Judiciário condenado

Justiça condena Estado pagar férias em dinheiro

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28 de abril de 2010, 6h33

O erário paulista deve sofrer um duro golpe com uma avalanche de ações judiciais de servidores do Judiciário, capaz de provocar um rombo nos cofres públicos estimado em R$ 1,5 bilhão. O passivo corresponde a sucessivas férias indeferidas com a justificativa de “absoluta necessidade de serviços”, licenças prêmios não gozadas e não pagas e o chamado Fator de Atualização Monetária (FAM). Cerca de 200 ações pedindo o pagamento dessas dívidas estão tramitando no Fórum da Fazenda Pública.

O sinal vermelho foi aceso com a sentença da 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital que obriga o Executivo a pagar em dinheiro férias não gozadas por um oficial de justiça. O juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho julgou procedente a ação proposta por Ronaldo Bueno dos Santos e condenou a Fazenda do Estado a pagar ao servidor público, em pecúnia, as férias não gozadas por ele entre os anos de 2006 a 2008. O valor deve ser acrescido de um terço e não pode ser retido o imposto de renda na fonte. O total apurado deverá sofrer atualização monetária e acréscimo de juros de mora.

O magistrado entendeu que quando a administração pública não concede ao servidor o direito de gozo de descanso no período de um ano imediatamente subsequente à aquisição desse direito, como determina a lei, é de rigor que o funcionário público faz jus à indenização pretendida paga em dinheiro.

“Ao ser negada ao servidor a fruição de suas férias por fato alheio a sua vontade, como é o caso do interesse público subjacente à continuidade das atividades desenvolvidas, não há dúvidas de que este deve ser indenizado em razão da violação de seu direito, matéria situada no campo da responsabilidade estatal por dano, como previsto no parágrafo 6° do artigo 37 da Constituição da República”, afirmou o juiz na sentença.

A Fazenda do Estado sustenta que o pedido do servidor público não tem amparo legal, sendo que sem autorização legislativa o pagamento pretendido não pode ser feito. Alega, ainda, que as férias deveriam corresponder a um período de descanso, não podendo ser convertidas em pecúnia. Por fim defende que a administração pública tem discricionariedade para negar o gozo de férias do servidor em determinado período, sem que isso implique a negação deste direito, significando apenas que seu uso ocorrerá oportunamente.

O juiz contestou o argumento apresentado pela Fazenda Pública de que o funcionário poderá usar de seu direito de férias quando "convier" à administração pública não afasta a violação atual que este vem sofrendo quanto ao gozo de férias vencidas, que deveria ocorrer no ano subsequente à incorporação de tal direito ao seu patrimônio. 

Ele ainda argumentou que não se pode permitir que o pagamento somente aconteça depois da aposentadoria do servidor. Na opinião do juiz, essa tese significaria condicionar o direito adquirido ao advento de uma condição, termo futuro e incerto, que, como inerente ao conceito, pode não ocorrer. “Ou seja, falecendo o funcionário antes de sua aposentadoria, irremediavelmente teria tido este uma frustração total de seu direito conquistado em vida, não vindo ao seu amparo o fato de eventuais herdeiros, caso existam, poderem receber a indenização pertinente”, completou. 

O juiz completa seu fundamento afirmando que se o servidor não pode usufruir de seu direito de férias anuais em decorrência de imperiosa necessidade do serviço público a que está vinculado, o funcionário deve ser indenizado pelo equivalente em dinheiro, até porque, se não pode descansar oportunamente,
quando é indenizado em pecúnia pode pelo menos usufruir de algum conforto material como compensação pelo dano imputável ao Poder Público. 

De acordo com servidores ouvidos pela revista Consultor Jurídico desde o início da década, o Tribunal de Justiça paulista não paga mais férias e licença prêmio que o servidor requereu em pecúnia. “O pagamento é pingado de cinco dias ou no máximo quinze dias por ano”, afirma Ronaldo Bueno dos Santos, o oficial de justiça que ganhou a ação contra o Estado.

Ronaldo preside uma das entidades que representam os servidores públicos do Judiciário paulista. Ele diz que as ações querem garantir judicialmente o pagamento dos atrasados a que o servidor tem direito. Ele conta que uma das estratégias para que o dinheiro saia mais rápido é que o valor a receber não se enquadre no precatório de alto valor (mais de R$ 18.000,00). Dessa forma, o valor em pecúnia pode cair na conta do servidor no prazo de três anos. 

“O servidor poderá ajuizar várias ações. Porém cada ação deverá requerer o valor máximo de R$ 16.000,00, ou seja, irá requerer judicialmente os dias que tem direito (férias e ou licença prêmio) que não ultrapassem este valor”, explica Ronaldo. Por exemplo, se o servidor tiver solicitado em pecúnia suas férias dos últimos sete anos e ainda não recebeu, terá direito a 30 dias multiplicado por sete. Nesse exemplo, se o servidor tem vencimentos de R$ 4.000,00, irá ajuizar duas ações requerendo 90 dias em cada. 

Leia a íntegra da sentença: 

Processo nº: 053.09.033745-2
Classe – Assunto Procedimento Ordinário – Pagamento Atrasado / Correção Monetária
Requerente: Ronaldo Bueno dos Santos
Requerido: Fazenda Publica do Estado de São Paulo
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho

Vistos.

Ronaldo Bueno dos Santos, funcionário público estadual, propôs ação em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo requerendo a indenização em pecúnia dos períodos de férias referentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008.

Afirma que não pôde gozar dos períodos descanso em razão da necessidade do serviço público, motivo pelo qual pretende que o Estado seja obrigado a pagar-lhe o valor respectivo. Junta documentos a fls. 16/22. 

