trato em seguida.

O tratado que pretende estabelecer uma constituição para a Europa abre com extenso preâmbulo que indica as autoridades que representam os Estados contratantes. Antes da designação nominal dos ministros plenipotenciários, há densa concepção de adesão principiológica. Menciona-se inspiração no patrimônio cultural, religioso e humanista da Europa, acrescentando-se que desse contexto emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de Direito.

Acrescenta-se que os signatários estão convencidos de que, após dolorosas experiências, a Europa tenciona progredir na via da civilização, do progresso e da prosperidade a bem de todos os seus habitantes, incluindo os mais frágeis e os mais desprotegidos. Escreveu-se que a Europa quer continuar a ser um continente aberto à cultura, ao saber e ao progresso social. Adiantou-se que a Europa deseja aprofundar o caráter democrático e transparente da vida pública e atuar em prol da paz, da justiça e da solidariedade do mundo.

Atentou-se que os povos da Europa estão persuadidos e decididos a ultrapassar as antigas discórdias. Escreveu-se que os Europeus estão determinados a prosseguir a obra comunitária. Agradece-se aos membros da Convenção Europeia pela elaboração do projeto de constituição e encerra-se o excerto introdutório com a designação dos plenipotenciários assinantes.

O texto constitucional propriamente dito principia com concepção que dá conta do estabelecimento da União. Especificou-se que a constituição é inspirada na vontade dos cidadãos e dos Estados da Europa no sentido de construírem um futuro comum. Indica-se que a constituição estabelece a União Europeia. Particulariza-se que os Estados-Membros atribuem competências para atingirem os seus objetivos comuns, fazendo-o em favor da União Europeia. Escreveu-se que a União está aberta a todos os Estados europeus que respeitem os seus valores e se comprometam a promovê-los em comum.

Em seguida o texto consubstancia percepção axiológica, identificando os valores que serão perseguidos pela União. Observou-se que a União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito dos direitos. Lembra-se que estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, pela não discriminação, pela tolerância, pela justiça, pela solidariedade e pela igualdade entre mulheres e homens.

O tratado constitucional europeu especifica os objetivos da União. Busca-se a promoção da paz, de seus valores e do bem-estar entre os povos. Explicitou-se que a União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas e um mercado interno em que a concorrência é livre e não falseada. Escreveu-se que a União empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento econômico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. O excerto menciona explicitamente que a União fomenta o progresso científico e tecnológico.

Continua se observando que são missões da União o combate a exclusão social e as discriminações, a promoção da justiça e a proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre gerações e a proteção aos direitos sociais das crianças. É princípio orientador a dicção de que a União promove a coesão econômica, social e cultural e a solidariedade entre os Estados-Membros. Tem-se que a União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do patrimônio cultural europeu.

Essa seção desenha a presença da União em âmbito de relações internacionais. É que, se escreveu, nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses. Também, a União contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os das crianças, bem como a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.

Há artigo que consagra liberdades fundamentais e não discriminação. É que se explicitou que a União deve garantir, em seu território, a livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais. Garante-se a liberdade de estabelecimento. Especificamente, assentou-se que no âmbito de aplicação da Constituição e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. A relação entre Estados-Membros é potencialmente problemática. Deve a União respeitar a igualdade entre os referidos Estados, perante a Constituição, bem como a respectiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles. Atentou-se para autonomias locais e regionais, que serão respeitadas. E de modo a se colocar limites à presença da União, consignou-se que esta última respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional.


Faz-se referência a princípio de cooperação legal. De acordo com esse referencial, a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes da Constituição. O vínculo fica normativamente amarrado quando se pactua que os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes da Constituição ou resultantes dos atos das instituições da União. Também, ainda no fortalecimento desse vínculo e relacionamento, consignou-se que os Estados-Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.

Eventual antinomia entre direito interno e direito comunitário fica antecipadamente ultrapassada mediante artigo que determina que a Constituição e o direito adotado pelas instituições da União, no exercício das competências que lhe são atribuídas, primam sobre o direito dos Estados-Membros. É comando explícito do tratado o reconhecimento de que a União tem personalidade jurídica. Os símbolos da União estão especificados no tratado constitucional de que se cuida. A bandeira é constituída por um círculo de doze estrelas dourados sobre fundo azul. O hino é reprodução da Ode a Alegria, excerto da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven. O lema escolhido dá conta de que a Europa encontra-se unida na diversidade. A moeda adotada é o euro. Elegeu-se também um dia para comemoração do Dia da Europa, efeméride que se festeja no dia 9 de maio.

