Monitoramento eletrônico

Tornozeleira e pulseira eletrônica dividem opiniões

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1 de agosto de 2010, 7h50

À noite, ele deverá permanecer na residência de sua família. Caso queira frequentar um curso profissionalizante, de nível médio ou superior, poderá ficar fora de casa apenas pelo tempo necessário para os estudos. Casas noturnas e bares estão fora de questão. As regras de conduta para um detento em regime semiaberto ou em prisão domiciliar continuam as mesmas, mas agora o sistema penitenciário possui um aliado: o monitoramento por meio de pulseira ou tornozeleira eletrônicas, previstas na Lei 12.258, publicada em 15 de junho.

O novo sistema de sentinela divide opiniões. O advogado Guilherme Madi Rezende, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), acredita que o monitoramento eletrônico dos presidiários não se justifica, uma vez que os dispositivos possuem um altíssimo investimento, o que torna desvantajosa a relação custo-benefício. “Não faz sentido empregar esse tipo de tecnologia para monitorar presos de baixíssima periculosidade”, explica. O regime semiaberto é oferecido, dentre outros motivos, aos detentos que tenham apresentado bom comportamento. Isso leva ao segundo ponto tocado pelo advogado: o aparelho dificulta o acesso a um benefício que é de direito do preso. Madi Rezende explica que esses detentos só podem ir às ruas devido a uma conquista que se deu por mérito pessoal. A introdução do aparelho aumenta as exigências para o exercício do regime semiaberto.

O advogado informa que, em edital publicado no Diário Oficial, é previsto um investimento de R$ 113 milhões para 30 meses de contrato com a empresa responsável pela fabricação das pulseiras. “É um custo muito elevado para monitorar 4.800 detentos que, ainda por cima, são de baixa periculosidade”, argumenta. Esse número se divide em duas categorias: três mil pessoas em regime semiaberto e mais 1.800 em saída temporária.

Também é contra a medida o advogado criminalista Luís Guilherme Vieira. Na opinião dele, o emprego das tornozeleiras nada mais é do que um atestado de incapacidade do Estado, que não consegue gerir com segurança os presos que saem da prisão para visitar as famílias ou que moram em suas casas. Para ele, o sistema penitenciário não vem cumprindo seu papel desde 1985, quando a Lei de Execução Penal começou a vigorar. “Bastaria o cumprimento da legislação anterior própria e esse monitoramento não seria necessário”, opina.

Ele compara as pulseiras e tornozeleiras do monitoramento eletrônico a grilhões. “Nós voltamos no tempo. Quando a pessoa sai na rua usando esse equipamento, ela tem sua dignidade violada, já que exibe um estigma, como se tivesse sido queimada com um ferro”, argumenta.

O criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), diz ser favorável ao monitoramento. Defensor da privatização do sistema penitenciário, tema de sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), ele assegura que o novo sistema é “um avanço, na medida em que respeita os direitos humanos ao afastar o presidiário de todo um universo de drogas e brigas”.

Segundo D’Urso, a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é tímida. O presidente da OAB-SP prevê um tempo mínimo para a avaliação da eficácia que pode variar de 5 a 10 anos. O próximo passo é levar os aparelhos aos regimes fechado e provisório. “A intenção é ampliar o alcance do monitoramento. Um preso provisório, por exemplo, não terá seu direito de ir e vir restrito”, explica.

“A OAB sempre teve um posicionamento favorável à humanização nos presídios e de defesa dos direitos humanos. A Ordem apoia as experiências com a tornozeleira, que até agora foram realizadas apenas em pequena escala”. Presidiários de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais já utilizaram o sistema, em fase de teste anterior à aprovação da lei. Os presidiários que retirarem ou danificarem as tornozeleiras e pulseiras eletrônicas sofrerão sanções previstas na lei, como a regressão do regime e a revogação da autorização de saída temporária.

Há um mês, a Ordem criou uma comissão para estudar o tema, que inclui nomes como Eduardo Reale e Fábio Delmanto. Os dez membros visam discutir e propor a regulamentação do monitoramento do equipamento. Com explica o presidente da comissão, o advogado Paulo José Iasz de Morais, "a intenção é pressionar e determinar condições de aplicabilidade, além de encontrar formas para que o preso não seja exposto a uma situação vexatória ou negativa".

Para Iasz de Morais, as tornozeleiras e pulseiras eletrônicas podem ser de grande ajuda para o sistema penitenciário. Apesar disso, a legislação ainda possui muitas lacunas. "Vamos pressionar por regras claras, até pra evitar arbitrariedades e eventuais abusos, já que da forma como está cada ente pode fazer o que bem entender", explica. Ele acredita que o sistema prisional atual lembra as épocas da Inquisição. "Nós evoluímos tanto em termos de tecnologia. Nesse sentido, a pulseira é bem-vinda, porque ajuda na reinserção do preso à sociedade", argumenta. 

Uma política de redução de danos. É assim que o criminalista Maurício Zanóide encara o emprego dos equipamentos. “O monitoramento é bom até o ponto em que serve como uma medida substitutiva a outras penas”, explica. Ele lembra que 40% dos presidiários estão em regime provisório. Dessa forma, a introdução da tornozeleira eletrônica seria vantajosa caso substituísse a prisão nesses casos, já que afastaria essas pessoas de um ambiente “deletério” e de uma prisão desnecessária.

O advogado acredita que o Estado convence as pessoas a concordarem com o monitoramento. “Pra qualquer um que você pergunte se prefere permanecer na cadeia ou carregar uma pulseira, todo mundo responderia que prefere usar a pulseira”, exemplifica.

Porém, Zanóide não crê na eficácia da medida por si só. Para ele, o uso da tornozeleira deve ser associado a uma política de redução de pena, que tenha como norte o desencarceramento. “Desde que não seja algo permanente, mas sim progressivo, desde que seja apenas a fase inicial de uma progressão reducionista, é muito bom”, conta.

“Existe um paradigma de que, ou a pessoa esta presa ou está livre. Se você monitorar a pessoa que aguarda julgamento, você não peca nem pela falta nem pelo excesso”. E finaliza: “Como tudo, o monitoramento eletrônico pode ser usado de forma saudável ou abusiva. O dispositivo precisa ser encarado como um benefício do sistema, e não como uma punição a mais. Não pode ser encarado como um mecanismo de repulsa social.”.

Quando o Plenário do Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei, em 19 de maio, o relator do processo, senador Demóstenes Torres (DEM-GO) declarou que o dispositivo não ofendia a integridade dos usuários. A nova legislação acabou alterando a Lei de Execução Penal Lei 7.210/84 e pode ser adotada sempre que o magistrado assim desejar. Um segundo Projeto de Lei tramita no Congresso Nacional, mas tratando do monitoramento dos presos em regime fechado. Nesse caso, os dispositivos funcionariam como uma medida cautelar.

A Lei 12.258 foi publicada há pouco mais de dois meses, em 15 de junho. Porém, ainda não há previsão para que os 4.800 detentos comecem a sair às ruas usando o dispositivo. A reportagem da Consultor Jurídico entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP-SP), mas foi informada de que não há mais detalhes sobre o processo licitatório. De acordo com a assessora, existem ainda questionamentos pendentes, como qual tecnologia será empregada e como será realizada a fiscalização do monitoramento.

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