Citada, a Fazenda apresentou contestação a fls. 30/37. Sustenta que o pedido

formulado não encontra amparo legal, sendo que sem autorização legislativa o pagamento pretendido não pode ser feito. Alega que as férias deveriam corresponder a um período de descanso, não podendo ser convertidas em pecúnia. Defende que a Administração tem discricionariedade para negar o gozo de férias do servidor em determinado período, sem que tanto implique a negação deste direito, significando apenas que sua fruição ocorrerá oportunamente. Entende que também não é cabível o acréscimo de 1/3 sobre as férias previsto na Constituição. Pugna pela improcedência da demanda.

Réplica a fls. 40/50.

É o relatório. 

Fundamento e decido.

Tratando-se de matéria eminentemente de direito, cabe o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, inciso I, do CPC. 

A ação é procedente.

Conforme se verifica a fls. 19 o servidor faz jus ao saldo de indenização de férias no que concerne aos anos de 2006, 2007 e 2008.

Tendo em vista que a Administração não lhe concedeu o direito de gozo do
período de descanso no período de um ano imediatamente subsequente à aquisição do direito, tem-se que o funcionário público faz jus à indenização pretendida. Ao ser negada ao servidor a fruição de suas férias por fato alheio a sua vontade, como é o caso do interesse público subjacente à continuidade das atividades desenvolvidas, não há dúvidas de que este deve ser indenizado em razão da violação de seu direito, matéria situada no campo da responsabilidade estatal por dano, como previsto no §6° do art. 37 da Constituição da República:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Levando em consideração que o servidor vem sendo lesado pela Administração, que impede a fruição de seu direito constitucional a férias após um ano de exercício (§2° do art. 39 c.c inciso XVII do art. 7°, ambos da Constituição da República), de rigor a condenação do ente público ao pagamento do valor respectivo. 

Anoto que a simples afirmação de que o funcionário poderá fruir de seu direito de férias quando "convier" à Administração não afasta a violação atual que este vem sofrendo quanto ao gozo de férias vencidas, que deveria ocorrer no ano subsequente à incorporação de tal direito ao seu patrimônio.

Por outro lado, permitir que haja o respectivo pagamento somente após a
aposentadoria do servidor significaria condicionar o seu direito adquirido ao advento de uma condição, termo futuro e incerto, que, como inerente ao conceito, pode não ocorrer. Ou seja, falecendo o funcionário antes de sua aposentadoria, irremediavelmente teria tido este uma frustração total de seu direito conquistado em vida, não vindo ao seu amparo o fato de eventuais herdeiros, caso existam, poderem receber a indenização pertinente.

Dessa forma, tem-se que se o servidor não pode usufruir de seu direito de férias anuais em decorrência de imperiosa necessidade do serviço público a que está adstrito, este deve ser indenizado pelo equivalente em dinheiro, até porque, se não pode descansar oportunamente, indenizado este pelo menos pode, pessoalmente, fruir de algum conforto material atual como compensação pelo dano imputável ao Poder Público.

A indenização pelas férias deve englobar o acréscimo de 1/3 previsto no inciso XVII da Carta Magna já que tal valor, juntamente com o correspondente ao das férias não gozadas, também corresponde ao direito adquirido pelo servidor, valendo ressaltar que entendimento diverso ainda acarretaria enriquecimento sem causa do Estado, com o que não ser pode coadunar.

Sobre a possibilidade de indenização de férias não gozadas o Supremo Tribunal Federal já se manifestou: 

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FÉRIAS. PERÍODOS NÃO GOZADOS EM ATIVIDADE. RECEBIMENTO EM PECÚNIA. ACRÉSCIMO DO TERÇO CONSTITUCIONAL. INCISO XVII DO ART. 7O DA MAGNA CARTA. ADMISSIBILIDADE. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao acolher o pedido do autor, apenas conferiu efetividade ao disposto no inciso XVII do

art. 7o da Lei das Leis. Com efeito, se o benefício não é usufruído, porque a Administração indeferiu requerimento tempestivo do servidor, ao argumento de absoluta necessidade do serviço, impõe-se a indenização correspondente, acrescida do terço constitucional. De outra parte, o fato de o servidor não haver usufruído o direito, não lhe acarreta punição ainda maior; qual seja, a de deixar de receber a indenização devida, com o acréscimo constitucional. Procedimento esse que acarretaria, ainda, enriquecimento ilícito do Estado. Agravo regimental a que se nega provimento". (RE 324880 AgR / SP – SÃO PAULO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 24/05/2005. Órgão Julgador: Primeira Turma).

Por fim, em se tratando de indenização, não há que se falar em retenção de
imposto de renda na fonte, uma vez que o funcionário não obtém qualquer acréscimo patrimonial com o ora decidido. Nesse sentido confira-se a súmula 125 do STJ: "O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda". 

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a ação, nos termos do artigo 269, inciso I,
do C.P.C., que Ronaldo Bueno dos Santos propôs em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, para condenar a ré a pagar ao autor, sem retenção de imposto de renda na fonte, o valor equivalente às férias e ao 1/3 de acréscimo referentes exercícios de 2006, 2007 e 2008 (fls. 19).O montante apurado como devido deverá ser atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora de acordo com o que estabelece o art. 1-F da Lei 9494/97, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 11.960/09, contados da citação. Sucumbente, a ré deverá arcar com o pagamento das despesas processuais, ressalvadas as isenções legais, além de honorários advocatícios, os quais fixo, nos termos do §4° do art. 20 do C.P.C., em R$ 2.000,00. 

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de abril de 2010

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