Há título que substancializa os direitos fundamentais que emergem do vínculo com a União, bem como referências normativas de cidadania. Principia-se com o reconhecimento, por parte da União, dos direitos, liberdades e princípios enunciados em Carta de Direitos Fundamentais, que acompanha o texto do tratado constitucional. Remete-se à parte II do tratado sob análise. Trata-se de uma Carta dos Direitos Fundamentais da União. Mais uma vez, extenso preâmbulo dá início a sessão. Escreveu-se que os povos da Europa, estabelecendo entre si uma união cada vez mais estreita, decidiram partilhar um futuro de paz, assente em valores comuns.

Afirmou-se que a União está consciente do seu patrimônio espiritual e moral. E que a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade. Aceita-se que a Europa concebe conjunto de valores e que se assenta nos princípios da democracia e do Estado de Direito. Enfaticamente escreveu-se que a União coloca o ser humano no cerne de sua ação, especialmente ao instituir a cidadania da União e ao criar um espaço de liberdade, segurança e justiça. Observou-se que o gozo desses direitos implica responsabilidade e deveres, tanto para com as outras pessoas individualmente consideradas, como para com a comunidade humana e as gerações futuras.

Em seguida elabora-se amplo espectro de direitos. Dignidade do ser humano, direito à vida, à integridade, proibição da tortura e dos maus tratos ou penas desumanas ou degradantes, proibição da escravidão e do trabalho forçado, direito à liberdade e à segurança, respeito pela vida privada e familiar, proteção de dados pessoais, direito de contrair casamento e de constituir família, liberdade de pensamento, de consciência e de religião, liberdade de expressão e de informação, liberdade de reunião e de associação, liberdade das artes e das ciências, direito à educação, liberdade profissional e de direito de trabalhar, liberdade de empresa, direito de propriedade, direito de asilo, proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição, igualdade perante a lei, não discriminação, proteção e respeito à diversidade cultural, religiosa e linguística, igualdade entre homens e mulheres, direitos das crianças, das pessoas idosas, direitos de integração das pessoas com deficiência, direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa, direito de negociação e de ação coletiva em âmbito de direito laboral, direito de acesso ao emprego, proteção em face de despedida sem justa causa, promoção de condições de trabalhadores justas e equitativas, proteção do trabalho infantil e proteção dos jovens no ambiente de trabalho, proteção da vida familiar e profissional, outorga de segurança social e de assistência social, segurança social e assistência social, proteção da saúde, acesso a serviços de interesse econômico geral, proteção do ambiente, defesa dos consumidores, entre outros, fazem parte desse cardápio de direitos.

A carta menciona direitos de cidadania, a exemplo do direito de eleger e de ser eleito nos pleitos para o Parlamento Europeu, nas eleições municipais, o direito a uma boa administração, ao acesso a documentos, o direito de petição, a liberdade de circulação e permanência no território dos Estados-Membros, a par da proteção diplomática e consular. No que toca a relação entre esses direitos e a justiça, o que promove mais outro conjunto de direitos, assentou-se que há direito a ação e tribunal imparcial, respeita-se o secular princípio da presunção de inocência e de direitos de defesa, a legalidade e a proporcionalidade na relação entre os delitos e as penas, o direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito (a double jeopardy do direito norte-americano). A sessão se encerra com disposições gerais que regem a interpretação e a aplicação da carta. É desse leque de direitos que se trata em seguida.

A concepção de dignidade do ser humano é firmada mediante explicitação de que esta seja inviolável. Escreveu-se que a dignidade deve ser respeitada e protegida. Quanto ao direito à vida, indicou-se que todas as pessoas têm direito à vida e que ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado. Quanto à integridade assentou-se que todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental. Acrescentou-se que no domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados alguns referenciais, a exemplo do consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos de lei; da proibição de práticas eugênicas, especialmente das que têm por finalidade a seleção das pessoas; da proibição de se transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro. Proibiu-se a clonagem reprodutiva dos seres humanos.

