Decisão no papel

Processo digital não acaba com espera

Autor

  • Délio Lins e Silva Júnior

    é advogado criminalista professor Universitário e ex-conselheiro da OAB-DF. Especialista em Direito Penal Econômico mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Criminais todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

5 de agosto de 2010, 7h21

A esdrúxula situação. Real. Ocorrendo nos autos de um Habeas Corpus que apenas não terá o número citado em homenagem à identidade do paciente. Durante o recesso forense do Superior Tribunal de Justiça foi impetrado Habeas Corpus em favor de um réu preso, contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que denegara a ordem original, por meio de julgamento unânime. O pedido foi indeferido liminarmente pelo ministro de plantão com base na Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. Aos que não militam na área penal, o referido enunciado veda a impetração de Habeas Corpus contra decisão liminar no tribunal de origem. Na verdade, porém, como já dito, a impetração foi contra julgamento de mérito e não contra medida liminar.

A cópia da decisão foi imediatamente fornecida ao advogado impetrante.

No primeiro dia — 2 de agosto de 2010 — após o fim do plantão, foi protocolado pedido de reconsideração, onde devidamente demonstrado que aquela decisão havia sido proferida em flagrante equívoco, certamente por falta de atenção dos assessores que deveriam ter lido os autos antes de encaminhar ao ministro para decisão, bem como deste, que certamente sequer se deu ao trabalho de conferir o trabalho da assessoria.

Isso, porém, infelizmente, já não é mais surpresa no nosso falido sistema judiciário. O mais inusitado ainda estava por vir. Após dois dias tentando ver sua petição de reconsideração encaminhada ao despacho do ministro relator sorteado para análise do feito, o advogado impetrante é presenteado com a informação, dada pelo servidor responsável pelo atendimento aos advogados na 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de que até o dia previsto para a publicação — 12 de agosto de 2010 — “a decisão não existe nos autos e não poderá ser encaminhada a despacho do ministro relator”. A “decisão não existe nos autos”, repita-se. “Ela só aparece no sistema após a publicação”, foi a pérola seguinte daquele servidor, justiça seja feita, constrangido com a situação.

Perguntou, incrédulo, o impetrante: o que fazer então? E a resposta, ainda mais constrangida vem daquele mesmo servidor: “Doutor, agora eu não consigo imaginar o que o senhor possa fazer além de esperar”.

Esperar. O verbo mais odiado pelos advogados criminalistas e, principalmente, por aqueles que enquanto a “decisão não existe” repousa em uma cadeia insalubre em uma cidade do interior de Minas Gerais.

E aí, quando a raiva inicial diminui um pouco e o raciocínio retorna à normalidade, o impetrante, certo de que agora, sim, teria encontrado a solução para o problema, faz outro questionamento: mas como a decisão não existe se eu tenho cópia dela impressa? Vamos imprimir o processo por inteiro e encaminhar a despacho do ministro relator. Sua esperança, contudo, se esvai com a última resposta daquele servidor: “não podemos fazer isso doutor. Se o processo é eletrônico, nós não podemos fazer nada além de esperar”. De novo veio o famigerado verbo esperar.

Aí vêm os questionamentos que não querem calar: é para isso que o Superior Tribunal de Justiça tanto luta para informatizar os processos? Para que serve essa modernidade? Se o sistema ainda não está pronto para tais situações, por que não se aguarda para utilizá-lo? Não existe um plano “B” para a falha informática? Ou será que isso, ao olhar daquela Corte, é correto? E o paciente daquele Habeas Corpus, ficará preso até o dia 12 para depois os autos serem encaminhados ao despacho do ministro relator? Mas o Superior Tribunal de Justiça não é o Tribunal da Cidadania?

A Comissão de Prerrogativas da OAB-DF foi imediatamente acionada e já está tentando a solução do problema junto ao Superior Tribunal de Justiça, mas as perguntas persistem.

Não se sabe ainda. Quem sabe amanhã saibamos. Quem sabe esperemos até o dia 12 de agosto. O certo é que a situação é tão absurda que fez com que o autor desse pequeno desabafo lembrasse de outro, mais ou menos do mesmo estilo, feito também na ConJur tempos atrás com o título de “Um dia de prisão como requisito para ingresso no funcionalismo público e atuar na área penal”.

Aquele texto acabava com a seguinte proposta: “Inclua-se como requisito para a efetivação da posse no cargo público, seja de um serventuário, juiz, desembargador, ministro do Superior Tribunal de Justiça ou mesmo do Supremo Tribunal Federal, a visita e permanência por um dia em um presídio ou delegacia do país, inclusive tendo contato com os presos, para que possam ouvir tudo que essas pessoas passam no dia a dia da prisão. Só assim, tendo o devido contato com a realidade, poderá o servidor, seja ele do grau que for, ser mais humano antes de decidir por esperar minutos, horas ou um dia a mais para: dar um carimbo; encaminhar os autos para o lugar devido; expedir ofício comunicando a soltura de alguém; dar um parecer, despachar uma liminar; apreciar um pedido de liberdade provisória; julgar um Habeas Corpus, deixar o advogado da parte ter vista dos autos e tirar as cópias que bem entender necessárias para o exercício da ampla defesa técnica de seu cliente; enfim, cumprir a lei e desempenhar com empenho seu papel de servidor público”.

Fica o novo registro da antiga proposta. Quem sabe assim, sabendo o que se passa na cadeia com o preso que aguarda uma resposta do seu pleito de liberdade, não se conseguisse fazer a decisão voltar a existir mais rapidamente?

Fica mais esse desabafo. O esperar impera, ao menos por enquanto.

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