Investigação parada

TRF-3 desbloqueia bens de empresário investigado

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27 de abril de 2010, 5h25

Não é lícito que o particular suporte a apreensão de seus bens indefinidamente sem que se vislumbre qualquer indício da conclusão das investigações. Com esse fundamento a 2ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) deu provimento à apelação para levantar o sequestro, por excesso de prazo, de um apartamento, dois automóveis e uma motocicleta pertencentes ao empresário Maurício Rosilho.

Os bens foram apreendidos há quase quatro anos, durante a chamada Operação Bola de Fogo da Polícia Federal. O desembargador federal Cotrim Guimarães, relator do recurso, entendeu que o prazo da apreensão ultrapassou o limite do razoável. Para ele, os bens estão à disposição da União há mais de três anos, sem que até o momento o Ministério Público Federal tenha sequer reunidos indícios mínimos do envolvimento do acusado com o delito capaz de subsidiar a instauração da Ação Penal.

“Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, dou provimento ao presente recurso de apelação, para o fim de determinar o levantamento da constrição efetivada sobre os bens do requerente cuja titularidade encontra-se devidamente comprovada nos autos”, determinou o relator que foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora.

Foram apreendidos um apartamento no edifício Leonardo da Vinci, localizado em Londrina-PR; uma motocicleta Honda Goldwing GL 1800; um automóvel Honda Accord V6; e uma Toyota Land Cruiser. Na época, o empresário foi apontado pela Polícia Federal como chefe de uma suposta organização criminosa envolvida com a importação e venda ilegal de cigarros vindos do Paraguai.

O inquérito da PF apura suposta prática de crimes de lavagem de dinheiro praticados por pessoas ligadas à empresa Sudamax-Comércio e Indústria de Cigarros Ltda. Segundo o inquérito, Maurício Rosilho chegou a integrar a administração da empresa, mas se desligou dela antes do período investigado pela Polícia Federal. No entanto, até agora, sequer há Ação Penal contra ele.

A operação Bola de Fogo foi deflagrada em outubro de 2006 para desmantelar uma suposta organização criminosa responsável pelo comércio clandestino de cigarros no Brasil. De acordo com o balanço divulgado pela PF logo após a operação, pelo menos 97 pessoas foram presas, a maior parte delas no Rio Grande do Sul (33), em São Paulo (24) e no Mato Grosso do Sul (24), onde teria sido detido o líder da suposta quadrilha.

Ainda segundo o balanço da PF foram apreendidos 25 carros de luxo, um avião, US$ 750 mil, R$ 250 mil e quatro armas. A Justiça Federal também bloqueou cerca de R$ 400 milhões em contas correntes abertas no Brasil, Paraguai, Uruguai e Estados Unidos.

As prisões e apreensões de bens foram autorizadas por um juiz federal do Mato Grosso do Sul. Os supostos integrantes da chamada máfia do cigarro foram acusados de crimes contra a Fazenda, como sonegação de impostos, evasão de divisas e falsificação de cigarros.

Leia a Ementa
Processual penal. Recurso de apelação em incidente de restituição de coisa apreendida. Lavagem de dinheiro. Seqüestro de bens. Excesso de prazo. Apelo provido.

1. A jurisprudência, com esteio nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem flexibilizado o prazo de manutenção da medida constritiva para além dos 120 dias previstos no artigo 4º da Lei nº 9.613/98, quando as especificidades das investigações assim o recomendarem.

2. Todavia, no caso em apreço, o ato de constrição que recaiu sobre os bens do apelante foi efetivado há mais de 03 (três) anos, sendo que até o momento os órgãos de persecução penal do Estado não reuniram sequer indícios mínimos de seu envolvimento com a prática delitiva a ponto de subsidiar a instauração da ação penal, ultrapassando, assim, o limite do razoável.

3. Apelo provido, para o fim de determinar o imediato levantamento da constrição que recai sobre os bens do apelante.

Leia o acórdão
O Exmo. Senhor Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Cuida-se de recurso de apelação, interposto por MAURÍCIO ROSILHO, com base no artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal, contra a decisão que indeferiu o pedido de restituição de bens seqüestrados por força de ordem judicial emanada nos autos do inquérito policial de nº 2004.60.00.007628-8.

O requerente sustenta, em apertada síntese, o excesso de prazo na manutenção da constrição, sem que tenha sobrevindo acusação formal em desfavor de sua pessoa.

Inicialmente, observo que o recurso de apelação constitui a via adequada para impugnar decisão terminativa que põe fim a procedimento criminal e contra a qual não caiba o recurso em sentido estrito, nos termos do artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal, como ocorre no presente caso. Portanto, o recurso merece ser conhecido.