A exemplo das demais constituições que possuem referencial no iluminismo oitocentista, escreveu-se que ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes. Quanto à escravidão, consignou-se que ninguém pode ser sujeito a escravidão nem a servidão. Ainda, é dogmático que ninguém pode ser constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório. Inseriu-se dispositivo que dá conta de que é proibido o tráfico de seres humanos.

Especificações referentes ao direito à liberdade e à segurança indicam simplesmente que todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança. Formatou-se que todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações. No que toca à proteção de dados, escreveu-se que todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito. Consigna-se direito ao livre acesso a esses dados, mediante redação que na versão portuguesa expressa que todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva retificação.

Em âmbito de direito de família há disposição que matiza que o direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício. Excerto mais amplo consubstancia a liberdade de pensamento, consciência e religião, assentando-se que todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Pretende-se que este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. Há inserção direta em ordenações internas mediante indicativo de que o direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.


Quanto à liberdade de expressão e de informação, define-se que todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Pormenorizou-se a concepção indicando-se que este direito [de liberdade de expressão] compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou idéias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. A sessão é complementada com indicação de que são respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.

A liberdade de reunião e de associação segue modelo comum das demais legislações liberais. Embora, bem entendido, centrada em espaço discursivo mais abundante, uma vez que se definiu que todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses. Há referencial a direito político, no sentido de que os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União. Tradição escolástica europeia influencia adoção de regra que indica que as artes e a investigação científica são livres. Na continuidade, escreveu-se que é respeitada a liberdade acadêmica.

É nesse sentido que se definiu que todas as pessoas têm direito à educação, bem como o acesso à formação profissional e contínua. E avançou-se mediante explicitação de que este direito incluiu a possibilidade de freqüentar gratuitamente o ensino obrigatório. O pluralismo cultural europeu exige adaptação do texto às realidades nacionais originárias, e assim fez-se consignar que são respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o respectivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas.

O liberalismo laboral é vitorioso mediante referência ao fato normativo de que todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite. As fronteiras laborais são mitigadas mediante consignação de que todos os cidadãos da União têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro. O movimento internacional de circulação de trabalhadores recebe tratamento aparentemente condescendente porque os nacionais de países terceiros que sejam autorizados a trabalhar no território dos Estados-Membros têm direito a condições de trabalho equivalentes àquelas de que se beneficiam os cidadãos da União.

O liberalismo avança (e triunfa) mediante tentativa de adoção de cláusula que indica que é reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e prática nacionais. Sepultou-se o modelo de propriedade de inspiração soviética pretérita. É que todas as pessoas têm o direito de usufruir da propriedade dos bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Acrescentou-se que ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indenização pela respectiva perda, em tempo útil. Determinou-se que a utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral. Finaliza-se o excerto especificando-se que é protegida a propriedade intelectual.

Memória recente dos progroms nazistas contribui para regra que determina que são proibidas as expulsões coletivas. Além disso, ninguém pode ser afastado ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.

A isonomia liberal-burguesa convencional é consignada no tratado constitucional europeu. Anotou-se simplesmente que todas as pessoas são iguais perante a lei. Como consequência, veda-se qualquer forma de discriminação, mediante cláusula indicativa de que é proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação social. E porque a convergência de nacionalidades pode suscitar circunstância indicativa de eventual modalidade de discriminação, escreveu-se que no âmbito de aplicação da Constituição e sem prejuízo de suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade.

O pluralismo cultural europeu determinou que se consignasse que a União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística. A isonomia entre os sexos é consubstanciada em comando que determina que deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração. Circunstância indicativa de adesão a modelo de ação afirmativa em sentido amplo suscitou que se anotasse que o princípio da igualdade não obsta a que se mantenham ou adotem medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-representado. No caso, protege-se, especificamente, o sexo feminino.

O tratado constitucional europeu também se centra efusivamente em regime de proteção dos direitos das crianças. E de tal maneira escreveu-se que as crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Explicitou-se que as crianças podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função de sua idade e maturidade. E também, todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, que por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. Acrescentou-se que todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contatos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses, das crianças, evidentemente.

O respeito aos idosos é alcançado pelo tratado constitucional europeu. É que a União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural. O tratado identicamente abraçou direito de integração das pessoas com deficiência, na medida em que a União reconhece e respeita o direito das pessoas com deficiência a beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e profissional e sua participação na vida da comunidade.

