Aposentadoria compulsória

CNJ quis dar efeito pedagógico ao punir ministro

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4 de agosto de 2010, 11h32

A decisão de obrigar o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, e o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a se aposentarem devido a acusações de venda de sentenças em favor de envolvidos com o jogo ilegal é tida pelos próprios membros do Conselho Nacional de Justiça como o caso mais emblemático julgado pela corte administrativa. A punição máxima foi aplicada, na terça-feira (3/8), por unanimidade. Tamanha foi a importância da sessão que, antes do julgamento, os conselheiros resolveram costurar a votação secretamente. Foi dessa forma que se decidiu por um acórdão unânime. Para os conselheiros, o efeito pedagógico de uma votação uníssona seria maior. O relator do processo foi o ministro Gilson Dipp, corregedor nacional de Justiça.

Aposentados compulsoriamente, os dois agora podem ter de enfrentar o processo penal em primeira instância, já que perderam o foro privilegiado no Supremo. Antes, a questão deve passar pelo STJ, já que um dos acusados tem foro na corte. Os ministros, no entanto, podem optar por desmembrar as acusações.

A questão é apenas uma das que podem ser levantadas em possíveis recursos ao STF. O uso de grampos telefônicos em processo administrativo disciplinar também pode ser contestado, já que a Lei das Interceptações Telefônicas prevê em detalhes a lista de crimes cuja apuração pode contar com escutas. A jurisprudência do STF, no entanto, é favorável ao empréstimo de provas para julgamentos administrativos.

Se as duas punições forem contestadas no Supremo Tribunal Federal, os advogados dos magistrados devem insistir na inconsistência da decisão. O argumento principal do CNJ foi o de que as acusações tiraram de ambos a “conduta irrepreensível na vida pública e particular”, exigência prevista na Lei Orgânica da Magistratura. De acordo com o ministro Gilson Dipp, a denúncia criminal recebida pelo Supremo contra os dois juízes traz motivos suficientes para que eles sejam banidos. Dipp afirmou que a dúvida sobre o trabalho do juiz já justifica seu afastamento permanente, mesmo que ainda não tenha sido comprovada sua participação nos crimes investigados. O presidente do CNJ e relator do processo criminal contra os magistrados no Supremo, Cezar Peluso, não estava presente na sessão.

Boa parte do voto de Dipp fez menção a citações de gravações telefônicas juntadas em outra sindicância também do CNJ, mas que não estava sendo discutida na sessão. O material é prova emprestada do inquérito conduzido pelo Supremo — fruto da Operação Hurricane, da Polícia Federal, em 2007. O STF aceitou denúncia do Ministério Público Federal em 2008 contra Medina e Carreira Alvim. O primeiro responde por corrupção passiva e prevaricação, e o segundo por corrupção passiva e formação de quadrilha.

Apesar de enfatizarem que não estavam vendo o caso sob o aspecto criminal, a leitura das gravações feitas no inquérito ajudaram a criar o que o ministro Carlos Britto, que presidiu a sessão, chamou de “ambiente negativo” em torno dos acusados.

“O ministro Medina não poderia ter sido incluído no bolo, já que o Supremo rejeitou a acusação de formação de quadrilha contra ele”, argumenta o advogado do ministro aposentado, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. “E não há uma evidência sequer que sustente as acusações de corrupção e prevaricação.”

A leitura das transcrições de escutas surpreendeu o advogado, que chegou a tentar voltar à tribuna depois de fazer sua sustentação oral, mas não foi autorizado. “Um terço do voto foi transcrição de grampos”, afirma. Segundo ele, os indícios apontados se referiam à acusação de formação de quadrilha, descartada na aceitação da denúncia pelo Supremo e desconsiderada pelo próprio CNJ, conforme portaria que intimou a defesa do ministro a se defender no órgão. "Foram fatos novos não submetidos a contraditório."

Kakay conta que, apesar disso, um dos conselheiros afirmou que o afastamento do ministro se devia ao “conjunto da obra”, mas que outro ressalvou que sua decisão não se baseava nas transcrições lidas por Dipp. 

O advogado criticou a intenção "pedagógica" da decisão, que contou com o acerto antecipado de votos pelos conselheiros. "Quase caí da cadeira quando o conselheiro Jorge Hélio disse que a decisão seria unânime, faltando ainda quatro votos a serem proferidos", conta. "Isso é uma negação da independência dos juízes."

Cicatriz na história
Na opinião do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Mozart Valadares, a conclusão do CNJ arranha a imagem do Judiciário. “Estamos tristes principalmente porque são magistrados de instâncias superiores”, diz. Segundo ele, mesmo que ambos consigam provar inocência no Supremo Tribunal Federal, a imagem do Judiciário já foi “definitivamente manchada”, já que é o segundo colegiado que decide contra eles. Antes, o Plenário do STF já havia resolvido aceitar a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República. “É claro que isso não significa julgamento final, mas uma denúncia só é aceita pelo Supremo quando existem indícios fortes.” Para Valadaraes, no entanto, uma absolvição no STF pode esvaziar os argumentos do CNJ. “Haveria uma contradição de decisões”, diz.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil, no julgamento de um possível recurso contra a punição ou no processo penal, o Supremo Tribunal Federal deve tomar a decisão do CNJ como exemplo e ser “tão rigoroso quanto”. De acordo com o presidente da entidade, Ophir Cavalcante Júnior, apesar de os punidos terem o benefício da presunção de inocência, também têm maiores obrigações para com a sociedade pelo fato de serem magistrados. “A postura deve ser ética, proba, mais do que a maioria dos cidadãos, já que são os juízes quem julgam ilegalidades e desvios”, diz. “Cabe ao magistrado dar o exemplo.”

Na opinião do presidente da Ordem, a decisão do Conselho não se baseou nos processos criminais que correm no Supremo, mas sim em investigação administrativa conduzida de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura. “Os dois se desviaram de seus deveres funcionais, conclusão a que se chegou pela interpretação sistêmica das provas”, afirma. Ele também criticou a aposentadoria remunerada dos punidos. "É um escárnio para a sociedade."

Bingos ilegais
O ministro Paulo Medina é acusado de negociar, por intermédio de seu irmão Virgílio, uma liminar para liberar 900 máquinas de caça-níqueis aprendidas em Niterói, no Rio de Janeiro, em troca de propina de R$ 1 milhão — como em todos os casos semelhantes, o processo baseia-se em interceptações telefônicas. O esquema foi apontado pela Polícia Federal, que deflagrou a Operação Hurricane.

O irmão do ministro Paulo Medina, o advogado Virgílio Medina, foi preso quando a operação foi deflagrada, assim como os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo Regueira, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Ernesto da Luz Pinto Dória, e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira.

[Notícia alterada em 4 de agosto de 2010, às 15h40, para acréscimo de informações.]

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