Eleições na internet

Tecnologia para um processo eleitoral limpo

Autor

  • Leonardo Melo Brandão

    é advogado mestre em Direito pela UFMG Gerente do Departamento de Direito Administrativo Direito Eleitoral e Direito Digital do escritório Décio Freire & Associados.

3 de agosto de 2010, 7h15

A sociedade brasileira tem um grande desafio pela frente: é inevitável que o ciberespaço seja cada vez mais frequentado e utilizado durante a campanha eleitoral. Sites, inclusive ou talvez particularmente os de relacionamento como o Orkut, o Facebook, blogs e e-mail, toda e qualquer possibilidade há de ser explorada, seja pelos próprios candidatos, seja por simpatizantes ou adversários. A expansão e popularização do acesso à internet e a utilização de aparelhos de telefonia móvel cada vez mais aptos a permitirem a navegação e interação via web (dispensando, assim, que seja necessário o uso de um computador) já fazem parte da vida de milhões de pessoas, e terá reflexos no cotidiano eleitoral. O desafio: o que fizermos da tecnologia determinará, ao menos em curto prazo, se usufruiremos ao máximo das possibilidades geradas pela tecnologia, ou se teremos que conviver com o uso antiético deste novo ferramental.

O que temos hoje: o Tribunal Superior Eleitoral, editando a Resolução 23.191, já permite que o candidato possa fazer propaganda na rede mundial em site próprio ou em site do partido ou da coligação, em ambos os casos com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País. Pode o candidato, ainda, lançar mão de meio de mensagem eletrônica para endereços de quem tenha se cadastrado perante o candidato, partido ou coligação, sendo que o cadastro deve ser gratuito. Permitida também a utilização de blogs, redes sociais, sites de mensagens instantâneas e assemelhados, tanto aqueles que tenham conteúdo diretamente gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações, quanto os de iniciativa de qualquer pessoa.

Ao mesmo tempo, a resolução, em seu artigo 22, deixa claro que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do parágrafo 30 do artigo 58 e do artigo 58-A da Lei 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica”.

Pois estas regras, se denotam a percepção da necessidade de tratar do uso da tecnologia no processo eleitoral, disciplinando-o, talvez não resistam ao teste da sua aplicação aos fatos: as tecnologias que estruturam o ambiente virtual tornam este mesmo ambiente — e, principalmente, os que nele circulam — imune a tentativas de normalização de condutas que, no mundo concreto, seriam mais facilmente reprimíveis. Mais ainda: temos experiência moldada a partir de usos de televisões, rádio e jornais, e os que dentre os que legislam temos testemunhas das disputas entre UDN e PSD, ao lado dos que foram atores e espectadores do processo de redemocratização em toda a sua extensão, que convivem ainda com os cara-pintadas, e também com uma geração que já nasce imersa na cultura digital.

Convivendo ao mesmo tempo com pontos de vista tão culturalmente díspares, grupos cujos integrantes agem e avaliam ações de outros a partir de valores até mesmo incompatíveis entre si, como tratar, por exemplo, uma declaração de voto em uma página na internet?

Por exemplo: milhares são os que, circulando/habitando/vivendo no ambiente virtual estão acostumados — e se sentem no direito — a manifestar suas opiniões, lógicas ou não, razoáveis ou não, justas ou não, corretas ou não, em blogs pessoais. Esta liberdade, exercida em matéria eleitoral, vai ser manietada? Em que proporção?

Creio que uma manifestação em um blog tem e deva mesmo ter a proteção dada a qualquer manifestação individual de opinião, a princípio. A limitação a este direito à liberdade de expressão se daria, nos termos da lei, se configurada propaganda eleitoral antecipada. Mas como distinguir uma conduta legítima da que é proibida? Como evitar o risco de, em nome do necessário combate à propaganda ilegal, impedir que alguém fale o que quiser em seu blog?

E, havendo a certeza da ilicitude da conduta, como combatê-la de maneira eficaz, se o autor da propaganda indevida cuidou de hospedar seu blog em provedor localizado em outro país? Existem formas de alcançá-lo, mas a tempo de tornar a sanção eficaz, tanto pelo aspecto punitivo quanto pelo aspecto pedagógico?

Ao mesmo tempo em que a restrição a um direito deve ser vista sempre com muita cautela, não é possível simplesmente optar por uma maior liberalidade no tratamento da questão, já que, pelas características do ciberespaço, se antes uma declaração de voto de alguém limitava-se ao alcance da voz, ou da circulação de um impresso, hoje uma manifestação em uma página na internet multiplica-se e pereniza-se de maneira incontrolável. O alcance e os efeitos ampliam-se de maneira incontrolável, e incomensurável.

Se deve ser repudiada qualquer tentativa de limitação de um direito fundamental, não se pode desconhecer que o mau uso deste mesmo direito não só se dá com triste frequência, mas causa danos significativos ao próprio processo eleitoral. Daí, mais do que apostar na eficácia das regras postas, é fundamental que o cidadão assuma efetivo compromisso ético em sua vida pública, utilizando-se da tecnologia em prol de um processo eleitoral limpo e necessário ao amadurecimento de nossa democracia.

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    é advogado, mestre em Direito pela UFMG, Gerente do Departamento de Direito Administrativo, Direito Eleitoral e Direito Digital do escritório Décio Freire & Associados.

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