Sob o título de solidariedade o tratado constitucional europeu, ainda na seção referente à Carta dos Direitos Fundamentais da União, outorgou aos trabalhadores de empresa o direito à informação, de modo que deve ser mantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e nas condições previstos pelo direito da União e pelas legislações e práticas nacionais. O tratado constitucional europeu trata, nessa mesma seção, de direitos de feição trabalhista, porque os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organizações, têm, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais, o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas aos níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a ações coletivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve.


Bem ao estilo do Estado de Bem-Estar Social, consignou-se que todas as pessoas têm direito de acesso gratuito a um serviço de emprego. Pode significar o dispositivo que as agências que empregam e que inserem a mão-de-obra no mercado, mediante a cobrança de fração dos rendimentos do interessado, passariam à margem da disposição do tratado constitucional europeu. E no mesmo sentido define-se que todos os trabalhadores têm direito a proteção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais. Também se pretende garantir condições justas e equitativas de trabalho, mediante norma do tratado constitucional que indica que todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas. Em desfavor de liberalismo exacerbado que triunfa, por exemplo, no direito norte-americano, pretende se determinar que todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.

Proibiu-se o trabalho infantil e acrescentou-se que a idade mínima de admissão no trabalho não pode ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória, sem prejuízo disposições mais favoráveis aos jovens. Em relação a esses últimos, definiu-se que os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condições de trabalho adaptadas à sua idade e de proteção contra a exploração econômica e contra todas as atividades suscetíveis de prejudicar a sua segurança, saúde ou desenvolvimento físico, mental, moral ou social, ou ainda de pôr em causa a sua educação.

O tratado constitucional europeu que se consolida assegura proteção familiar e, como consequência, pensa-se em se assegurar contra despedidas por motivos ligados à maternidade, estendendo-se o benefício para a adoção. O excerto referente à segurança e assistência sociais é eloquente, refletindo concepções do wellfare state que se cristalizou após a Segunda Guerra Mundial. Escreveu-se que a fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais.

Há previsão de proteção à saúde. O excerto conta com duas provisões muito genéricas. Anotou-se que todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Especificou-se que na definição e execução de todas as políticas e ações da União, será assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana.

Em matéria ambiental o tratado constitucional abraça projeto de desenvolvimento sustentável. Não há previsão específica de mecanismos de correção ou de implemento de internalização das externalidades negativas. Anotou-se simplesmente que todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do ambiente e a melhoria de sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável. Ainda em âmbito de direitos difusos, a previsão para defesa dos consumidores é sintética. Apenas inseriu-se que as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, norma constitucional programática, a valermos-nos de antiga classificação tricotômica de normas constitucionais.

Um último título encerra a Carta dos Direitos Fundamentais da União. Em planisfério de definição de cidadania, a União recebe cidadãos dos Estados que compõem o seu corpo político. Consagra-se fórmula que dá conta de que todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro da residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. A tradição ocidental é reproduzida, mediante a outorga do sufrágio universal direto, livre e secreto, nas eleições para o Parlamento Europeu.

Há referência ao direito a uma boa administração. Seguindo-se a fórmula weberiana de conceituação de burocracia adota-se redação indicativa de que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. Como consequência da outorga desse direito, desdobram-se outras provisões. Tem-se o direito do interessado ser ouvido a respeito de qualquer medida de alcance individual que o afete desfavoralmente. É facultado o acesso aos interessados a todos os processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. A administração está obrigada a fundamentar todas as suas decisões.

No que toca à relação dos administrados com a administração, em termos de União Europeia, concluiu-se que todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. Do ponto de vista glotológico, garante-se o pluralismo. É que todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas da Constituição, devendo obter uma resposta na mesma língua. Prescreve-se o direito ao acesso a documentos, a qualquer cidadão da União, a quem se franqueia acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o suporte desses documentos. Faculta-se provocar o Provedor de Justiça Europeu, um ombusdman. Como desdobramento, qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede social num Estado-Membro, goza do direito de petição ao Parlamento Europeu.

