Revisão da Anistia

Lei só pode ser revista a favor do réu, diz ministra

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29 de abril de 2010, 18h16

A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia acompanhou, nesta quinta-feira (29/4), o voto do ministro Eros Grau que, na véspera, votou pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pela qual a Ordem dos Advogados do Brasil pretendia a revisão da Lei de Anistia, para dela excluir o perdão aos agentes do Estado que praticaram arbitrariedades contra opositores do regime militar.

A Lei 6.683/79 anistiou autores de crimes políticos ou conexos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. A OAB, entretanto, pretende uma mudança da interpretação da lei, pedindo que seja feita conforme a Constituição Federal de 1988.

Primeira a votar nesta quinta-feira, a ministra Cármen Lúcia sustentou que não se pode pretender a revisão de uma lei, 30 anos depois de sua criação, pela via judicial. Segundo ela, que acompanhou entendimento anunciado na véspera pelo ministro relator, Eros Grau, uma mudança desssa natureza só poderia ocorrer pela via legislativa. Ambos ministros sustentaram que não pode ser abstrair das circunstâncias históricas da aprovação da Lei de Anistia, em 1979, para reinterpretá-la à luz da realidade atual.

Via legislativa
Assim como o relator da ADPF, ministro Eros Grau, também a ministra Cármen Lúcia votou no sentido de que, 30 anos depois do surgimento da lei, resultante de um acordo entre os vários segmentos da sociedade no momento de transição de um regime autoritário para o democrático, não poderia ocorrer alteração, agora, pela via judicial. A ministra lembrou que, na época, o MDB, partido de oposição, pediu um parecer da OAB sobre o texto e, somente depois da manifestação da entidade, posicionou-se a favor da Lei da Anistia.

A ministra lembrou que o relator da proposta na OAB, então conselheiro da entidade e posteriormente ministro do STF, Sepúlveda Pertence (aposentado), destacou, na época, o caráter atroz da tortura e das demais atrocidades praticadas nos desvãos da repressão por agentes do governo contra opositores do regime militar. Mesmo assim, manifestou-se favoravelmente ao texto, por entender que ele representava o que era possível, na época, e por vislumbrar nele um passo adiante no sentido da pacificação do povo brasileiro e de transição para um regime democrático.

Responsabilidade do Estado
A ministra Cármen Lúcia ressaltou que, embora tendo anistiado, além dos autores de crimes políticos, também os dos crimes conexos a eles em toda a sua extensão, a lei não exime o Estado da responsabilidade pelo que ocorreu nos porões do regime militar.

Segundo ela, é dever do Estado abrir informações ao cidadão e permitir a ele respostas a todas as suas indagações referente ao que ocorreu durante o regime militar. De acordo com a ministra, todo povo tem o direito de conhecer a sua história, saber o que ocorreu, mesmo nos piores momentos dela. Acentuou que é importante não esquecer para não repetir erros cometidos no passado.

Cármen Lúcia acompanhou também o relator ao rejeitar a tese de que o Congresso que aprovou a Lei de Anistia era ilegítimo, porquanto subserviente ao regime militar e por haver, no Senado, a figura do senador biônico, nomeado pelo regime.

Além de lembrar que a Lei de Anistia foi fruto de um acordo entre intelectuais, profissionais liberais, estudantes e outros segmentos da sociedade, ela lembrou que também o Congresso que votou a Constituição de 1988 ainda era integrado por biônicos. Portanto, pelo raciocínio da OAB em torno da Lei de Anistia, a atual Constituição também careceria de legitimidade.

Lei penal às avessas
A ministra disse também que, sob o ponto de vista do Direito Penal, a OAB estaria pedindo uma “lei penal às avessas”. Isto porque, 30 anos depois, “em matéria penal, não seria possível retroagir, senão para beneficiar até os autores das atrocidades”.

A ministra destacou entendimento do STF no sentido de que não cabe revisão criminal quando a pretensão se basear em mudança de interpretação de lei. Nesse sentido, ela citou as ações de Revisão Criminal 4.645 e 4.603, relatadas, respectivamente, pelos ministros Néri da Silveira (aposentado) e Xavier de Albuquerque (aposentado), bem como o Recurso Extraordinário 103.601, relatado pelo ministro Moreira Alves (aposentado).

A ministra admitiu que a Lei de Anistia de 1979 não foi a melhor, mas a possível naquela quadra histórica. Ela recordou que o projeto foi recebido “com críticas ásperas”, mas acabou prevalecendo como uma esperança de pacificação e de transição para o regime democrático. “Não vejo como julgar o passado com os olhos apenas de hoje”, observou a ministra Cármen Lúcia, ao concluir seu voto pela manutenção do texto atual da Lei de Anistia e contra a sua reinterpretação. “Não há dúvida de que a tortura não tem conexão com o crime político. Mas não vejo como, para efeitos jurídico-penais, reinterpretar a lei, 30 anos depois”. Com informações do Supremo Tribunal Federal.

 

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