O seqüestro recaiu sobre os bens indicados às fls. 11/12, 14, 16 e 18, quais sejam:

– Apartamento 11, localizado no edifício Leonardo da Vinci, Rua Jorge Belho, 68, Londrina/PR;

– Veículo placa DKG 0888, I/Honda Goldwing GL 1800, Amarela, 2001, SP;

– Veículo placa DRK 6762, I/Honda Accord V6, Preta, 2005, SP;

– Veículo placa DSP 8228, I/Toyota Land Cruiser PR, Preta, 2006, SP.

Cumpre observar, inicialmente, que não se controverte sobre a propriedade dos referidos bens, que se comprovou pertencer ao apelante, consoante se extrai de fls. 12 e 201/204.

Pois bem. A medida constritiva foi efetivada na data de 10.10.2006, sendo certo que, até o momento, não foi instaurada ação penal em desfavor do acusado.

Não se olvida que a jurisprudência, com esteio nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem flexibilizado o prazo de manutenção da medida constritiva para além dos 120 dias previstos no artigo 4º da Lei nº 9.613/98, quando as especificidades das investigações assim o recomendarem, segundo corrobora o aresto a seguir:

PENAL. PROCESSUAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. SEQÜESTRO DE BENS. PRAZO DE 120 DIAS. ART. 4º, § 1º, DA LEI Nº 9.613/98. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE.

1. Consoante entendimento do STJ, os prazos processuais devem ser considerados sob a luz do princípio da razoabilidade, com o fim de observar à própria ratio legis das normas adjetivas e atender às necessidades do caso concreto.

2. Em que pese a Lei nº 9.613/98 já alargar o período de manutenção do seqüestro de bens na pendência de inquérito policial, não substitui as funções do legislador o Magistrado que mantém a medida constritiva, principalmente em circunstâncias de extrema complexidade, cujas investigações policiais dependem de diligências a serem realizadas pela Interpol em diversos países, bem como de relatórios fornecidos por instituições financeiras sobre contas bancárias mantidas pelos indiciados.

(TRF 4ª Região, 8ª Turma, ACR nº 200471000407638, Rel. Juiz ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, Julgado em 11/05/2005, DJ 25/05/2005 PÁGINA: 892)

Entretanto, embora a decisão recorrida tenha fundamentado o indeferimento do pedido formulado pelo requerente na complexidade das investigações, não é lícito que o particular suporte a constrição indefinidamente sem que se vislumbre qualquer indício da conclusão das investigações.

No caso em apreço, o ato de constrição que recaiu sobre os bens do apelante foi efetivado há mais de 03 (três) anos, sendo que até o momento os órgãos de persecução penal do Estado não reuniram indícios mínimos de seu envolvimento com a prática delitiva a ponto de subsidiar a instauração da ação penal, ultrapassando, assim, o limite do razoável.

Nesse sentido, trago à colação julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. AÇÃO AJUIZADA COM O INTUITO DE RESTITUIR BENS APREENDIDOS EM BUSCA JUDICIALMENTE AUTORIZADA E COM O FIM DE TRANCAR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. CABIMENTO.

(…)

EXCESSO DE PRAZO. BUSCA E APREENSÃO DE DIVERSOS OBJETOS NA RESIDÊNCIA DO PACIENTE. BENS QUE SE ENCONTRAM À DISPOSIÇÃO DA INVESTIGAÇÃO HÁ MAIS DE UM ANO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO AO SEU ENCERRAMENTO. PRAZO NO APOSSAMENTO DOS MATERIAIS QUE ULTRAPASSA O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. RESTITUIÇÃO PROCEDIDA. 1. Apesar da legalidade da decisão que determinou a busca e apreensão de bens na residência do paciente, inexistindo previsão quanto ao encerramento do inquérito, resta evidente o excesso de prazo na manutenção da medida, a permitir a devolução dos objetos ao seu proprietário.

2. Writ conhecido e ordem parcialmente concedida para trancar a investigação quanto ao crime contra a ordem tributária e determinar que, no prazo de 30 (trinta) dias, sejam restituídos os bens apreendidos por força da medida acautelatória, permitindo-se a reprodução dos objetos para fins de melhor concluir-se a investigação em andamento.

(STJ, 5ª Turma, HABEAS CORPUS nº 94141, Processo nº 200702642912, Rel. Min. JORGE MUSSI, Julgado em 02/12/2008, DJE DATA:09/03/2009)

Portanto, o recurso de apelação merece provimento, de modo a levantar o seqüestro que recai sobre os bens do requerente.

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, dou provimento ao presente recurso de apelação, para o fim de determinar o levantamento da constrição efetivada sobre os bens do requerente cuja titularidade encontra-se devidamente comprovada nos autos.

É o voto.

COTRIM GUIMARÃES
Desembargador Federal
APELAÇÃO CRIMINAL 2007.61.05.011952-3/SP

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