O tratado constitucional europeu menciona direitos referentes à liberdade de circulação e de permanência. Tal direito pode ser extensivo, de modo que pode ser concedida liberdade de circulação e permanência, de acordo com a Constituição, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro. Outorga-se proteção diplomática e consular a cidadão da União, por parte de Estado-Membro que não o seu originário, quando não se tenha representação diplomática e consular originária do Estado de origem do cidadão da União. De tal modo, todos os cidadãos da União beneficiam, no território de países terceiros em que o Estado-Membro de que são nacionais não se encontre representado, de proteção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

Há título relativo à Justiça, inserido na sessão que compreende a carta dos direitos fundamentais. Concebe-se direito de ação, identificando-se que toda pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal. Escreveu-se que toda pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. E ainda, que toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. O tratado constitucional europeu que se consolida cuida da presunção da inocência e de direitos potestativos de defesa, dado que todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa. E também, é garantido a todo o respeito dos direitos de defesa.

Em matéria processual penal, tendem a se consolidar princípios de legalidade e de proporcionalidade dos delitos e das penas. A reserva legal se materializa em excerto que dá conta de que ninguém será condenado por uma ação ou omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional. Veda-se aplicação de pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi praticada. A retroatividade da lex mitior consubstancia-se em indicativa de que se aplica lei subsequente quando posteriormente à infração a lei previr uma pena mais leve, de maneira que deve ser essa a pena aplicada. Indicou-se que as penas devem ser desproporcionais em relação à infração. Insiste-se, se abraçou a double jeopardy do direito norte-americano, escrevendo-se que ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.


A Carta dos Direitos Fundamentais da União possui conjunto de regras de exegese. Definiu-se o âmbito de aplicação do referido documento, que tem por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade. Adotou-se concepção generalizante no sentido que se determina que nenhuma disposição do texto poderá ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais, tais como reconhecidos internacionalmente por tratados e convenções, especialmente pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Acrescentou-se que o conjunto de regras protetoras dos direitos fundamentais não poderá instrumentalizar o abuso de direito.

Voltando-se à parte I, referente a definição e objetivos da União, especifica-se o conceito de cidadania, referente à União, de modo que possui a cidadania da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro; além do que, a cidadania da União acresce à cidadania nacional, não a substituindo. Faz-se rol de direitos dos cidadãos da União, que podem circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, que têm o direito de eleger e de ser eleitos nas eleições para o Parlamento Europeu, entre outros.

Em tema de competências da União conceberam-se alguns princípios fundamentais. Definiu-se que a delimitação das competências da União rege-se pelo princípio da atribuição. Já no que toca ao exercício dessas competências delimitadas, definiu-se que os princípios da subsidiaridade e da proporcionalidade serão os referenciais de orientação. Escreveu-se que o princípio da atribuição indica que a União atue dentro dos limites das competências que os Estados-Membros lhe tenham atribuído na Constituição para alcançar os objetivos por esta fixados.

Quanto ao princípio da subsidiaridade tem-se que nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central quanto ao nível regional e local. Pelo princípio da proporcionalidade adota-se postura indicativa de que o conteúdo e a forma da ação da União não deve exceder o necessário para alcançar os objetivos da Constituição.

O regime de competências é pulverizado. Determinou-se que quando a Constituição atribua à União competência exclusiva em determinado domínio, só a União pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos; os próprios Estados-Membros só podem fazê-lo se habilitados pela União ou a fim de dar execução aos atos da União. Observe-se que em âmbito de política externa o tratado constitucional europeu define que a União dispõe de competência para definir e executar uma política externa e de segurança comum, inclusive para definir gradualmente uma política comum de defesa.

Concebe-se grupo de competências exclusivas da União e conjunto de competências compartilhadas. É competência exclusiva da União, nos termos do tratado constitucional que se pretende aprovar, questões de união aduaneira, de estabelecimento das regras de competência necessárias ao funcionamento do mercado interno, de política monetária para os Estados-Membros cuja moeda seja o euro, de conservação de recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas, além de matérias afetas a política comercial comum. E ainda em assunto de tratados internacionais, determina-se que a União dispõe igualmente de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas.

A União compartilha algumas competências com os Estados-Membros. Entre os assuntos que admitem o exercício de competência dividida destacam-se temas de mercado interno, de política social, de coesão econômica, social e territorial, de agricultura e pesca, com exceção da conservação de recursos biológicos do mar, de meio ambiente, de defesa de consumidores, de transportes, de redes transeuropeias, de energia, de espaço de liberdade, segurança e justiça, entre outros. A coordenação de políticas econômicas e de emprego é matéria de competência dos Estados-Membros. A União toma medidas para garantir a coordenação dessas políticas, concebidas pelos Estados-Membros.

