Viagra em jogo

Patente expira em junho e Pfizer perde exclusividade

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28 de abril de 2010, 17h14

O Superior Tribunal de Justiça aceitou o recurso do Instituto Nacional de Propriedade Industrial que discute a validade da patente do Viagra, usado no tratamento da disfunção erétil. Por cinco votos a um, a 2ª Seção concluiu que a patente do remédio expira no dia de junho deste ano. Até lá, o laboratório Pfizer Limited terá exclusividade de fabricação e comercialização do Viagra. O relator do caso é o ministro João Otávio de Noronha. Ficou vencido Luís Felipe Salomão.

O relator concluiu que a legislação brasileira determina que a proteção dos produtos patenteados pelo sistema pipeline é calculada pelo tempo remanescente da patente original, a contar do primeiro depósito no exterior. Como a primeira patente do viagra foi depositada na Inglaterra, em junho de 1990, o prazo de exclusividade expira em junho de 2010 — a patente protege a comercialização exclusiva de uma invenção pelo prazo de 20 anos. O laboratório Pfizer sustentou que o pedido depositado na Inglaterra não foi concluído e o registro da patente só foi obtido em junho de 1991, no escritório da União Europeia.

Na sessão anterior, o relator e os ministros Sidinei Beneti e Vasco Della Giustina deram provimento ao Recurso Especial movido pelo instituto. O julgamento foi interrompido pelo um pedido de vista do ministro Luiz Felipe Salomão. A Pfizer obteve decisão favorável em primeira e segunda instâncias, para que a patente termine em junho de 2011. Mas, o STJ sinalizou uma mudança de rumos, em sessão que aconteceu há mais de um mês. Naquela ocasião, três ministros votaram favoráveis ao INPI. A par das teses jurídicas, as sustentações orais dos representantes das partes expõem a disputa por um mercado milionário de medicamentos.

Para dar uma ideia do impacto da decisão judicial, o INPI apresentou aos ministros uma extensa lista de medicamentos com patentes pipeline (reconhecidas no exterior e concedidas por prazo remanescente) que estão sendo discutidas na Justiça brasileira. São remédios para tratamento de hepatite, pressão arterial, vários tipos de câncer, diabetes, enxaquecas, enfisema e doença de Parkson, entre outras. Segundo a procuradora federal Indira Ernesto Silva Quaresma, “todos os processos estão no STJ e são idênticos, discutem o prazo de validade da patente desses medicamentos”.

A procuradora que defende o INPI disse que a indústria farmacêutica vem tentando prorrogar os prazos de validade das patentes no Brasil. O INPI reconhece que a patente é importante para o desenvolvimento industrial, pois protege o investimento realizado nas pesquisas. Entretanto, Indira Ernesto alegou que a exclusividade temporária é um benefício econômico concedido pelo Estado, não para recompensar o autor de um invento industrial, mas uma forma de estimular e levar o benefício a toda a coletividade. A patente não retira, apenas adia a incorporação do produto ao domínio público. "Qualquer patente como instituto jurídico para criar um monopólio excepciona a regra geral da livre concorrência”, disse.

“Quando falamos em patente pipeline, temos de levar em consideração que é uma questão de saúde pública”, disse a procuradora em tom de alerta aos ministros do STJ. Para ela, a empresa que possui o monopólio por meio de patente “exclui da livre concorrência todos os interessados em participar do fornecimento do produto no mercado. Isso eleva os preços. Mas, quando a patente do medicamento expira, o preço do remédio cai de 35% a 50%, pois o princípio ativo passa a ser explorado por outras empresas”.

O INPI entende que a indústria farmacêutica tenta distorcer a lei para prorrogar o privilégio. Segundo a procuradora federal, o Brasil é o terceiro maior consumidor de Viagra. O produto é mais vendido do que o Tilenol e dá à Pfizer um faturamento de R$ 200 milhões por ano só no Brasil. Indira Ernesto informou que a estimativa é que “cerca de 25 milhões de brasileiros sofrem de disfunção erétil, o que dá a dimensão potencial do mercado consumidor”.

A procuradora do INPI disse ainda que o Viagra não é acessível à população, assim como os demais medicamentos citados por ela, que gozam de patente pipeline. Isso leva o Ministério da Saúde a gastar quase R$ 800 milhões por ano com a distribuição de vários tipos de medicamentos patenteados. Somente com um antipsicótico e um remédio para leucemia, o SUS gasta mais de R$ 430 milhões. Para ela, “é inexpressivo o investimento feito no país em relação ao faturamento da indústria farmacêutica estrangeira”.

O advogado Arystóbulo de Oliveira Freitas, da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Progenéricos), disse que o Poder Judiciário “precisa dar um basta” ao que ele chamou de “estado de coisas” no setor de patentes de medicamentos. “Há uma tendência de judicialização e tentativa de uso do Judiciário para estender os prazos”, disse. Segundo ele, a Progenéricos não é contra patentes, nem a favor de quebra de patentes. “Estamos discutindo a ilícita tentativa de prorrogação de prazo de patente”, ressaltou.

Para a Progenéricos, está havendo “uma tentativa indevida de prorrogar o prazo em prejuízo do acesso”. O advogado informou que em 2009 foram vendidos 2 milhões de caixas de Viagra no Brasil, com faturamento de R$ 170 milhões. “Esse julgamento é de absoluta importância para o acesso à população. O medicamento genérico só é possível de ser lançado no mercado após o vencimento da patente, além de ter de passar por vários exames antes de chegar ao mercado. Enquanto houver essa prática de prorrogação de prazo, a população estará alijada do acesso ao medicamento e muitas vezes entre a morte e a vida”, afirmou Arystóbulo.     

A Pfizer é representada pelo advogado Fernando Neves da Silva. Ele questionou se o interesse social e desenvolvimento tecnológico alegado pelo INPI seria voltar ao período em que o Brasil não dava proteção às invenções da indústria farmacêutica e por isso o país não dispunha de remédios de vanguarda. “A proteção econômica que está citada na Constituição (artigo 5º) é no sentido de se dar incentivo à pesquisa e retribuição ao autor”, disse. Referindo-se ao interesse da indústria de genéricos, o advogado afirmou que “a redução do prazo em um ano seria transferir o lucro da empresa que investiu pesado em pesquisas para empresas que só estão dispostas a copiar o medicamento. O lucro continuará existindo”, afirmou.

Há mais de 10 anos que o INPI e o Pfizer travam uma disputa jurídica pela validade da patente do Viagra no Brasil. Além da ação que foi julgada nesta quarta-feira (28/4), há Recurso Especial 1.178.712, que subiu do TRF 2ª Região em fevereiro último. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça. 

REsp 731.101

Texto atualizado para a inclusão de informações às 20h56

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