A complexa matéria relativa à política externa e segurança comum é de competência da União, a quem inclusive compete a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum. Pretende se aprovar regra que afirma categoricamente que os Estados-Membros devem abster-se de toda e qualquer ação contrária aos interesses da União ou suscetível de prejudicar a sua eficácia.

O tratado constitucional europeu formula concepções de domínios de ações de apoio, de coordenação ou de complemento. Com orientação centrada no bem estar e no desenvolvimento da União Europeia, coordenam-se atitudes relativas a proteção e melhora da saúde humana, indústria, cultura, turismo, educação, juventude, desporto, formação profissional, proteção civil e cooperação administrativa. Cogita-se de cláusula de flexibilidade, que amplia a competência da União, no caso de ação considerada necessária para que se atinjam objetivos definidos na Constituição.

O tratado constitucional europeu define quadros institucionais centrados no Parlamento Europeu, no Conselho Europeu, no Conselho de Ministros, na Comissão Europeia e no Tribunal de Justiça Européia, adiantando-se que cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pela Constituição, de acordo com os procedimentos e as condições que esta estabelece. O pacto que se instala define que as instituições mantêm entre si uma cooperação leal.

Desenha-se o Parlamento Europeu. Definiu-se que o Parlamento exerce, juntamente com o Conselho, a função legislativa e a função orçamenária. Ao Parlamento compete eleger o Presidente da Comissão. Com número de parlamentares que não pode ser superior a 750, o Parlamento é composto por representantes dos cidadãos da União. Veda-se que os Estados-Membros tenham representação no Parlamento superior a 96 cadeiras. Esses representantes são eleitos por sufrágio universal direto, livre e secreto. O mandato é de cinco anos. Os parlamentares elegem o Presidente da casa entre os pares.

Em seguida indicam-se os contornos do Conselho Europeu, que dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento, definindo suas orientações e prioridades políticas gerais. Ao Conselho Europeu não se outorga função legislativa. A composição do Conselho Europeu conta com os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros. Indica-se que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da União participa nos trabalhos do Conselho Europeu. As reuniões do Conselho são semestrais, mediante convocação do Presidente.

O Conselho de Ministros é composto por representantes dos Estados-Membros, de nível ministerial, deliberando por maioria qualificada, salvo disposição em contrário da Constituição. O Conselho fraciona-se pragmaticamente em formações distintas, definidas em função da matéria, a exemplo de um Conselho de Assuntos Gerais (que prepara as reuniões do Conselho Europeu e assegura o seu seguimento) e de um Conselho de Negócios Estrangeiros (que elabora a ação externa da União, de acordo com as linhas estratégicas fixadas pelo Conselho Europeu, assegurando a coerência da ação da União).

Tem-se Comissão Europeia que promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. Essa Comissão vela pela aplicação da Constituição, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força desta. É a referida Comissão quem controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. É a Comissão quem executa o orçamento e gere os programas. Os membros dessa Comissão Europeia são apontados entre nacionais dos Estados-Membros, com base num sistema de rotação igualitária entre os Estados-Membros.


Há indicação de um ministro dos Negócios Estrangeiros da União, nomeado pelo Conselho Europeu, que para esse fim delibera por maioria qualificada, e posterior acordo do Presidente da Comissão. A esse ministro compete a condução da política externa e da segurança comum da União.

Um modelo judiciário comunitário enceta um Tribunal de Justiça da União Europeia, a quem incumbe garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação da Constituição. Esse Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados. Tal Tribunal de Justiça é composto de um juiz por cada Estado-Membro. A composição do Tribunal Geral pode ser mais ampla, dado que o texto do tratado constitucional fala de pelo menos um juiz por Estado-Membro. A escolha dos membros dessa magistratura comunitária deve recair sobre personalidades que ofereçam todas as garantias de independência. A nomeação depende de acordo comum entre os Estados-Membros. O mandato do magistrado comunitário é de seis anos.

Há previsão de órgão financeiro, o Banco Central Europeu, que ao lado dos demais bancos centrais nacionais consubstancia o Sistema Europeu de Bancos Centrais. Trata-se de um Eurossistema. Tem-se que o objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais é a manutenção da estabalidade dos preços. Nesse sentido, o Sistema Europeu de Bancos Centrais dá apoio às políticas econômicas gerais na União para contribuir com a realização dos objetivos desta. Um Tribunal de Contas fiscaliza as contas da União Europeia. Composto por um nacional de cada Estado-Membro, o Tribunal de Contas age com independência, para o interesse geral da União, na linguagem do tratado constitucional da União Europeia.

Título específico identifica os contornos da concepção de vida democrática da União. Principia-se com alusão à igualdade democrática, anotando-se que em todas as suas atividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições, órgãos e organismos. Abraça-se a democracia representativa, em torno na qual se baseia o funcionamento da União. O modelo suscita que se observe que os cidadãos estejam diretamente representados no Parlamento Europeu.

Essa euforia democrática também informa excerto que dá conta de que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União. E ainda, pretende-se que as decisões sejam tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível. Reservou-se passagem para a atividade partidária, escrevendo-se que os partidos políticos (…) contribuem para a criação de uma consciência política européia e para a expressão da vontade dos cidadãos da União.

A democracia participativa informa o modelo normativo do tratado constitucional europeu. Especifica-se no texto que as instituições, recorrendo aos meio adequados, dão aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios da ação da União. O tratado indica que as instituições estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil.

Menciona-se um ombusdman, que na versão portuguesa do tratado é traduzido como Provedor de Justiça Europeu, como já adiantado, e que é eleito pelo Parlamento, a quem compete receber queixas respeitantes a casos de má administração na atuação das instituições, órgãos ou organismos da União, nas condições estabelecidas pela Constituição. Ao referido Provedor cabe instruir queixas, apresentando relatórios. Escreveu-se que esse hierarca exerce suas funções com total independência. É um ouvidor-geral.

Há dispositivo que assegura proteção de dados pessoais, porque todas as pessoas têm direito à proteção de dados de caráter pessoal que lhe digam respeito. Quanto ao relacionamento com a Igreja, definiu-se que a União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados-Membros.

As finanças da União estão sob regime ordinariamente previsto no texto do tratado constitucional europeu. Adotou-se método universalista mediante determinação de que todas as receitas e despesas da União devem ser objeto de previsão para cada exercício orçamentário a ser inscritas no Orçamento da União. A União conta com recursos próprios, porque dota-se dos meios necessários para atingir os seus objetivos e realizar com êxito as suas políticas. Tem-se quadro financeiro plurianual, que destina-se a garantir que as despesas da União sigam uma evolução ordenada dentro dos limites dos seus recursos próprios.

O tratado constitucional europeu indica precisamente os critérios de elegibilidade e o processo de adesão à União. De tal forma, tem-se que a União encontra-se aberta aos Estados europeus que respeitem os valores sobre os quais se funda esse modelo comunitário específico. O interessado deve dirigir pedido de adesão ao Conselho. Informa-se ao Parlamento Europeu e em seguida aos Parlamentos Nacionais. Subsequentemente, o Conselho delibera por unanimidade, depois de consultar a Comissão e após a aprovação do Parlamento Europeu que se pronuncia por maioria dos membros que o compõem. Tem-se que as condições e regras de admissão são acordadas entre os Estados-Membros e o Estado candidato. Por fim, esse acordo é submetido a ratificação por todos os Estados contratantes, em conformidade com as respectivas normas constitucionais.

Prevê-se direito de secessão. Define-se que qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União. O procedimento é organizado de modo que qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica sua intenção ao Conselho Europeu. Em seguida, a União negocia com o Estado que se exclui o tratado que define os parâmetros da retirada. Consequentemente, a Constituição deixa de ser aplicável ao Estado-Membro em causa a partir da data de entrada em vigor do tratado de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação (…) a menos que o Conselho Europeu (…) decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo. O Estado que se afasta poderá posteriormente requerer nova adesão.

Penúltima seção do tratado constitucional europeu dá conta de políticas e funcionamento da União, que se ocupa também de temas de não discriminação e de cidadania. Seção final dispõe sobre temas gerais e finais, a exemplo de revogação dos tratados anteriores, da sucessão e da continuidade jurídica, relativa à União Europeia constituída por tratados anteriores, de processo ordinário de revisão, de vigência e das autentificações das várias versões. São estes, em linhas gerais, os pontos centrais que marcam o modelo do tratado constitucional europeu, experiência normativa prenhe de imaginação institucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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